"Sonho de uma noite de verão" adaptação
Texto dedicado ao mágico e feliz REINO DE GOROBIXABA
N.A. Adaptação livre e resumida da famosa peça de William Sheakespeare, "A Midsummer Night's Dream", transformada aqui em conto, porém respeitado o roteiro original. Pesquisa no original e em "Contos de Shakespeare", de Charles e Mary Lamb.
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Havia uma lei, em Atenas, que dava aos pais o direito de casar as filhas com quem eles escolhessem. Se alguma discordasse, o pai poderia condená-la à morte. Como em geral pais não desejam perder filhas, a lei raramente era aplicada. Porém, às vezes, as jovens eram ameaçadas.
Certa vez, um senhor idoso chamado Egeu procurou Teseu, príncipe reinante de Atenas. Egeu viera queixar-se de sua filha Hérmia, a quem ordenara se casar com Demétrio, de nobre família ateniense. Porém a moça se recusava a obedecê-lo, pois amava outro jovem, de nome Lisandro. Assim, o pai pedia ao príncipe que aplicasse a lei.
Hérmia alegava que não se casaria com Demétrio, por ele já haver anteriormente declarado amor a Helena, sua querida amiga. Helena amava Demétrio loucamente. Porém, mesmo diante de tão justa razão, Egeu permanecia inflexível.
Mesmo poderoso, o príncipe Teseu não podia alterar tal lei. Ele então concedeu quatro dias a Hérmia para que ela reconsiderasse sua decisão. Caso ainda se recusasse a desposar Demétrio, seria condenada à morte. Após a audiência com o príncipe, Hérmia procurou seu amado Lisandro, contando-lhe o perigo que corria: ou desposava Demétrio ou morreria em quatro dias. Lisandro ficou em grande aflição. Mas lembrou-se de uma tia que morava fora de Atenas, onde escapariam de tão desumana lei, a qual só vigorava dentro dos limites da cidade. Lisandro então propôs a Hérmia que fugisse de casa naquela noite e fossem para a casa da tal tia, onde se casariam. Disse ele:
- Eu te esperarei na floresta, longe da cidade, naquele belo bosque onde tantas vezes passeamos com tua amiga Helena.
Hérmia concordou, feliz, e não falou de seu plano de fuga a ninguém, exceto a Helena, a qual resolveu contar tudo a Demétrio. Por amor, cometem-se loucuras! Claro que com essa traição à amiga, a jovem Helena nada poderia esperar além do insignificante prazer de acompanhar seu amado Demétrio ao bosque. Helena imaginava que Demétrio, certamente, procuraria Hérmia, a noiva prometida.
No bosque, onde Lisandro e Hérmia se encontrariam às escondidas, habitavam encantados seres, as Fadas. Oberon, o rei das fadas, e sua esposa Titânia, a rainha, e suas cortes, ali costumavam realizar banquetes à meia-noite. Entre o rei e a rainha, havia, nessa época, um sério desentendimento: não podiam encontrar-se ao luar sem entrar em árdua discussão. Os belos elfos, atemorizados, se ocultavam.
A razão do atrito era o fato de a rainha Titânia negar-se a entregar ao rei Oberon um menininho de cuja mãe fora amiga. Ao morrer a mãe, a rainha roubou o bebê dos braços da ama, e o criava. Na noite em que Lisandro e Hérmia deviam encontrar-se no bosque, Titânia passeava com suas damas de honra, as fadas. Casualmente encontrou-se com Oberon e seu cortejo.
- Oh, vaidosa Titânia! Que desagradável encontro em tão linda noite de luar! – disse o rei, provocativamente.
- É o invejoso Oberon? Fadas, afastem-se rápido! Não quero saber dele!
- Espere! Calma! Não sou eu teu senhor? Por que me contrarias? Dá-me o menino que roubaste para ser meu pajem.
- Pois saiba, Oberon. Nem por todo o teu reino eu troco o garoto!
A rainha retirou-se, deixando o rei enfurecido. Ele ainda lhe disse:
- Como queiras! Mas, antes do amanhecer, eu me vingarei !
