O guerreiro,o cavalo e a donzela dourada

Era uma vez um Rei que foi um grande conquistador e reinou sobre vários países mais do que qualquer outro rei no mundo.

E todas as ocasiões em que subjugava um reino novo, ele só concedia a paz com a condição de o Rei subalterno lhe entregar um de seus filhos para servi-lo durante dez anos.

Próximo das fronteiras do seu reino havia um país cujo imperador era tão corajoso quanto seu vizinho, e durante toda sua juventude ele lutou bravamente em inúmeras guerras.

Com o passar dos anos sua mente se cansou de planejar batalhas e campanhas bélicas e o seu povo só queria ficar sossegado em casa e cuidar dos campos de trigo.

Finalmente um dia ele sentiu que deveria homenagear o grande monarca conquistador enviando um de seus filhos para servir no reino vizinho.

Uma coisa, porém o impediu de ir adiante; ele não tinha nenhum filho homem, somente três meninas.

O velho rei ficou sombrio e cheio de medo, com a perspectiva de ver a ruína se aproximando dele.

Suas filhas notaram a mudança no semblante do pai e tentaram de todos os modos deixar ele mais animado, em vão.

Certa noite durante o jantar a mais corajosa das três se dirigiu a ele abertamente e perguntou o que o angustiava tanto.

‘’Que dor secreta está lhe incomodando? Seus súditos estão descontentes?

Ou será temos dado motivos para lhe desgostar?

Para suavizar suas rugas, de bom grado derramaríamos nosso sangue, pois nossas vidas estão ligadas à sua’’

‘’Minha filha, respondeu o imperador, ’’O que você diz é verdade. Nunca nenhuma de vocês me deu um momento sequer de dor. No entanto, agora vocês não podem me ajudar. Ah, porque uma de vocês não é um menino!’’

‘’Eu não entendo’’, respondeu ela surpresa.

‘’Diga-nos o que está errado, e embora não sejamos meninos, não somos completamente inúteis’’

’Mas o que vocês podem fazer minha querida filha?

Cozinhar, tecer, costurar, é esta a sua habilidade.

Eu preciso de um jovem guerreiro, forte e grande para manejar o machado da guerra, alguém cuja espada desfere golpes mortais’’

‘’Mas porque o senhor precisa tanto de um filho?’’

‘’Ouçam então minhas filhas; e aprendam sobre o motivo da minha tristeza.

Quando eu era moço ninguém nunca trouxe nenhum exército até meus pés sem que isto tenha custado muito caro.

Mas os anos se foram e levaram embora o meu viço e minha força.

E agora os veados podem andar tranquilamente na floresta, pois minhas flechas jamais irão perfurar seus corações; soldados estrangeiros irão atear fogo à minha casa e dar de beber a seus cavalos em meus poços e eu não poderei impedir eles.

Os meus dias passaram, e chegou o momento de eu curvar minha cabeça sob o jugo do inimigo.

Mas quem vai dar a ele dez anos de serviço que é parte do preço que o vencido deve pagar?’’

‘’Eu irei!’’ gritou impetuosamente a mais velha.

Mas seu pai apenas balançou a cabeça tristemente.

‘’Nunca trarei vergonha a você! Por favor, deixe-me ir! Não sou eu uma princesa, filha de um imperador?’’

‘’Vá então’’ ele disse.

O peito da menina corajosa inchou de alegria quando ela começou a sua preparação.

Ela dançou por toda a casa, revirando baús e armários de cabeça para baixo.

Recolheu provisões suficientes para um ano inteiro; vestidos bordados com outro e jóias preciosas. Escolheu o cavalo mais espirituoso do estábulo, de olhos de fogo, e envergou uma armadura de prata brilhante.

Quando seu velho pai a viu montada no cavalo de pé nos estribos ele deu a ela muitos conselhos sobre como se comportar como o garoto que parecia ser e também como a garota que ela realmente era.

Então ele deu-lhe sua benção e ela esporeou o cavalo.A armadura de prata e a magnífica montaria deslumbraram os olhos das pessoas por onde ela passou; rápida como um relâmpago, ela logo desapareceu de vista.

Sua escolta teve dificuldade em acompanhar seus passos, e ela foi obrigada a voltar algumas vezes para permitir a eles acompanhá-la.

Contudo, sem que as filhas do rei tivessem conhecimento do fato, o pai delas era um poderoso mago e tinha colocado em ação um plano para frustrar a tentativa da princesa corajosa.

Ele conseguiu ultrapassar a filha sem ser visto, e debaixo do arco de uma ponte de cobre sobre um córrego por onde a garota deveria passar, transformou-se em um lobo, deitou e esperou.

