O ESPANTALHO

A lua cheia deixa derramar o seu luar sobre o terreno coberto com a plantação de milho, enchendo de luz cada espiga, fazendo-as semelhantes a pequenas luminárias acesas, pequenos candeeiros de pé, dourados e reluzentes, transformando aquela grande propriedade agrícola, num enorme e deslumbrante quadro de luzes prateadas e douradas. No meio a esta beleza reluzente, lá está ela, uma figura tosca, rústica, grosseira, o grande rei do milharal, destoando com aquela imensa harmonia. Ao longe os grilos entoam seus cantos para atrair suas fêmeas à cópula, os insetos noturnos exaltam o luar de prata sobrevoando os campos dourados num show que só a mãe natureza poderia conceber. E lá está ele, o senhor espantalho, que só assustaria mesmo algum dessabido, que estivesse passando por ali aquelas horas, e que houvesse esquecido de sua existência no meio do milharal.

O sol então dá o seu primeiro sinal de vida, lá do oriente, os primeiros raios de sua luz iluminam a noite que se vai. Os pássaros já cantam alto e sobrevoam a procura de alimento para os filhotes.

- Ah! Agora sim... O grande rei do milharal vai mostrar o seu poder. Nada haverá de se aproximar desta plantação. Fala então o espantalho com os botões do seu paletó.

Neste momento, um bando de corvos se aproxima, e pousa sobre o arame da cerca que limita a propriedade.

- Olá espantalho! Acho que esses apetitosos milhos já estão prontos para a colheita, não? Disse o corvo líder.

- Não se aproximem de minhas plantações, seus inúteis! Nem ousem!

- Inúteis? Suas plantações? Ah!Ah!Ah! Gracejou o corvo líder, e continuou...

- Vejamos bem quem é o inútil aqui... Enquanto fala, o corvo líder pega uma espiga e a debulha, dividindo os grãos com os seus parentes, companheiros de voo.

- Parem com isso ou eu... Neste momento é interrompido pelo corvo.

- Ou eu o que? Não me diga que você vai sair daí dessa sua zona de conforto para me espantar. Fica aí o tempo todo enganando os trabalhadores do campo, de braços abertos como o rei do pedaço, e nós nem ligamos pra você. O que nós pegamos todos os dias não é nem percebido por eles, porque há muito para se pegar, e você, na verdade, não serve pra nada. Lógico que eles lhe adoram e lhe veneram, achando que sua presença no milharal impõe respeito. Mas, na verdade, você não espanta nem as borboletas. Ah!Ah!Ah!.

- Assim vocês me humilham. Eles me colocaram aqui achando que a minha presença espantaria os pássaros que comem as espigas, que a nossa plantação seria próspera, que eu trabalharia do sol a pino até o findar do dia.

- Pois é, espantalho, mas ainda bem que você se acomodou, só assim podemos roubar um pouquinho desse milho delicioso. No início mostrou até serviço, mas ficou só no início mesmo, hoje você só quer saber de ficar aí de braços abertos, com essa cara de sábio, mas que na verdade, debaixo desse seu chapéu só tem palha mesmo.

- Pelo menos, eu sirvo pra alguma coisa! Disse o espantalho. Se eu realizasse algo de útil mesmo, vocês morreriam de fome. Eu sei que tenho muito por fazer, mas pra que? Está tão confortável aqui! Daqui de cima, eu vejo os caras trabalhando, semeando, colhendo, vejo até vocês comendo algumas espigas, e daqui há algum tempo, eles me trocam por outro espantalho, eu vou é deixar rolar. O próximo é que se preocupe com a fazenda!

- Pois bem! Exclamou o corvo. Nós vamos fazer uma coisa por você. Logicamente não vamos parar de comer o milho, por outro lado, você também não tem competência nenhuma pra espantalho. Uma vez ou outra, vamos passar por aqui em bandos, justamente quando os trabalhadores estiverem na colheita e fingiremos um ataque. Você vai aproveitar o sopro do vento e vai balançar os braços com firmeza. Então sairemos em revoada, simulando muito medo de você, e iremos embora por aquele momento. Um dia, sabe-se lá quando, vai surgir alguém meio a esse povo que vive aí nesse enorme campo verde e amarelo do milharal, um cara honesto, de fibra, de coragem, um líder de verdade, que vai acabar com esse nosso trem da alegria, com as nossas festas, com as nossas falcatruas, pode ser até que ele nem tenha nascido ainda. Ah!Ah!Ah!.

- Muito bom! Disse o espantalho. Sendo assim está feito! Eu vou continuar respeitado como o rei do milharal e vocês poderão fartarem-se a vontade... Mas olhem lá, hein! Não vão me criar problemas. Sejam discretos para que ninguém perceba nada. Coloquem os milhos sob as asas, entre as penas e não deixem que ninguém perceba. Podem trazer seus parentes também, mais com muita discrição...sempre!

E até hoje, tudo continua assim, o povo do campo verde e amarelo do milharal, continua acordando cedo, com o raiar do sol, trabalhando até o findar do dia. Os corvos continuam roubando o fruto de seus trabalhos, o delicioso e rico milho dourado, trazendo seus parentes e familiares para comerem juntos, porque a terra é fértil e há muito para se colher, até que um dia, quem sabe, um líder de verdade apareça, para mostrar a esse povo, que o espantalho, na verdade, é só um enfeite, e que precisamos mesmo é de gente honesta e não de... CORVOS e ESPANTALHOS.

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