Eureka - O Mundo de Jade Cap. 4
Capítulo 4 - Margesklan
[...] são os princípios criados pelos Deuses para que a humanidade aprenda e use em seu favor. Mas muitos usaram para causar o caos e a destruição, e contrariando as leis divinas foram disputando terras e erguendo reinos, o que era para ser um mundo em que todos fossem iguais, agora é um mundo em que os mais fortes sobrevivem. Agora os Deuses ficarão nos seus tronos dourados observando a destruição do mundo. Pois quando as portas dos céus se abrirem, o mundo conhecerá a fúria dos Deuses, e só os imundos e impuros perecerão e os dignos serão salvos.
Biblioteca de Margesklan, fragmento dos Anais Da Guerra Secular.
Jade abriu os olhos lentamente, num canto o sol raiava preguiçosamente, jogando poucos raios que atravessavam a janela envidraçada. Um sorriso estampou-se no seu rosto. A vitoria do dia anterior ainda recheava sua cabeça de perguntas, perguntou-se as horas e não sabia a resposta, deduziu ser nove horas. Não sabia das regras então afundou o travesseiro e tentou dormitar.
Nesse mesmo instante alguém bateu na porta, espreguiçou-se e foi abrir a porta. Era Keneb, este por sua vez estava com sua antiga vestimenta, um manto esbelto e preto com apenas um símbolo no peito direito, o emblema de Ancarina: uma espada com duas asas encobrindo-a. Trazia em mãos os trajes dos aprendizes.
– Pelo visto já está acordada! – falou Keneb sorrindo.
– Acordei agora apouco. – disse Jade balbuciando.
– Pois bem, temos algumas regras, e estas são suas roupas. – colocou-as numa mesa ao lado da cama. – se vista que vou começar lhe ensinando os horários.
– Tudo bem. Pode sair um instante.
– Verdade. – respondeu meio sem graça.
Keneb achou interessante esse contato com sua suposta “filha”, ao menos ela não era birrenta, e tinha um interesse ávido pelas coisas, mas ainda não havia esquecido Jana, que preenchia seus pensamentos diurnos e pesadelos noturnos.
De volta afinal... De volta mesmo. Pensou ele.
Jade se demorou mais do que a paciência de Keneb permitira, era estranho vestir aquele manto branco, que ainda por sua vez tinha que amarrar uma tira de seda vermelha nas cinturas. As sandálias eram medievais com um longo cano até os joelhos. Quando estava pronta usou o vidro da janela como espelho, seu cabelo estava todo emaranhado, usou as mãos para ajeitar-lo e no fim gostou do resultado. Seus cabelos pretos davam um belo contraste com seus olhos azuis e sua pele a mais branca possível, um pedaço de nuvem que caiu do céu.
– Porque demorou tanto? – perguntou Keneb do lado de fora, impaciente.
– Pronto. – disse ela sorrindo.
– Ficou bem em você..., a roupa..., – Na verdade Jade estava perfeita, mas Keneb não achou palavras para o momento. – Vamos.
Jane anuiu.
Seguiram num corredor, onde as paredes eram recheadas de símbolos de varias tonalidades e tamanhos diferentes. O sol refreava seu esplendor por entre as janelas espadanes e iluminava o local. Agora uma porta se esgueirava ao canto esquerdo, Jade já havia conhecido o local. Era o refeitório de Margesklan, entraram e foram consumidos pelo cheiro.
Mesas longas com um toque de rubro e varias cadeiras todas de carvalho envernizadas se alastravam no grande salão do refeitório. Em cima delas a comida era farta: bolos, pães, sucos, até mesmo coisas que Jade não conhecia, mas que iria provar na certa. Keneb acompanhou Jade até uma mesa vaga no meio de toda aquela juventude. As meninas vestidas do jeito dela, e os rapazes com um manto até os joelhos, um cachecol vermelho cingindo-lhe os pescoços e uma sandália de couro nos pés. Sentaram se à mesa Keneb e ao lado Jade. À frente três alunos demonstraram interesse na aluna nova e foram logo se apresentando.
– Oi – disse a da frente de Jade, com uma voz suave.
Jade hesitou por um momento, mas acabou respondendo.
– Oi.
– Não se acanhe. Nem precisa ficar tímida, meu nome é Claris e tenho quatorze anos. Esses ao meu lado são Polar e Rigel. – eles acenaram com a boca cheia.
Keneb se antecipou.
– Esta aqui é Jade. Ela é novata e é minha filha, tem quatorze anos também, e vai estudar magia conosco. – Jade corou na mesma hora, muitos olhares de surpresa fitaram-na com um ar de interrogação – então... Tudo certo não é mesmo Jade?
Jade pensou que ia sufocar ali mesmo, mas suspirou e anuiu a contra gosto. Não era boa em fazer amizades, tampouco tinha muitos amigos. Seu “novo” mundo girava em torno das brincadeiras com Keneb e as varias tranqueiras que ele produzia com seu poder. Mas era o começo, Jade não queria causar más impressões, enfrentou a vergonha e fingiu que nada aconteceu.
– Oi, desculpa... – Disse Jade a Claris, cumprimentando-se.
Polar e Rigel se anteciparam e deram suas mãos para cumprimentar a novata. Jade corou por um instante que parecia eterno, suas bochechas rosaram rapidamente e teve que baixar a cabeça para disfarçar. Passaram o resto do desjejum em silêncio, os três a observar à novata, calculando seu potencial mágico, e criando previsões possíveis e impossíveis que poderiam se tornar realidade ou não no futuro.
