O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO

“E então , cada qual seguiu o seu caminho...”

Num daqueles dias frios, em que a névoa encobre até os corações mais quentes, ele bateu à minha porta e de pernas bambas, me pediu guarida.

Relutei em abri-la, posto que não o conhecia.

Em poucas palavras, contou-me da sua trajetória.

Dizia-me lutar contra o tempo, e que nas estradas da vida havia percorrido árduo destino.

Mas naquele momento apenas seguia a sua intuição.

Sentia fome...sentia frio.

Ouvi suas palavras enternecidamente, e em muitas delas reconheci um pouquinho de mim.

Então, num gesto de altruísmo, olhei para minha despensa, e me assustei com o tão pouco que me havia sobrado.

As intempéries da estrada também haviam consumido as minhas reservas, e muito pouco me restara daquela esperança que guardamos para os dias mais frios.

Do meu sorriso, havia apenas um trago.

Mas, milagrosamente, meu coração pode aquecê-lo e alimentá-lo.

Constatei que o meu pouco lhe era suficiente.

Degustou os meus restos e recobrou sua caminhada com as pernas fortalecidas.

Lembro-me que quando se foi, deixou-me um sorriso sobre a mesa.

-Toma!-é o que posso te deixar...

Às vezes, ao abrir as comportas da minha solidão, ainda o vejo desaguando torrencialmente,firme e distante... mas o torque da vida sequer lhe permite olhar para trás.

Então, quando bambeio as pernas, abro a despensa da alma...

...E sigo naquele sorriso...

Sp, 07/02/2007