Meia hora depois o som dos cascos do cavalo foi ouvido, seus pés estavam quase tocando a ponte quando o grande lobo cinzento apareceu, arreganhando os dentes diante da princesa.

Com um rugido profundo que congelou o sangue, ele se preparou para saltar.

O surgimento do lobo foi tão inesperado que paralisou a menina de terror, e o cavalo virou violentamente de lado.

Então ela cavalgou a toda velocidade de volta para casa, sem largar as rédeas um instante.

O velho imperador veio receber a filha e lhe disse, com ar complacente:

‘’Criança, as moscas não produzem mel’’

Os dias se passaram e a segunda princesa implorou ao pai para deixá-la tentar a aventura em que a irmã fracassou.

Ele ouviu a contragosto, tendo a certeza de que era inútil, mas tanto ela implorou que ele no final consentiu.

E apesar da princesa se sentir mais bem preparada que a irmã, quando o lobo cinzento apareceu, ela correu para casa mais rápido do que seu cavalo poderia levá-la.

Nos degraus do castelo seu pai a esperava de pé.

Ainda tremendo de medo, a menina ajoelhou-se perto dele, que gentilmente lhe disse:

‘’Minha criança, todos os pássaros são pegos na rede’’

Durante um bom tempo as três garotas se ocuparam das suas tarefas em silêncio; fiar, bordar, cozer, cuidar das flores.

Uma manhã a princesa mais nova irrompeu no aposento privado do imperador.

‘’Meu pai, agora é a minha vez.

Deixe-me tentar enfrentar o lobo’’

‘’Então você acha que é mais corajosa que suas irmãs? Logo você que raramente deixa de lado suas bonecas e vestidos longos?’’

Mas a princesa não se importava de ser ridicularizada.

‘’Por amor a ti eu teria cortado o próprio demônio em pedaços.

Ou me tornaria um demônio.

Deixe-me tentar.

Se fracassar não terei mais vergonha que minhas irmãs’’

O imperador inicialmente hesitou, mas querendo dar uma lição naquela menina mimada, ele consentiu.

‘’Se você quer ir que vá.

Eu vou dar boas risadas quando você voltar para casa de cabeça baixa e olhos no chão’’

A princesa retrucou:

‘’Quem ri por último ri melhor’’

Ela seguiu contente seu caminho e procurou primeiro cuidadosamente o seu cavalo.

Nos estábulos do castelo encontrou os mais bonitos cavalos do império se alimentando nas barracas, mas nenhum deles servia.

Quase em desespero ela encontrou o último.

Era um cavalo velho e acabado que pertenceu a seu pai na juventude.

A menina chorou com pena do animal e ficou olhando para ele.

O cavalo levantou a cabeça, relinchou um pouco e disse baixinho:

‘’Não é tarde demais para mim; se eu for bem cuidado em uma semana terei condições de competir com os melhores do estábulo’’

‘’E como você deve ser cuidado?’’ perguntou a garota.

’Esfregando meu pelo com água da chuva diariamente, cozinhando minha cevada com leite e lavando meus cascos com óleo’’

E assim fez a princesa.

Em uma semana a pele do cavalo brilhava como a lua, seus músculos saltavam duros como uma melancia e seu passo era leve como camurça.

Então olhando para a princesa com grande alegria ele disse:

‘’Diga-me o que posso fazer por você princesa e eu farei’’

‘’Eu preciso de um conselheiro de cabelos brancos. Onde encontro alguém de confiança?’’

‘’Se você tem a mim não precisa de mais ninguém.

Vou servir você como servi a seu pai’’ respondeu o cavalo.

Os preparativos da filha mais nova foram muito mais simples que o das suas irmãs; consistiam apenas em umas mudas de roupas de garoto, pequena quantidade de comida e algum dinheiro.

Ela despediu-se do pai e afastou-se.

Ao fim de um dia ela chegou à ponte de cobre do lobo cinzento e apesar de estar prevenida quanto a isso, ela tremeu toda quando um monstro enorme, tão magro como se tivesse jejuado um mês inteiro, empunhando garras iguais a serras e escancarando uma boca tão grande quando um forno apareceu na sua frente, uivando para ela.

Por um momento seu coração falhou, mas no momento seguinte, tocando levemente o esporão do seu cavalo, ela tirou sua espada da bainha e estava pronta para separar a cabeça do lobo do seu corpo com um único golpe.

A besta viu a espada e recuou; a luz da batalha brilhava nos olhos da menina e o sangue fervia nas suas veias.

Em seguida sem olhar de lado, ela atravessou a ponte.

