A Princesa da Noite

A noite estava fria e clara. Mesmo sem lua, o céu brilhava com milhares de estrelas penduradas, como um veludo preto bordado com diamantes. Uma menina caminhava, se protegendo do vento gélido com um casaco fino de lã. O caminho que a levaria para sua casa parecia deserto, mas ela não andava com pressa, como se os perigos noturnos não a preocupassem. De vez em quando ela parava e ficava olhando para o céu. As estrelas piscavam para ela, e ela ficava extasiada contemplando a imensidão estrelada. Numa dessas ocasiões, estando ela concentrada na imensidão celeste, lhe pareceu que ouvia uma voz a chamá-la. Olhou ao seu redor, mas não achou ninguém. Decidiu que estava ficando meio tarde demais e se sentiu sozinha, então apertou um pouco o passo e não parou mais até chegar em casa. Ela morava numa pequena casinha no fundo de uma rua fechada. Basicamente consistia de um grande quarto que fazia as funções de sala, cozinha e copa, com duas portas, uma que dava para um pequeno quarto escuro e sem janelas, e um banheiro estreito. Amália pendurou o casaco numa das cadeiras que ficavam perto da mesa de jantar, e apoiou sua mochila na mesa. Fora um dia comprido e cansativo. Ela se sentia tão cheia, cansada de tudo! O único que a animara hoje fora a sua caminhada sob a luz das estrelas. A única janela da sala não lhe permitia ver muito céu, por isso aproveitara cada parada para encher seus olhos do brilho das estrelas, enchendo-se de paz ao fitar o céu infinito e luminoso.

Depois de um pequeno lanche preparado rapidamente com as poucas coisas que tinha na geladeira, Amália foi dormir. Amanhã o dia seria igualmente comprido e cansativo. Essa noite, porém, não lhe foi fácil conciliar o sono. Quando finalmente fechou os olhos, teve um sonho estranho. Estava na cama, e ouviu uma voz a chama-la, e por entre os olhos fechados viu o quarto se encher de brilho de repente. Ao abrir os olhos, viu uma moça muito pálida, vestida como uma princesa, com um vestido muito comprido e formoso, cheio de diamantes cintilantes. Os cabelos estavam recolhidos num penteado complicado, e os olhos a fitavam com simpatia. Amália ficou muda de assombro, mas a moça lhe disse: -Querida Amália, finalmente! Fazia tempo que queria falar com você, e só agora tenho a chance! Depois de tanto tempo, por fim posso chamá-la!

Amália ficou intrigada. Chamá-la para que? Quem era essa louca fantasiada de fada? Como ela tinha conseguido entrar na sua casa? A desconhecida pareceu ler seus pensamentos, pois lhe disse:-Eu sou Clara, a sua irmã. Você não se lembra de mim e nem do seu passado, mas hoje você vai finalmente voltar para seu lar. A bruxa que a raptou do céu morreu, e você não está mais presa à terra. Se alegre, irmã!! Você é uma princesa celeste!

Amália então disse: -Estou sonhando, só pode ser isso. Eu, princesa, imagina!! -Mas então, do nada, a desconhecida tirou um manto igualzinho ao céu que Amália tinha estado a contemplar. O mais puro e macio veludo, cheio de diamantes brilhantes como pequeninas estrelas enchia quase toda sua pequena cama de solteiro. A desconhecida pegou a surpreendida Amália e a vestiu com o manto, depois colocou na sua cabeça uma coroa leve, feita de um material que ela não reconheceu, e a fez calçar um par de sapatinhos delicados. Amália se deixou fazer tudo, sempre pensando que estava sonhando um sonho maravilhoso. Depois, pegando-a pela mão, a moça deslumbrante puxou Amália fora do quarto, e então ela se viu voando longe, acima da sua casinha, da rua deserta, da cidade pacata em que ela morava. Passou acima da casa do Roberto, o amor da sua vida, que devia estar dormindo com alguma namorada, e se viu cada vez mais alto, até que não se percebiam mais as ruas, e só passou a ver pontinhos de luz, como um presépio de Natal.

Depois de um tempo em silêncio, Clara começou a falar sobre seu lar, sobre todas as princesas que se vestiam com as estrelas, sobre seus pais, que tinham sofrido tanto quando ela fora raptada, e soube que ela tinha sido prometida para um príncipe formoso, tão belo que a bruxa tinha se apaixonado por ele e o enfeitiçado, e, ciumenta, tinha raptado sua bela rival. Soube que durante anos tinha sido procurada em cada canto do céu, até que alguém teve a ideia de olhar para a terra, e finalmente tinha sido encontrada. A bruxa tinha sido atacada e derrotada. Agora só faltava ela voltar. O único problema era que seu príncipe ainda estava enfeitiçado.

