O ASTRO QUE TUDO VÊ

PARTE 1: OS ESCOLHIDOS

O sol reluzia no vilarejo de Esméria. Era de um dourado que não se via em qualquer outro lugar do mundo. Todos os dias o povo de Esméria, às 6h, se reúnia na Praça do Contemplar. Nela tudo se via, desde crianças a idosos, homens engravatados a operários. Nesse horário, não havia distinção entre etnia e posição social. Todos os esmerianos se conheciam, se amavam, se apoiavam. Eles se tornavam um só, conectados à esperança de ver o reluzir do Sol. Esse rito era de um costume muito antigo, no início era por obrigação, mas depois se transformou em bel-prazer, ao menos para maioria. Quando os raios encontravam os corpos das pessoas, era como se as alimentassem, as energizassem. Da mesma forma como um recém-nascido necessita do leite de sua genitora, os esmerianos necessitavam dos raios oriundos do Astro Rei.

_ Périco, Acorde! Temos de ir à Praça do Comtemplar, já são 5h15min.

_ Só mais cinco minutos, mãe. Por favor, deixe-me descansar mais cinco minutos.

_ Acorde agora! Hoje terá a cerimônia de Hélio, e eu quero um lugar próximo ao púlpito. Além do que, você sabe o que acontece com as pessoas que não comparecem a essa cerimônia. Você conhece bem a história do Vislumbrador Infeliz. Disse a senhora com uma voz temerosa e enérgica.

Anualmente, o vilarejo de Esméria promovia a Cerimônia de Hélio, nela, além de todos esmerianos, comparecia também um sacerdote do Sol, o qual se intitulava o "Raio de Sol Vivo". Ele só era visto nessa cerimônia, no restante dos dias, permanecia recluso no Templo de Hélio. Nesse dia, além da contemplação diária, os esmerianos escutavam as profecias do sacerdote, que falava do prazer que o Sol tinha em iluminá-los, bem como o modo como ele se sentia em relação aos demais "iluminados".

_ Se você não se levantar agora, irei sozinha. Repetiu à senhora.

Périco levantou prontamente e se pôs a vestir. No dia da Cerimônia de Hélio, todos deveriam vestir-se de branco, para que os raios que tocassem às vestes se refletissem de volta ao Astro Rei. Após trajar-se foi ao encontro de sua mãe para que juntos pudessem fazer a refeição matutina e seguir para a praça, que ficava a poucos metros de seu humilde lar. Chegando à praça, conseguiram um lugar próximo ao púlpito, e o sol já dava sinal de que iluminaria a todos. Passado algum tempo, às 6h em ponto, o "Raio de Sol Vivo" apareceu no púlpito.

_ Queridos irmãos esmerianos, hoje não começarei a cerimônia como de costume. Não haverá bênçãos ou vangloriações. Nosso pai, o Astro Rei, está muito infeliz para com seus demais filhos. Ele me disse que o resto da população mundial quase não mais o admira, além de nós, é claro. Ninguém mais olha para cima, disse que o resto do mundo está tão preocupado com suas vidas e suas aspirações que se esqueceram de coisas simples, como o simples ato de admirá-lo. Repetiu que ninguém mais se lembra de que há coisas no mundo que não se pode ter controle, porque as pessoas acham que o mundo gira a volta delas. Ele disse que se não fosse por ele o planeta estaria à deriva no Universo e que poderia impactar com qualquer outro astro e simplesmente desaparecer, virar ruína. Ele ainda ressaltou que se não fosse por ele, nosso planeta seria frio e que não haveria vida aqui.

Ao proferir essas palavras, os esmerianos se agitaram e começaram a rezar por suas vidas em uníssono.

_ Por favor, Pai. Não faça isso conosco, não faça isso conosco. Repetia os esmerianos.

_ Então, nosso Pai nos delegou uma tarefa. Pediu que quatro de nossos cidadãos fossem cada um para os quatro cantos do mundo: Leste, Oeste, Norte e Sul. E que esses quatro cidadãos deveriam convencer quatro pessoas a admirá-lo, e que essas quatro, deveriam convencer mais quatro e assim sucessivamente. Disse que caso isso não seja feito em um prazo de sete dias, ele se "apagará". Lembro que ele finalizou com a seguinte frase: "Da mesma forma que damos valor a um simples objeto, deveríamos dar valor a ele. Que da mesma forma como amamos coisa fúteis, deveríamos amar a ele". Ele disse que precisa ser amado, admirado, porque se não, se tornaria mais triste do que um simples objeto sem valor, que se sentiria como algo inútil, desprezado, sem utilidade. E finalizou dizendo que caso as pessoas continuem a agir dessa forma, será isto o que fará: se tornará inútil.