O imperador ficou orgulhoso da filha, e esperou por ela numa segunda ponte; uma ponte de prata.

Dessa vez ele tomou a forma de um leão.

Ao som do seu rugido as próprias árvores tremeram e suas garras eram tão grandes que cada uma delas parecia um cutelo.

A respiração da princesa ia e vinha e seus pés dançavam nos estribos.

A cor da sua pele sumiu e um forte terror se apossou de sua alma.

De repente a lembrança de ter colocado o lobo para fugir se acendeu em sua mente, e agitando sua espada no ar ela correu tão violenta para o leão que ele mal teve tempo de saltar de lado para evitar o golpe.

Então como um raio ela cruzou a ponte de prata.

Durante toda a sua vida a princesa havia sido cuidadosamente criada e protegida de modo que jamais deixou os jardins do castelo; a visão dos morros e vales, o tilintar dos riachos e o canto das cotovias e melros quase a sufocou de prazer e admiração.

Ela queria descer e apanhar as flores no caminho, mas o cavalo disse ‘’Não’’ e apressou o passo.

‘’Guerreiros’’, disse ele, ’’só descansam quando ganham a vitória. Você ainda tem uma batalha para travar e é a mais difícil de todas’’

No final da jornada do terceiro dia, ao longo de uma ponte de ouro, um dragão com doze cabeças esperava por eles.

A princesa cavalgava distraída quando um sopro repentino de fumaça e o calor das chamas lamberam os seus pés.

Assustada ela olhou para baixo e lá estava a criatura horrenda se retorcendo como uma cobra, suas doze cabeças se erguendo para abocanhar ela no meio dos dentes.

O freio escorregou de sua mão, a espada deslizou para trás na bainha, mas o cavalo lhe disse para manter a calma.

Com hercúleo esforço ela se aprumou na sela e enfrentou o dragão.

A briga durou uma hora, mas no final ela conseguiu atingir ele com um golpe certeiro de lado, e cortou uma das cabeças; o bicho soltou um rugido tão alto que parecia rasgar o céu em dois.

O dragão caiu de costas e levantou-se na forma de um homem.

A menina viu com espanto a transformação do pai.

‘’Agora vejo que você é tão valente quanto o mais bravo, e tão sábia quanto o mais sábio’’

Quando ele terminou de falar a princesa se ajoelhou para receber sua benção e seguiram por caminhos diferentes.

A princesa andou mais e mais até que chegou ao sopé das montanhas que sustentam o teto do mundo.

Lá ela conheceu dois gênios que lutavam ferozmente um contra o outro já há dois anos.

Nenhum dos dois havia logrado obter alguma vantagem sobre o outro, de modo que a briga empacava.

Observando aquilo que eles julgavam ser um jovem em busca de aventuras, um dos combatentes gritou:

-Guerreiro! Livra-me do meu inimigo que eu te darei o chifre que pode ser ouvido a três dias de viagem.

Enquanto isso o outro gênio gritou:

-Guerreiro! Ajuda-me a conquistar esse ladrão que eu te darei meu cavalo, luz do sol.

A princesa consultou seu próprio cavalo e ele lhe aconselhou a aceitar o presente do gênio que ofereceu luz do sol.

Então a menina atacou o outro gênio e esmagou-lhe o crânio.

O gênio vitorioso implorou que a garota o acompanhasse até sua casa para lhe entregar o seu cavalo, conforme prometeu.

A velha mãe do gênio exultou ao ver o filho retornar são e salvo, e preparou o melhor quarto para a princesa, que estava morta de fadiga.

Antes de ir descansar, porém, a menina foi se ocupar de acomodar seu cavalo na estrebaria e aproveitou para lhe pedir mais conselhos.

Nesse ínterim a velha havia farejado algo estranho no jovem guerreiro que veio de longe, e começou a suspeitar que ele era na realidade uma mulher disfarçada.

Ela disse ao filho que tinha encontrado a esposa que ele precisava, mas o gênio zombou e perguntou qual braço do sexo feminino seria capaz de brandir um sabre como aquele.

Apesar do seu desprezo a mãe insistiu naquilo, e para provar a veracidade das suas suspeitas, lançou mão de um encantamento; em cada travesseiro da cama da princesa ela depositou flores mágicas, que murchavam com o toque de um homem, mas permaneciam frescas com o toque de uma mulher.

Foi um truque muito esperto da parte dela, mas o cavalo já havia avisado a princesa previamente e quando a casa estava em silêncio na calada da noite ela levou as flores frescas para o quarto do gênio e quando todas as pétalas murcharam a menina trouxe-as de volta para seu próprio quarto e adormeceu um sono profundo.

