A Lenda de Lânia e Lisíope

A Lenda de Lânia e Lisíope

(Versão autoral de Marina Colasanti)

Onde os oceanos se encontram, aflora uma ilha pequena. Ali, desde sempre, viviam Lânia e Lisíope, ninfas irmãs a serviço do mar que, no manso regaço da praia, vinha depositar seus afogados. Cabia a Lânia, a mais forte, tirá-los da arrebentação. Lisíope, a mais delicada, cuidava de lavá-los com água doce da fonte, para depois envolvê-los nos lençóis de linho que juntas as irmãs teciam. Juntas, também, elas os devolviam ao mar, para sempre. Nessa tarefa que nunca se esgotava, as irmãs passavam os seus dias, sem trocar muitas palavras entre si.

Foi num desses dias que Lânia viu que as ondas traziam o corpo de um afogado, que se aproximava flutuando; entrou nas ondas para apanhá-lo e, agarrando-o pelos cabelos, conseguiu traze-lo até a areia. Preparava-se para chamar Lisíope quando, ao virá-lo com o rosto para cima, percebeu que se tratava de um homem jovem e belo. Sentiu-se tão atraída que resolveu ela mesma lavar o sal de seu corpo com água doce e, usando seu pente de concha, desembaraçar os seus cabelos. Em seguida, começou a envolver o corpo do homem com o lençol, mas, sentiu uma dor tão profunda! Percebeu, então, que estava apaixonada.

Não, ela não devolveria aquele moço, pensou, decidida. E rápida, antes que Lisíope chegasse, correu para um língua de pedra que estreita e cortante avançava mar adentro e pôs-se a chamar em voz alta: “Morte, Morte, venha me ajudar!”

Sua voz penetrou as profundezas e, num átimo, sem ruído algum a Morte saiu de dentro d’água. Lânia, então, suplicou ansiosa: “Morte, desde sempre aceito tudo que você me traz, trabalho muito sem nada pedir em troca. Mas, hoje, em troca dos tantos que já devolvi, suplico sua generosidade e lhe peço que me dê este homem, pois meu coração o escolheu.”

Impressionada por tamanha paixão, a Morte concordou com o pedido de Lânia e fez questão de instruir: “Na maré vazante, você deve colocar o corpo do homem sobre a areia, com a cabeça voltada para o mar, pois quando a maré subir, tocará seus cabelos com a primeira espuma e nesse momento ele retornará à Vida.” Lânia fez tudo como a Morte ensinou e assim aconteceu – o homem abriu seus olhos e um lindo sorriso.

Mas, em vez de sorrir só para ela, que o amava tanto, desde o início o seu olhar e o seu sorriso procuravam por Lisíope. Lânia percebia e fazia de tudo para afastá-lo da irmã, mas não adiantava. Não resolvia enfeitar-se, cantar com sua belíssima voz acima do ruído das ondas. Quanto mais exigia, menos ele a satisfazia. Quanto mais o buscava para si, mais à outra ele pertencia.

Lânia estava sofrendo terrivelmente e, um dia, antes do nascer do Sol, ajoelhou-se sobre uma pedra na praia e chamou novamente: “Morte! Morte! Venha me atender.” E quando Aquela que Guarda Silêncio chegou, perdida em pranto e cheia de raiva Lãnia suplicou que atendesse apenas o último de seus pedidos. Que levasse a irmã, e nada mais ela desejaria.

Aquela que Guarda Silêncio deixou-se seduzir pela força do ódio de Lânia. A Morte concordou com sua súplica e instruiu: “Você deve deitar a sua irmã sobre a área lisa da maré vazante, com os pés voltados para o mar; ao primeiro beijo do sal das águas, Ela a levaria.

E assim foi. Lânia esperou uma noite enluarada e convidou Lisíope: “A noite está tão linda, minha irmã, por isso preparei a sua cama junto à brisa, no lugar mais iluminado pelo luar”. Em seguida, sorrateira, esgueirou-se até uma árvore que crescia na beira da praia, e subiu até o primeiro galho, escondendo-se entre as folhas. De olhos bem abertos, esperaria para ver cumprir-se a promessa.

A noite, porém, se fez longa. A brisa trazia o perfume inebriante dos jasmins e o suave marulhar do mar. Lãnia adormeceu. Enquanto Lânia dorme na árvore, dorme Lisíope perto d’água. Um raio de luar despertou o homem, chamando-o para fora, para desfrutar a beleza da noite. O apelo é tão irresistível, ele se levanta e sai da caverna. Estonteado pelo perfume dos jasmins, caminha vagueando pela praia e encontra Lisíope adormecida. No sono, o rosto dela parece fazer-se ainda mais doce, boca entreaberta num sorriso.

Sem ousar despertá-la, o homem se deita ao seu lado. Depois, bem devagar, estende a mão, até tocar a mão delicada que emerge do lençol. Cresce o Amor no seu peito. Na noite, a maré sobe. Já era dia quando Lânia, empoleirada no galho, despertou. Luz nos olhos, procurou na claridade. Viu o travesseiro abandonado. Viu o lençol flutuando ao longe. Da irmã, nenhum vestígio. Pensou consigo: “A Morte cumpriu o trato”. Desceu correndo da árvore para encontrar o seu amado.

Mas sua alegria não durou muito. Seus olhos caíram sobre a areia fina onde ficara gravada a imagem de dois corpos deitados lado a lado. A maré já havia apagado os pés, breve chegaria à cintura. Mas, na areia molhada desenhava-se a marca das mãos unidas, como se à espera das ondas que subiam.

A lenda faz parte do imaginário veda e depois foi apropriada pela Mitologia Grega.
Enviado por Rog em 20/07/2012
Reeditado em 15/01/2013
Código do texto: T3787636
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