Oberon então mandou chamar Puck, seu conselheiro, um geniozinho arteiro, acostumado a pregar peças em pessoas das aldeias. Às vezes, ele entrava nas queijarias e azedava o leite. Ou ainda, mergulhava nas batedeiras e a leiteira não conseguia transformar o leite em manteiga. Quando um grupo de velhas se reunia para beber cerveja, ele mergulhava nas canecas, metamorfoseado em caranguejo, e quando uma delas ia tomar um gole, ele saltava-lhe nos lábios e a bebida entornava. E quando a velha ia sentar-se, Puck puxava o banquinho, fazendo-a ir ao chão. As outras rolavam de rir... Disse então o rei ao brincalhão geniozinho:
- Puck, traga-me aquela flor que as moças chamam de “amor-perfeito”. Quando se põe um pouco do néctar dessa flor sobre as pálpebras de pessoas adormecidas, elas, ao despertar, se apaixonam pela primeira coisa que vêem. Colocarei algumas gotas do néctar sobre as pálpebras de Titânia. Ela, ao acordar, se apaixonará pelo primeiro ser onde puser os olhos, seja leão ou macaco. Mas antes de retirar esse feitiço de seus olhos, usarei outro feitiço que fará Titânia me entregar o garoto.
Puck, louco por travessuras, correu a buscar a flor. Enquanto esperava a volta de Puck, Oberon viu Demétrio e Helena entrarem na floresta. Ouviu Demétrio censurando Helena com palavras ásperas por ela tê-lo seguido. Helena delicadamente se justificava. Lembrou-lhe das antigas juras de amor por ela que lhe fizera. Oberon observou que Demétrio deixou Helena para trás. Ela corria em seu encalço e acabou perdendo-se na escuridão.
Oberon admirava amantes fiéis e compadeceu-se de Helena. Como os jovens costumavam passear na floresta, ao luar, possivelmente Oberon alguma vez viu Helena junto a Demétrio, apaixonados, naqueles tempos felizes em que ele lhe havia declarado seu amor. Ao chegar Puck com a florzinha, Oberon disse-lhe:
- Separa uma parte da flor. Há aqui uma jovem desprezada por quem ama. Ao encontrar Demétrio adormecido, coloque sobre suas pálpebras um pouco do néctar amoroso. Mas faça isto quando Helena estiver por perto, para que, despertando, ele logo a veja.
Puck assim prometeu agir. Oberon, sem que Titiânia o visse, dirigiu-se ao local onde ela costumava repousar. Era um caramanchão, em uma bela encosta onde cresciam primaveras, violetas e rosas silvestres. Ali, Titânia geralmente dormia parte da noite.
Oberon encontrou Titânia ordenando às pequeninas fadas o que fazer enquanto ela dormisse. Algumas matariam vermes em botões de rosa, outras caçariam morcegos para fabricação de casaquinhos para os duendes, outras afastariam corujas. Depois, pediu-lhes que cantassem para que ela adormecesse. Elas então puseram-se a cantar uma doce melodia, juntando-se aos rouxinóis. Adormecida a rainha, as fadas saíram para suas tarefas. Oberon aproximou-se da esposa. Verteu-lhe, cautelosamente, gotas do mágico néctar nas pálpebras, praguejando:
- Hás de amar sempre o que vires ao despertar !
Hérmia, naquela mesma noite fugia de casa para evitar a morte por recusar-se a esposar Demétrio. Ao entrar na floresta, Hérmia encontrou o amado Lisandro esperando-a para irem para a casa da tia. Antes de atravessarem metade do bosque, Hérmia sentiu-se fatigada. Lisandro, atencioso, convenceu-a a repousar no macio tapete de relva. Ele deitou-se próximo, e adormeceram. O travesso Puck encontrou o apaixonado casal. Ao ver Lisandro e Hérmia adormecidos próximos, pensou tratar-se da jovem Helena e de seu infiel amado Demétrio, a quem Oberon lhe ordenara que procurasse. Puck imaginou que, por estarem sozinhos, ela seria logo vista por ele ao acordar. Colocou então algumas gotas do néctar sobre as pálpebras do rapaz.