Mas apesar disso a velha ainda desconfiava e resolveu preparar outra armadilha para a princesa.

Após o almoço o gênio convidou o jovem guerreiro para passear no jardim e por algum tempo de braço dado com ele andou a comentar sobre a beleza das rosas e margaridas.

A menina, porém não demonstrou interesse nas flores e com ar entediado perguntou quando iriam ver os cavalos no estábulo.

O gênio convenceu-se de que o guerreiro era mesmo homem.

Por fim numa última tentativa a mãe do gênio mostrou à princesa o arsenal de armas do filho, a fim de observar a reação do garoto que ela pensava ser uma menina.

Disse-lhe para escolher uma arma para si.

A princesa olhou de perto, sentiu as extremidades e pontas das lâminas e se deteve sobre uma antiga adaga que pertenceu a um grande guerreiro.

Não havia mais nada a se fazer e a mãe do gênio, inconformada, teve de entregar o cavalo luz do sol e permitir que o jovem fosse embora.

A princesa montou na Luz do sol e despediu-se em meio à lágrimas do seu velho cavalo, que lhe deu mais alguns conselhos e voltou para sua casa.

Ela tinha cavalgado alguns quilômetros adiante quando encontrou um lindo cacho dourado de cabelo na estrada.

A menina desceu do cavalo e pegou o feixe de cabelos louros, guardando-o em volta do pescoço.

-Se você levar isso vai se arrepender.

Disse o cavalo luz do sol.

-E se eu não levar?

Ela quis saber.

-Vai se arrepender do mesmo modo.

A princesa decidiu levar e partiram, atravessando colinas, montanhas e vales deixando atrás de si densas florestas e campos cobertos de flores.

Finalmente chegaram às terras do grande imperador, o senhor dos senhores.

Ele estava sentado em seu trono, rodeado de príncipes que lhe serviam como se fossem pajens.

Estes jovens vieram todos cumprimentar seu novo companheiro, e intimamente se perguntavam por que se sentiam tão atraídos por ele.

A princesa foi levada até o Imperador e explicou em voz baixa a razão da sua vinda.

O grande Rei recebeu-a amavelmente e declarou-se feliz de encontrar um vassalo tão corajoso e encantador, e solicitou a ela que ficasse à sua disposição.

A princesa, no entanto, não se comportava como os demais pajens, cujos modos não lhe agradavam.

Ela se divertia cozinhando e fazendo doces e sua fama na cozinha chegou aos ouvidos dos outros príncipes pajens.

Um dia alguns pajens invejosos foram contar ao Imperador que seu novo companheiro sabia cozinhar e andava se gabando que conhecia o paradeiro da bela Iliane dos cabelos dourados, a célebre Iliane da popular canção ‘’Cabelos de Ouro’’.

O imperador era um homem ganancioso e imediatamente desejou ter Iliane consigo.

Mandou vir a princesa à sua presença e exigiu o cacho dourado que ela guardava ao redor do pescoço.

-Ouça-me; de um modo ou de outro, você me trará a dona desse cacho de cabelos ou cortarei sua cabeça.

Agora vá!

Ele ordenou trovejante.

O cavalo Luz do sol contou à menina que Iliane estava em poder de um gênio, numa ilha.

A princesa pediu ao imperador vinte navios abarrotados de jóias preciosas, a conselho do cavalo, e partiu.

Durante sete semanas o vento soprou para o oeste e de manhã cedo eles avistaram as ilhas pantanosas no meio do mar.

Lançaram âncora numa pequena baía e a princesa apressou-se a desembarcar; amarrou no cinto um par de chinelos de ouro puro adornados com pedras raras e montou no cavalo luz do sol.

Na entrada do castelo onde vivia o gênio ela foi recebida por três escravos ambiciosos, cujos olhos foram aprisionados pelo brilho de ouro dos chinelos.

Eles perguntaram quem era o dono dos chinelos e ele respondeu que era um comerciante, desviado do seu caminho e perdido nas ilhas pantanosas.

Sem saber se era adequado receber o estrangeiro, os escravos foram contar à Iliane, que vivia no castelo prisioneira, sobre o comerciante riquíssimo que aportou na baía.

A curiosidade dela foi imensa e de tanto insistir conseguiu convencer os escravos a deixá-la ir ver os navios.

E quando o comerciante lhe contou que a bordo do navio havia chinelos de ouro ainda mais extraordinários, ela não resistiu e foi ver pessoalmente.

Ficou tão absorvida em observar as jóias preciosas que não percebeu quando as velas se agitaram e o navio zarpou.