-Mas agora, bela irmã, você vai voltar e vai romper o feitiço! Ele vai se lembrar do seu amor, e vai esquecer a bruxa maldita.

Amália escutava em silêncio, cada vez mais maravilhada. Ela, protagonista de tamanha história de contos de fada! Esse definitivamente era o sonho mais louco que jamais tivera. Chegaram, finalmente, a um grande palácio de cristal. Ao seu redor todas as coisas brilhavam, cintilavam e faziam a vista doer com um brilho frio e noturno. A noite vestia cada uma das pessoas com as que se encontrava, e uma brisa fresca lhe tirava o sono e refrescava seu corpo cansado, tirando a dor de costas que a acompanhara fazia tanto tempo que não lembrava quando não o tinha suportado. Cada pessoa que ela via a cumprimentava respeitosamente, e abriam-lhe o caminho para que ela pudesse passar. O chão aveludado absorvia o barulho das suas pegadas. Clara a levou a uma grande sala cheia de pessoas vestidas de festa. No centro ela encontrou um belo príncipe, muito mais formoso que o Roberto, vestido de uma armadura brilhante e dourada. Uma espada pendia do seu cinto, e gemas brilhavam na sua empunhadura. O príncipe, porém, estava imóvel, como uma estátua, a olhar no vazio. Um ancião de cabelos brancos a abraçou, enquanto uma dama muito alta secava as lágrimas que lhe rolavam pelo rosto. -Nossos pais- informou Clara. -Teu noivo está esperando. O feitiço deve ser quebrado.

Amália não sabia o que fazer, mas de repente soube que aquele moço era para ela, e que ela era dele, e quis ficar para sempre ali, com ele, rodeada de tanta gente bela, vestindo a noite. Caminhou até ficar em frente do moço encantado. Ele continuava a fitar o vazio, mas ela percebia que ele estava respirando. Ele não era uma estátua. Delicadamente, ela o abraçou, olhou dentro dos seus olhos e estremeceu. Algo no seu olhar lhe apertou o coração, e quis abraçá-lo mais forte, e tirar todo o vazio que via dentro dele. Pousou delicadamente uma das suas mãos calejadas na bochecha do rapaz, e sentiu uma ternura infinita por ele, algo que nunca tinha sentido por ninguém, nem por seu Roberto. Então, como em um sonho, ela se aproximou, e beijou os lábios frios do príncipe. A princípio, nada aconteceu. Depois, com um leve suspiro, o moço começou a se mexer, e então a vida voltou ao seu olhar. Amália olhou seu rosto, e uma imensa alegria a encheu. Ele agora lhe devolvia o olhar, e seus olhos brilhavam com amor. Ela o abraçou, e lhe pareceu que ficaram assim por muito tempo. Ele a tomou nos braços, e a beijou de novo. Depois, pegando-a pela mão, se encaminhou até o ancião e o cumprimentou. -Senhor, obrigado! Minha noiva voltou, ela me acordou do sonho tenebroso em que fiquei por tanto tempo! Posso pedir sua permissão para, finalmente, casar com meu amor?

Amália quis nunca mais acordar, ficar sempre nesse sonho maravilhoso. Não queria voltar à realidade, com seus dias chatos e cansativos, com sua vida exclusivamente concentrada em sobreviver. Queria ficar ali, com tanta gente que a queria, com esse belo homem que a amava. Como se vislumbrasse seus temores, o seu pai a tomou pelos ombros e disse-lhe: -Querida, não temas. Tua vida sofrida e solitária está para sempre no passado. Tu és uma princesa, minha filha, e como princesa viverás, com o príncipe teu noivo, que será teu marido, como deveria ter sido há tanto tempo. Esquece a dor, deixa de lado o cansaço. A noite sempre te chamou a atenção, pois eramos nós a procurar-te. Agora estás de volta ao lar, e nunca mais irás embora.

Amália então se viu vestida de noiva, casando, e aceitando esse príncipe que estava ao seu lado. E viveu feliz para sempre, e pois nunca mais acordou na sua casa deprimente e fria. E essa noite foi mais luminosa que o normal, porque as estrelas estavam de festa, e o céu se encheu de alegres festejos pelo retorno da princesa perdida, e pelas suas núpcias com o seu príncipe.

Na cidade, as pessoas dormiam. Roberto deixava nas pontas dos pés a casa da mulher com a qual passara a noite. Na rua fechada, a casa de Amália estava vazia.

Viviana Carolina
Enviado por Viviana Carolina em 20/07/2012
Reeditado em 22/07/2012
Código do texto: T3788357
Classificação de conteúdo: seguro