"Desejos"

Naquela noite fria eu sentia como se todas as

geleiras do Ártico estivessem aos meus pés. Mal conseguirá

levantar-me da cama e lá estava eu novamente debaixo do

chuveiro.

Àquelas maravilhosas e saborosas gotas de água

quente caiam sobre o meu corpo com uma suavidade que me

causava um adormecimento momentâneo. Por longos minutos,

fiquei com a cabeça baixa, apenas sentindo ser massageada

pelas delicadas gotinhas.

Já o frio deixará meu corpo, pelo menos se tornou

quente, ou melhor, fora suprimido pelas maravilhosas

gotinhas vaporosas.

Ao sair do chuveiro tive a sensação de que alguém

me observava, parecia que os olhos estavam fixados em mim,

mas eu não podia vê-los, apenas sentia. Tentei enxergar o

meu rosto no espelho do banheiro, mas o vapor daquela

imensidão quente de água, fizera do espelho uma graciosa

lousa de recados.

Tive que me conter para não retornar ao box do

banheiro, estava tão tentada que a cada vez que virava o

corpo, parecia que um desesperado impulso me atraia.

Enrolei-me numa enorme toalha de banho que exalava

um suave cheiro de flores do campo, a cor branca parecia

fazer as nuvens próximas e tão reais, que acabei por me

sentir no céu.

Adormeci novamente, envolvida pela sensação única

de leveza e resplendor.

Acordei horas depois com o telefone a tocar

desesperadamente, mas não consegui levantar e nem ao menos

abrir os olhos por completo. Algo de estranho me dominava,

porém não sabia ao certo discernir o que me levará a tal

inércia.

Voltei ao meu ébrio sono, e nele pude visualizar

uma luz que adentrava em meu quarto, e em instantes

começou a dominá-lo por completo. Estranha imagem formou

diante de meus olhos, tomando corpo físico de um homem,

transformando-se oniricamente em um ente jamais visto

pelos meus humildes olhos.

Fiquei por algum tempo boquiaberta, tentando crer

que aquilo fazia parte de uma alucinação febril. Por hora,

a imagem postou diante de minha cama e pôs-se a me vigiar,

silenciosamente, num misterioso colóquio de olhares.

Não permiti que meus olhos repousassem sobre

minhas pálpebras, dei ênfase a minha inútil tentativa de

levantar-me, entretanto meus movimentos foram contidos

pela mão da estranha “criatura”.

Por alguns momentos pensei que aquele ser fosse

uma materialização dos meus pensamentos, deixei que me

tocasse, e senti intimamente que era tão real quanto podia

pensar.

Tocou-me deliciosamente. Senti suas mãos suaves

envolverem os meus ombros, acariciando-os, sentia o toque

como se fossem plumas a me abanarem.

Sentei-me na cama e fechei pausadamente meus

olhos, senti o calor ofegante da respiração aproximando-se

dos meus lábios. Ao aproximar-se, ouvi o doce cantar de

sua incessante respiração, seus lábios tocaram os meus,

senti que naquele instante os meus também desejariam ser

os dele, numa união labial jamais vista.

Beijei desvairadamente aquela boca desconhecida,

sentindo todos os desejos daquela sedução alquímica.

Enquanto suas mãos percorriam cada centímetro do meu corpo

já desnudo e descoberto de qualquer resistência.

Seu toque incendiava minha tez, tornando-a chama

viva. Senti-me reticente, alucinada pela frenética

construção do desejo.

Abri meus olhos, que até então permaneciam em

transe, e a minha frente vislumbrei a imagem de um homem

comum, a seduzir-me vorazmente.

Minhas cálidas motivações me levaram a imaginar

tal situação, instintivamente criei os gestos mais banais

e prazerosos da mente humana.

Permiti que fosse além, deitei-me naquele fervido

corpo e naveguei velozmente. Senti que o vento me tocava e

me dominava ainda mais, minhas forças, antes dominadas,

tomaram-me posse. Eloqüente e tão súdita daquela criatura

desconhecida, fiz-me escrava de seus desejos, dona de seus

impulsos e eterna vassala de seu amor.

Ao sonho, que capaz foi de fazer-me imaginá-lo.

Eis me aqui, materializada na forma de mulher e sedenta

pela concretização deste. Lapidada pela consagração divina

e possuída pelo sagaz amor.

Reflete-se em mim, após aquela manhã, a saga de um

amor desconhecido pelas leis humanas, mas regida com

punhos cerrados de um outrem: distante, perto e tão

presente.

Há uma força que me condena e que me liberta,

Nas minas, como ouro nobre, encontra-se!

Gerais são as razões para refutá-la.

Mas a quero inerte,

Diante da minha passiva paixão.

*Minas Gerais: palco desta levitação.