Enquanto isto, Helena tentava encontrar Demétrio, que a abandonara rudemente. Mas logo perdeu-o de vista, pois rapazes correm mais que moças. Assim deu-se uma desgraça. Caminhando triste, Helena deparou-se com Lisandro adormecido, sem notar a presença de Hérmia. Dele aproximou-se. Tocando-o de leve, despertou-lhe. Lisandro abriu os olhos. O néctar amoroso imediatamente fez efeito. Ele pôs-se a falar-lhe palavras de amor. O poderoso néctar fez com que o amor de Lisandro por Hérmia desaparecesse e ele se apaixonou por Helena.
Houvesse Lisandro visto Hérmia primeiro, o engano de Puck não teria importância, pois ele amaria Hérmia mais ainda. A triste sorte foi Lisandro esquecer sua fiel Hérmia, e correr atrás de Helena, abandonando a amada adormecida e sozinha, por causa do feitiço. Lisandro disse a Helena ser ela superior a Hérmia, tal como a pomba supera o corvo em beleza; que por seu amor ele até se lançaria ao fogo... Porém Helena, sabendo do amor de Lisandro por Hérmia, encolerizou-se ao ouvi-lo falar assim. Pensou que Lisandro zombava dela e disse-lhe:
- Oh! Por que ser tão desprezada e zombada? Já não basta eu não receber um olhar terno ou uma doce palavra de Demétrio? E você ainda finge conquistar-me tão cinicamente? Lisandro! Eu te julgava sincero!
Helena então afastou-se. Lisandro a seguiu pelo bosque, apaixonado, esquecido de Hérmia, que ainda dormia. Ao despertar, sozinha, Hérmia sentiu medo. Pôs-se a caminhar pelo bosque, sem saber de Lisandro. Enquanto isso, Demétrio, não encontrando Helena nem seu rival Lisandro, cansou-se da busca. Demétrio então deitou-se,dormindo profundamente, sendo visto por Oberon.
Puck já havia contado a Oberon que havia aplicado a poção nos olhos da pessoa errada. Agora, encontrando a pessoa certa, Oberon colocou em Demétrio o néctar mágico. O rapaz acordou imediatamente e a primeira pessoa que viu foi Helena, que vagava pela floresta seguida por Lisandro. Exatamente como Lisandro, Demétrio começou a fazer declarações de amor a Helena. Foi então que Lisandro apareceu, com Hérmia correndo-lhe atrás, por causa do desastrado erro de Puck. Assim, sob influência do mesmo encanto, ambos, simultaneamente, tentavam conquistar Helena. Neste momento, os quatro jovens se encontraram.
Helena, atônita, pensou que os três haviam combinado zombar dela. Hérmia, tão surpresa quanto Helena, não entendia por que os jovens, que antes a amavam, estavam agora apaixonados por Helena. As duas iniciaram então violenta discussão. Dizia Helena:
- Como és má, Hérmia! Mandaste Lisandro zombar de mim! Demétrio, teu outro pretendente, que me repelia, agora me chama de deusa! Ele não falaria assim, se não o tivesses estimulado a zombar de mim. Esqueceste nossa amizade? Quantas vezes cantamos juntas, sentadas na almofada, bordando flores com o mesmo desenho, tal como crescemos juntas, como duas cerejas no mesmo galho. Não é digno de ti juntar-te a eles para zombar da amiga!
- Tuas palavras me espantam, Helena! Parece-me mais que és tu que me desprezas, e não eu a ti ! – Hérmia respondeu.
- Tu finges um ar sério, mas zombas de mim. Piscas os olhos para eles e continuas com zombarias! Por que me tratas assim? – retrucou Helena.
Enquanto elas trocavam ásperas palavras, Demétrio e Lisandro foram para a floresta lutar pelo amor de Helena. As duas, percebendo que eles não mais estavam ali, saíram vagando pelo bosque, cada qual em busca de seu amado. Oberon, que tudo ouviu junto a Puck, perguntou-lhe:
- Puck, fizeste isto tudo por distração ou de propósito ?
O geniozinho explicou ter sido um engano, mas que não se lamentava, pois achava tudo muito divertido. Disse então Oberon a Puck:
- Demétrio e Lisandro foram buscar um local para lutar. Ordeno-te que produzas um espesso nevoeiro, de modo que os adversários não consigam encontrar-se. Imita-lhe as vozes e força-lhes a segui-lo, cada um pensando que é o rival que fala. Faça-os se cansarem até que não possam mais dar um passo. Quando ambos adormecerem, derrama sobre Lisandro o néctar dessa outra flor. Ao despertar, ele esquecerá seu amor por Helena e voltará à antiga paixão por Hérmia. Assim, as duas jovens serão felizes, cada uma com quem ama. Vai depressa, Puck! Agora vou ver que amor minha Titânia encontrou.