_ O que faremos meu senhor? Quem serão esses quatros salvadores? Por favor, senhor, interceda por nós junto ao Astro Rei. Peça a ele que tenha misericórdia de nós. Por favor, por favor. Suplicou uma senhora que se encontrava próximo ao púlpito.

_ Infelizmente, minha senhora, não há nada que eu possa fazer, devemos entregar nossas esperanças aos nossos quatros salvadores, e esperar que eles consigam concluir a tarefa com sucesso. Quanto aos quatros salvadores, peço que vocês se voluntariem. Não obrigarei ninguém a ir, a escolha deverá ser da própria pessoa.

Ao finalizar tal frase, os esmerianos começaram a empurrar uns aos outros, e a palavra "me escolhe" era a única que se escutava naquela multidão. Ao ver isso o sacerdote interviu e decidiu que ele próprio que faria a escolha. Analisou um por um e começou a fazer a chamada dos salvadores.

_ Devido a essa confusão, eu próprio escolherei nossos salvadores. Chamárei-los por nome, e peço que venha aqui comigo no púlpito.

Passado alguns segundos o “Raio de Sol Vivo” começou a chamada.

_ Lorca!

_ Estou aqui. Disse uma mulher que estava ao fundo da multidão.

_ Vérnico!

_ Aqui. Respondeu um rapaz de meia idade.

_ Bríaca!

_ Aqui. Disse uma menina que estava sentada próxima a uma fonte. Ao se levantar o povo percebeu que a roupa dela, junto com seus cabelos loiros, fazia com que mal desse para identificar se de fato era ela ou não.

_ E por fim, Périco. Disse o sacerdote à multidão.

_ Eu, por que eu? Há tantas outras pessoas aqui. Por que me escolheu? Disse Périco que praticamente estava à frente do sacerdote.

_ Meu filho, eu apenas sou um "braço" do nosso Pai. Não fui eu quem escolheu você, foi o Astro.

Após a escolha, os quatro salvadores subiram no púlpito. Na face deles era notória a expressão de espanto misturado a medo e esperança. De repente, a expressão dos escolhidos foram interrompidas por um grito.

_ Vamos entregar nossas vidas a esses três que praticamente nem saíram das fraldas? Não aceitarei isso! Disse um homem enfurecido que estava junto à multidão.

_ Essa escolha não fui eu quem fez, apenas sigo as ordens de nosso Pai. E não importa a idade, o que importa é que o Astro quis dessa forma. Além do mais, somos todos iguais aos olhos de nosso Pai. Retrucou educadamente o sacerdote.

_ Eu não sou igual a eles, e muito menos eles a mim. Sou dono de praticamente toda Esméria, e se não fosse por mim, o Templo o qual você mora nem existiria. E aquele matuto ali - disse apontando para Périco-, ele é um preguiçoso, que sempre chega atrasado às nossas contemplações. Ele não é merecedor de representar nosso Astro.

_ Somos muito gratos às suas doações, mas não trocarei a escolha de nosso Pai. Sinto muito. Respondeu humildemente o sacerdote.

Ao dizer isso, o "Raio de Sol Vivo" ajoelhou para que começassem a contemplação. De repente, todos o imitaram, inclusive o homem o qual há pouco o desafiara. Passado o período de contemplação, o sacerdote e os quatros salvadores se dirigiram ao Templo. Chegando lá, os escolhidos ficaram surpresos com o interior do Templo. Nenhum esmeriano, além do sacerdote e daqueles que o construíram, havia entrado no Templo. A fascinação era algo que os escolhidos não escondiam. O Templo de cima a baixo era revestido em ouro, inclusive o trono e os demais objetos. O metal fazia com que as luzes brancas quando refletidas emitissem uma luz amarela. Era como se o Templo fosse o próprio interior do Astro Rei. Os escolhidos percorreram todo o Templo, e a cada "passadela", via algo diferente, coisas que nunca acharam que veriam.

_ Isso é ouro? Perguntou Lorca.

_ Sim, minha filha, é ouro. Todo o Templo foi forjado com esse metal.

Nessa altura, a dúvida entre os escolhidos não era mais sobre o futuro de suas vidas, ou do mundo. Mas sim, de onde que todo aquele ouro viera, e por que não o dividira para entre aqueles que passavam fome e sede. Era como se toda aquela pompa e soberba fosse contra os desígnios de vossos Pais, o Astro.