Viagem Fantástica
Viagem Fantástica
Mais uma vez eu estava diante do computador pensando na história que escreveria. O tema era desafiador e, portanto, exigia esforço e concentração um pouco além do normal. Eu precisava pensar em viagens, em turismo, em fantástico e, quem sabe, além disto.
Comecei pelos lugares que gostaria de conhecer. Mas, obviamente, não era este o caminho. Nepal, Alasca, norte da África... Fantásticos e... normais. Minha viagem tinha que ser muito mais extraordinária do que isto. Lembrei dos Esdrons. Para quem não conhece, “O Mistério de Arghtar” é um livro que escrevi tempos atrás e que narra as aventuras de meus filhos, os Esdrons, em Viscaldar. Aquele pequeno planeta perto de Alnitak, uma das estrelas do cinturão de Órion, precisava de ajuda. Fiquem calmos, eles conseguiram resolver, mesmo que parcialmente, o problema. Só que, naquela existência, os meninos desenvolveram algumas habilidades que acabaram por manter depois que, através do portal de Or, voltaram para casa. A Thirzá, por exemplo, continuou sabendo como desagregar seus átomos de modo a atravessar ou se incorporar a outros corpos materiais.
Fiquei um bom tempo pensando nisto... e me ocorreu a idéia. Se eu tinha alguém na família com tal poder, quem sabe não conseguiria algo parecido? Passei a me concentrar, mas sem saber no que. Coloquei os fones de ouvido e dei um clique sobre o arquivo de músicas de relaxamento. Na sala escura apenas a tela do computador estampando as paisagens que nunca visitei emitia alguma luz... e deixei minha mente livre. A melodia era suave e lenta. Fui ficando com sono, mas mantive os olhos abertos, fixos naqueles lugares maravilhosos. Um formigamento estranho passou a percorrer o meu corpo. Deixei rolar. Mais alguns instantes, e a sensação aumentou. Parecia que uma corrente elétrica de mil volts tomava conta de mim. Os fones davam a impressão de querer se incorporar aos meus ouvidos. Mas não era isto o que acontecia. Eu estava sendo sugado por eles. Por instantes, tudo ficou escuro. Foram momentos breves. Logo a seguir, eu estava em um ambiente muito claro, apenas a janela mostrava uma sala escura. Através do vidro, pude reconhecer a minha mesa de trabalho. Voltei a atenção para o lado oposto e meu coração disparou. Tentei acordar. Fiz de tudo para me libertar daquele sonho estranho que eu mesmo tinha provocado. Mas não adiantou, eu estava acordado.
Tentei respirar fundo, mas foi em vão. Bits não respiram. Olhei para o meu corpo, meus braços, minhas pernas. Nada estava lá. Depois do pavor, comecei a admirar o poder da mente. Eu sentia o meu coração aos pulos, mas não tinha coração, a sensação de suor gelado me incomodava, mas não havia suor, nem corpo, nem nada. Aliás, tudo. De algum modo, tudo estava ali. Apenas a forma era outra. Desisti de lutar.
Quando me acalmei, voltei minha atenção para o lugar onde me encontrava, percebi que tinha atingido meu objetivo. Muitos lugares estavam à disposição. Mas eu ainda não sabia muito bem como me mover, não havia mouse ou teclado. Sentia-me preso no site de treking no Himalaia. Resolvi experimentar o passeio. Era um mundo totalmente diferente. Diante da ignorância em relação aos meus próprios controles, joguei meu conjunto de bits na primeira trilha que encontrei. Sensação maravilhosa. Não sei se era apenas o navegar de impulsos elétricos ou as asas da imaginação, mas posso garantir que até frio eu senti. Contudo, alguma coisa estava faltando. Não teria muita graça passear por lugares maravilhosos sem um corpo. Já que o meu tinha virado um punhado de pulsos de energia que eu não podia ver, era necessário procurar um para tomar posse. Ri de mim mesmo e de minhas limitações. Num lugar em que o corpo não é requerido, senti que não era nada sem ele. Mais uma vez, capitulei diante de meus instintos primitivos e meu apego as coisas normais. Olhei para os milhões de caminhos que se colocavam a minha disposição. Fui para o site da Marvel. Escolhi o corpo do dr. Robert Bruce Banner. Isto mesmo, aquele que se transforma em Hulk. Acho que minha escolha foi uma questão de conveniência e segurança. Para os passeios eu seria o Bruce, nos casos de perigo...Hulk. Foi uma escolha acertada. Em muitos lugares eu fui atacado, principalmente por um maníaco chamado Norton, que tentava me destruir e me chamava de horse, spy e outras coisas que eu não conseguia entender. Se não fosse o Hulk, eu não iria a lugar algum. O engraçado é que não era a força do brutamontes verde que vencia aquele guarda costas e os outros que andam pela infovia, o segredo era a transformação. Explico: quando atacavam Bruce, me transformava em Hulk, ai eles usavam suas armas contra o homem verde e eu voltava a ser energia pura e só retomava o corpo de Bruce já dentro do sistema. O Norton que ficasse azarando o Hulk lá fora.