A rainha dormia ainda. Oberon viu perto dela um camponês que havia se perdido pelo bosque e também a dormir. Disse o rei, zombeteiramente:
-Este homem será o fiel amor de Titânia !
Oberon então ajustou na cabeça do homem uma cabeça de burro, tão bem, que até parecia natural. Sem saber o que Oberon lhe fizera, o camponês despertou e, dirigiu-se até o caramanchão. Titânia acordou. Ao vê-lo, exclamou, sob o efeito do néctar:
- Oh! Um anjo! Serás tão inteligente quanto belo?
- Sim, senhora! O bastante para encontrar a saída da floresta sozinho! – disse o camponês.
- Não te vás! Sou um ser especial e te amo. Eu te darei fadas para te servirem! – falou-lhe Titânia apaixonadamente.
A rainha chamou quatro fadas: Flor de Ervilha, Teia de Aranha, Falena e Semente de Mostarda, ordenando-lhes que o alimentassem com uvas, damascos e roubando para ele favos de mel. Em seguida, disse-lhe:
- Senta-te junto a mim. Deixa-me acariciar tua linda face peluda e beijar tuas belas e longas orelhas, doce asno, alegria da minha vida!
O camponês usou e abusou da serventia das fadinhas. Certo momento, a rainha perguntou-lhe:
- Amor, tens fome? Uma fada lhe trará nozes da dispensa do esquilo.
- Prefiro ervilhas secas. Não deixes que me perturbem! Quero dormir.
- Dorme em meus braços - disse a rainha - Oh! Quanto te amo !
Ao ver tal cena, o rei censurou-a por conceder favores a um asno. Titânia não podia negar, pois o aldeão dormia em seus braços. Oberon então pediu o garoto. Titânia, envergonhada, não ousou recusar. Assim o rei obteve o jovem que desejava para pajem. Mas Oberon penalizou-se ao ver Titânia na ridícula situação que tramara. Derramou então o néctar de outra flor nos olhos dela. Ela imediatamente recobrou a razão. Surpresa com tal súbita paixão, disse que aquele ser a enchia de horror. O rei tirou então a cabeça de burro do camponês e deixou-o continuar seu sono.
Agora reconciliados, Oberon lhe contou a história da disputa entre os amantes e o duelo da meia-noite. Foram então, juntos, ver o final daquelas desventuras. Encontraram os quatro jovens a pouca distância um do outro, adormecidos. Puck havia conseguido, habilmente, trazê-los ao mesmo lugar, sem que eles percebessem. E já havia removido a magia dos olhos de Lisandro com o antídoto que Oberon lhe dera.
Hérmia foi a primeira a despertar. Encontrou Lisandro, que já havia julgado perdido, ali tão perto. Olhou-o longamente, admirada com sua estranha inconstância no amor. Abrindo os olhos, Lisandro viu sua amada Hérmia. Recuperou imediatamente a razão e seu amor. Então comentaram as loucuras da noite, e julgaram-se vítimas do mesmo sonho absurdo.
Helena e Demétrio também despertaram. A indignação de Helena desapareceu. Agora ela ouvia feliz as sinceras juras de amor de Demétrio. As moças esqueceram as duras palavras trocadas. Amigáveis, discutiam o que fazer. Concordaram que Demétrio, tendo desistido de suas pretensões em relação à Hérmia, tentaria convencer o pai dela a desistir da cruel sentença. Demétrio já se dispunha a voltar a Atenas quando, surpresos, viram Egeu, vindo em busca da filha.
Egeu compreendeu que Demétrio não mais pretendia casar com sua filha Hérmia e não se opôs ao casamento dela com Lisandro. Porém dentro quatro dias, ou ela perderia a vida. Quanto à Helena, combinou desposar seu amado e agora fiel Demétrio no mesmo dia de sua querida amiga.
O rei e a rainha, invisíveis espectadores, diante de tanta felicidade, resolveram celebrar tais núpcias com festas em todo seu reino encantado.
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