E assim chegaram à corte do Imperador.

A mãe do gênio, porém, soube que Iliane fugiu com um comerciante e na ausência do filho ela veio em perseguição da moça dos cabelos de ouro.

Caminhando rapidamente entre as ondas, cuspindo fogo e chamas, a velha estava quase alcançando o navio quando o cavalo luz do sol disse à princesa para pegar uma pedra que se escondia na orelha esquerda dele.

-jogue a pedra atrás de você.

Disse luz do sol.

E a princesa jogou a pedra; uma imensa montanha de repente surgiu no mar interpondo-se entre a velha monstruosa e eles.

Mas a bruxa velha rapidamente escalou a montanha.

O cavalo mandou a princesa pegar uma escova oculta na sua orelha direita e jogar atrás de si.

Uma floresta cerrada e gigantesca surgiu entre a mãe do gênio e a comitiva.

Mas a velha agarrou-se aos galhos como um macaco furioso e atirando-se de um a outro velozmente se aproximou de novo, cada vez mais perto; seus cabelos queimavam chamuscados com as chamas da sua boca.

Em desespero a princesa perguntou ao cavalo se não havia mais nada a ser feito e ele respondeu:

-Rápido, rápido, tire o anel de noivado de Iliane e jogue-o atrás de si.

Desta vez surgiu uma torre grande lisa, de marfim duro como aço, impossível de escalar.

A velha deu um salto prodigioso, mas não conseguiu ultrapassar a torre; ela urrava de raiva e frustração, suas garras visíveis nas ameias.

O imperador recebeu Iliane com o respeito que era devido a ela, e apaixonou-se a primeira vista.

Mas isso não pareceu agradar Iliane, que caminhava muito triste pelos jardins se perguntando por que ela tinha a sina de ser prisioneira de quem não gostava.

O amor do imperador por ela aumentava dia a dia, mas ela sempre tinha uma desculpa para adiar o casamento.

Finalmente quando não havia mais o que ela inventar para fugir do compromisso, ela lhe disse um dia:

-Concede-me senhor, só mais uma dádiva.

-Minha linda pomba, pede o que quiseres que será teu.

-Eu quero um frasco de água sagrada do Rio Jordão.

O imperador mandou a princesa ir buscar a água para Iliane.

Graças às artimanhas de Luz do sol a menina encontrou em uma pequena igreja, além do rio Jordão, o vaso de água benta, guardado por um grupo de freiras.

Entrou sorrateiramente na igreja, rastejou no corredor escuro e se apossou do vaso.

O som dos cascos do cavalo despertou uma das freiras, que compreendeu imediatamente que o precioso tesouro tinha sido roubado e seus gritos foram tão altos que todos vieram ver o ocorrido.

Um eremita seguiu as pegadas de Luz do sol, mas percebendo que era impossível alcançar o ladrão ele caiu de joelhos e lançou uma praga.

Ele orou para que o ladrão se tornasse mulher se fosse homem, e se tornasse homem se fosse mulher.

Mas a princesa ficou muito feliz quando sentiu que era realmente o homem que ela fingia ser e agradeceu ao eremita de coração.

Ele agora era um jovem guerreiro de verdade aos olhos de todos; tirou o vaso da sua túnica e entregou-o ao rei.

Mas ainda que o imperador ficasse satisfeito, Iliane não estava.

E decidiu se vingar do imperador por causa dos perigos aos quais ele expôs o jovem guerreiro que lhe salvou das garras do gênio.

Mandou preparar um banho com o leite de égua e convidou o rei a entrar na banheira junto dela.

Então quando os dois estavam com leite até o pescoço, ela fez sinal para o cavalo Luz do sol se aproximar.

O cavalo entendeu o que deveria fazer.

De uma narina soprou ar fresco sobre Iliane e da outra bufou um ar quente sobre o imperador.

O rei murchou e reduziu-se a cinzas.

Sua estranha morte que ninguém soube explicar e seu funeral magnífico foi sensação em todo o país.

Iliane posteriormente convocou o jovem príncipe guerreiro e se dirigiu a ele deste modo:

-Foi você quem me trouxe até aqui e me libertou, salvou minha vida e realizou meus desejos.

E você, nenhum outro, é que deve ser meu marido.

-Sim eu vou me casar com você.

Respondeu o jovem numa voz quase tão suave como quando ele era uma princesa.

-Mas saiba que em nossa casa quem canta é o galo e não a galinha...

Extraido originalmente de ''Sept Contes Roumains, Jules Brun and Leo Bachelin''

''The Girl who pretended to be a boy''

Tradução e adaptação: