DO OUTRO LADO DA RUA (17) – CANÇÃO DE NINAR
Chiquinha, a boa velhinha da casa de fundos, do outro lado da rua, é talvez a mulher mais procurada por aquelas bandas desde sua vinda ali, aos 30 anos de idade. Quando o povo soube que aquela senhora benzia, passaram a procurá-la quase diariamente. Foi assim que, a boa velhinha não só se tornou minha benzedeira, como também minha amiga. E como amiga não se deixa esquecida, vou quase todos os dias até lá, para dar-lhe um pouquinho de atenção.
E como atenção não se compra nem se vende, dá-se de coração aberto, recebo em troca suas histórias maravilhosas permeadas de seu café fresquinho e seus saborosos bolinhos de chuva, feitos no fogão de lenha.
Para não fugir ao habitual, hoje, entre um bolinho e outro e um gole de café, Chiquinha inicia mais uma história maravilhosa, dentre as tantas que tem para contar.
Conceição ou Ceição, como a chamavam, a mucama da casa grande, a mesma que vimos em um caso anterior “Roubo do Leite da Mucama”, era uma negra robusta, muito tranquila, adorava “sinhozinho” Ferdinando, tanto que não o largava nem para comer, tinha tamanho apego ao menino que ficava emburrada se dona Maria das Graças zangasse com ele, o carinho que emanava de seu olhar para a criança, era algo inacreditável e não era menos amoroso o olhar da criança, não olhava para sua mãe com o mesmo carinho que olhava para a mucama. Não era para menos, pois ela o criara desde o seu nascimento, vivia pendurado nos peitos de Ceição, que sentia o maior orgulho com isso. Ferdinando era uma criança linda, com seus cabelos loiros até parecia um anjinho sem asas. Ceição o fazia dormir em seu peito ou embalando-o em seus braços fortes cantando canção de ninar, embora nesses momentos tivesse um olhar triste e saudoso, talvez de seu filho arrancado de seu colo e sendo alimentado com mingau de fubá; para que nele repousasse “sinhozinho”, o filho branco de sinhá.
Suas canções de ninar eram compostas sempre de letras triste, falavam de sua terra distante, a saudade sofrida de alguém ou até, de uma criança perdida em vales distantes, lembravam seu filho que dali a algum tempo seria vendido ou vivendo em outras paragens. Uma dessas canções de ninar está gravada na memória de Chiquinha, que a canta pra mim:
Corra criança
por todo esse vale
se solte criança
não pare pra ver,
sorria pra vida
sorria pra morte,
corra criança
não tente volver,
não esqueça
a sua coragem,
não deixe que fuja
na grande voragem,
senão o seu vale
será de sofrer,
corra criança
e faça do vale
a sua razão
de ser!
Com este final de narrativa, entoada por tão sentida canção, a realidade dessa mucama atinge meu espírito de tal forma que sinto profundamente a dor de uma mãe que, sendo escrava não tinha escolha, seus filhos eram arrancados de seu convívio, sem dó nem piedade. O que não aconteceu com minha doce velhinha, porque viveu em celibato, pelo luto de seu amor Tunico.
Saio hoje dali com a alma chorando, por mais uma vez sentir vergonha deste fato, ocorrido em meu país. Meus antepassados os arrancaram de sua terra natal, para fazer deles mercadoria e trabalhar como animais.
Chiquinha, a boa velhinha da casa de fundos, do outro lado da rua, é talvez a mulher mais procurada por aquelas bandas desde sua vinda ali, aos 30 anos de idade. Quando o povo soube que aquela senhora benzia, passaram a procurá-la quase diariamente. Foi assim que, a boa velhinha não só se tornou minha benzedeira, como também minha amiga. E como amiga não se deixa esquecida, vou quase todos os dias até lá, para dar-lhe um pouquinho de atenção.
E como atenção não se compra nem se vende, dá-se de coração aberto, recebo em troca suas histórias maravilhosas permeadas de seu café fresquinho e seus saborosos bolinhos de chuva, feitos no fogão de lenha.
Para não fugir ao habitual, hoje, entre um bolinho e outro e um gole de café, Chiquinha inicia mais uma história maravilhosa, dentre as tantas que tem para contar.
Conceição ou Ceição, como a chamavam, a mucama da casa grande, a mesma que vimos em um caso anterior “Roubo do Leite da Mucama”, era uma negra robusta, muito tranquila, adorava “sinhozinho” Ferdinando, tanto que não o largava nem para comer, tinha tamanho apego ao menino que ficava emburrada se dona Maria das Graças zangasse com ele, o carinho que emanava de seu olhar para a criança, era algo inacreditável e não era menos amoroso o olhar da criança, não olhava para sua mãe com o mesmo carinho que olhava para a mucama. Não era para menos, pois ela o criara desde o seu nascimento, vivia pendurado nos peitos de Ceição, que sentia o maior orgulho com isso. Ferdinando era uma criança linda, com seus cabelos loiros até parecia um anjinho sem asas. Ceição o fazia dormir em seu peito ou embalando-o em seus braços fortes cantando canção de ninar, embora nesses momentos tivesse um olhar triste e saudoso, talvez de seu filho arrancado de seu colo e sendo alimentado com mingau de fubá; para que nele repousasse “sinhozinho”, o filho branco de sinhá.
Suas canções de ninar eram compostas sempre de letras triste, falavam de sua terra distante, a saudade sofrida de alguém ou até, de uma criança perdida em vales distantes, lembravam seu filho que dali a algum tempo seria vendido ou vivendo em outras paragens. Uma dessas canções de ninar está gravada na memória de Chiquinha, que a canta pra mim:
Corra criança
por todo esse vale
se solte criança
não pare pra ver,
sorria pra vida
sorria pra morte,
corra criança
não tente volver,
não esqueça
a sua coragem,
não deixe que fuja
na grande voragem,
senão o seu vale
será de sofrer,
corra criança
e faça do vale
a sua razão
de ser!
Com este final de narrativa, entoada por tão sentida canção, a realidade dessa mucama atinge meu espírito de tal forma que sinto profundamente a dor de uma mãe que, sendo escrava não tinha escolha, seus filhos eram arrancados de seu convívio, sem dó nem piedade. O que não aconteceu com minha doce velhinha, porque viveu em celibato, pelo luto de seu amor Tunico.
Saio hoje dali com a alma chorando, por mais uma vez sentir vergonha deste fato, ocorrido em meu país. Meus antepassados os arrancaram de sua terra natal, para fazer deles mercadoria e trabalhar como animais.