Voltei para o site de viagens com meu corpinho novo. Paredões imensos, com mais de seis mil metros de altura, davam uma sensação de pequenez que eu nunca tinha experimentado. Acho que fiquei horas passeando por aquele lugar. Era maravilhoso, mas era pouco. Quer dizer, diante das oportunidades que se abriam para mim, uma inimaginável trilha no Nepal era fichinha. Muitas possibilidades, uma enormidade de portas se apresentava cada vez que eu pensava em alguma coisa. Percebi, então, que meu pensamento era meu mouse... e minha vontade o limite. As conexões estavam ali e me permitiam ir a qualquer lugar. Agradeci pela existência da internet, mas eu iria além dela, só ainda não sabia disto.
Como eu não dominava completamente a habilidade de me autodirecionar, eventualmente era, como direi, sugado para locais que apenas levemente tinham passado pela minha cabeça. Foi assim que acabei me materializando nas águas do Atlântico, ao norte das Caraíbas, bem no centro do Triângulo do Medo. Fiquei pensando no porquê de ter chegado até ali. Acho que foi em função da lembrança do motivo de minha aventura: Orkut, Contos Fantásticos, Chat, Comentários, Pedro, Triângulo. Era isto. Eu precisava aprender a controlar meus pensamentos. Qualquer deslize, e eu voava para outro lugar. Para testar, voltei a pensar nas discussões do chat da comunidade... Vruuuummm. Atravessei um guarda roupas e acabei dentro de um caldeirão cheio de chocolate e com crianças risonhas a minha volta. Só que isto me confundiu mais ainda. Tudo o que eu visitara até então eram construções de um mundo virtual, como virtual era o meu corpo. Mas eu não tinha certeza se o Rubem e o Alexandre, assim como o Pedro, já tinham construído suas histórias e colocado na rede. Decidi esquecer o assunto.
Eu queria ser dono do que eu poderia ter. Tomar posse do que era meu. A esta altura, não sem algumas agruras, eu me tornara senhor dos meus passos naquele mundo estranho. Por vezes, cheguei a computadores pessoais e pude ver a vida das pessoas por trás do display dos equipamentos que usavam. Engraçado como a intimidade dos outros é atrativa. Mas este não era o meu objetivo. Precisava me concentrar.
Após alguns momentos de introspecção para limpar meus pensamentos, pensei num dos sites que eu mais gostava. NASA. No mesmo instante o piso fofo da superfície lunar começou a engolir meus pés. A Terra é muito linda, quando vista da Lua. Armstrong deve ter ficado extasiado. Continuei a explorar as inúmeras possibilidades e vi, literalmente vi, um corredor de energia de um computador diferente e poderoso. As velocidades de processamento e de conexão eram extraordinárias, não era uma máquina comum. Também não era internet, mas estava conectado. Fui até lá e não resisti. Entrei com tudo na estrada de ondas. Fiquei desmanchado por mais de 18 minutos. Viajei quase 300 milhões de quilômetros naquela frequẽncia de rádio e cheguei a ele. Passei a ver o inconfundível solo arenoso e avermelhado de Marte de dentro do Curiosity. Aliás, penso que virei o próprio veículo. Eu, Olavo Bruce Banner Hulk era, então, o primeiro homem a por os pés no Planeta Vermelho... quer dizer, as rodas.
Foram horas maravilhosas. Os caras da agência espacial americana devem ter ficado malucos monitorando os movimentos do robô com vontade própria. Afinal, evidente que eu não ia ficar lá trancado dentro daquele jipe de última geração sem fazer nada. Assim que aprendi a tomar conta dos controles do bicho, botei o pé na tábua. Até cavalinho de pau eu dei no centro da grande cratera. Foi um deleite. Depois de algum tempo, me senti cansado. Juro que não sabia que bits sentiam fadiga. Resolvi voltar para casa.
Não foi difícil achar o caminho de volta. Antes, porém, passei na Marvel e devolvi o Bruce. Grande companheiro que me levou a lugares incríveis e me salvou de poucas e boas, nunca o esquecerei. Enquanto me encaminhava para meu computador, fiquei com medo de que minha mulher tivesse desligado o aparelho. Felizmente isto não tinha acontecido. Minha sala estava lá e continuava escura, como eu tinha deixado. Até os fones continuavam conectados e caídos sobre a cadeira. Fiquei aliviado. Mas, logo a seguir, para meu pânico total, vi, pelo lado de dentro da tela, meu filho se aproximando e desconectando o plug. Ele sempre faz isto. Pega meus fones sem pedir licença para ouvir música no notebook dele. Só que desta vez ele levou minha porta de saída, meu elo com o mundo exterior. Petrifiquei na hora, puro medo. Passava pela minha mente que nunca mais sairia dali. Mas uma lembrança me aliviou um pouco. Na última vez em que dei bronca no guri por ter pegado minhas coisas, ele jurou que quando terminasse colocaria de volta no lugar. Então seria uma mera questão de tempo. Isto se ele cumprir a promessa, obviamente. O jeito foi esperar. Para passar o tempo, acessei o Recanto das Letras por dentro mesmo, e postei esta história. Realmente, foi a viajem mais fantástica da minha vida. E, já que estava na comunidade e não tinha nada para fazer, resolvi visitar os companheiros de escrita. De vez em quando dou um pulo lá em casa para ver se os fones já voltaram. Mas enquanto isto não acontece, fico saltando de conexão em conexão. Portanto, não esqueça, se neste exato momento em que você está lendo o final desta história, ou na próxima vez em que você ligar seu computador, acontecer uma breve piscada no monitor, rápida, quase imperceptível, sorria e acene, pois pode ser que seja uma visita minha... e eu o esteja observando pelo lado de dentro da sua tela.
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