Jade preferia ficar calada, analisando as circunstâncias momentâneas em que seu pai lhe metera, uma grande ânsia sobreveio lhe o estomago, largou um pedaço de pão que comia, e correu, Keneb tentou compreender, e seguiu a menina.
– Jade, espere. – gritou ele à Jade, mas ela já havia saído porta afora.
Estava parada num canto, dobrada entre si, a ânsia era momentânea, não havia nada afinal, Keneb chegou assustado com a saída repentina da menina.
– Que houve? Perguntou, enquanto acudia-lhe as costas.
– Apenas ânsia. Nada demais.
– Quer voltar para lá? – perguntou Keneb apontando para a porta do refeitório.
Jade pensou por um momento e acabou concordando. Voltaram ao refeitório de mãos dadas, alguns olhos a fitaram, e os de Keneb faiscavam de ciúmes. Voltaram para os mesmos lugares, Claris levantou-se com um ar de preocupação.
– O que houve?
– Nada. – Respondeu tomando um longo gole de suco de ambrósia.
Era incrível como o ambiente era preenchido de tal forma com as
conversações dos alunos. E tão cedo, era uma coisa diferente para Jade, ainda mas quando olhos a fitavam de soslaio; Polar era o que mais a admirava, mas ela fazia-se despercebida. Claris tinha como característica ser bastante falante. Comentava de tudo um pouco, dos seus amigos, dos outros grupos que estavam ali, e até da comida e algumas fofocas dos professores. Um grupo que estava num canto esquerdo chamou a atenção de Jade, e ela não pôde evitar perguntar.
– Quem são eles? – perguntou à Claris, apontando disfarçadamente para o grupo.
Uma cara de desprezo transpareceu na cara de Claris, imaginava que Jade poderia perguntar tantas coisas, mas perguntou logo sobre o grupo que ela odiava, e muitos de Margesklan.
– Eles? Resumidamente são o odioso grupo de Margesklan. – respondeu Claris seca, jogando seus cabelos curtos para trás.
Keneb riu, e Polar e Rigel menearam a cabeça.
– Por quê? Como assim?
Claris ficou seria.
– Porque eles são todos irmãos, são netos de Sano Bangodolf, filhos do Rei Arker, e por tal titulo pensam que podem fazer qualquer coisa. O loiro é o mais velho, não fala com ninguém a não ser com seus irmãos e do grupo é o que aparentemente não apresenta risco. O de cabelo vermelho, Julian é o do meio, nunca confie nele, e o outro Wille, é o pior de todos. Vou lhe dar uma dica, não converse com eles, não der a mínima para o que eles falam e nunca se envolva.
Keneb concordou.
Jade anuiu, mas continuou a olhar o grupo, Claris podia ter a razão, mas havia algo no olhar deles que demonstravam uma melancolia total, deixou seus pensamentos de lado, quando Keneb levantou, percebeu o quanto tempo ficara ali, pois já havia saído metade dos alunos do refeitório, e se assustou.
– Vamos Jade, é chegada a hora.
Jade sorriu. Foram em direção da magia. Seus estudos começariam com Merthusa, a maga do fogo. Antes de entrar, Keneb disse um montante de coisas paternais para Jade, e a alertou os riscos que correria se tentasse evocar uma magia mais forte que a capacidade dela. Contou sobre como Lena havia mudado Jade nas quatro dimensões e que agora seria bastante diferente, Jade escutou tudo direito, entrou com o coração palpitando.
A saleta infernal, como era chamado, não tinha nada a não ser anjos. Um bloco retangular imenso esbranquiçado pelo mármore, sem mesas, sem cadeiras, sem livros ou qualquer outra coisa escolar, apenas pequenos buracos minuciosamente posicionados no outro lado da sala, formado pequenos diagramas que ao se ligarem o comentado espelho traiçoeiro apareceria.
Seus recentes amigos estavam num canto da sala, sentados, com os olhos fechados e as palmas das mãos em seus colos emitindo uma tênue luz vermelha. Concentrados em algo bem distante da imaginação de Jade. O restante fazia o mesmo, e apenas um estava posicionado à frente dos outros, disparando rajadas de fogo no fundo da sala em algo que não conseguia enxergar.
Merthusa auxiliava-o de varias maneiras. Ela tirando sua feição carrancuda, até que era bonita, de uma forma singular. Cabelos vermelhos desgrenhados, olhos pretos e grandes, dentes amarelados pelo fumo e um vestido vermelho com rosas negras, que mal lhe alcançava os joelhos.
Essa nem notou a presença de Jade, se notou, fingiu não notar. Percebeu-a quando Jade tocou-lhe o dedo pela terceira vez no ombro. Virou-se demonstrando a menor atenção.
– Oi, que desejas menina? – disse a Jade, enquanto piscava confusamente de um lado para o outro.
– Eu... Sou a nova aluna. – Tentou procurar palavras mais adequadas, mas essa era a pura verdade, queria o quanto antes sair daquele dialogo.
– Ah... – um largo sorriso mostrou seus dentes amarelos – você é a novata, eu já fui informada. Já sim. Sente-se ali e comece a meditar, logo será sua vez para seu teste. – voltou-se ao garoto que desistira, dando lugar a outro.
Jade já havia entendido. Professora maluca.
– Markos, diga que consegue – disse Merthusa, apontando algo para o fundo.
Jade sentou-se ao lado de Claris, esta já havia avançado bastante na produção de fogo, suas mãos mudavam constantemente, ora acendia em chamas, ora se fincava em brasas.
Concentração. Pensou Jade, fechando os olhos. Imaginou o que poderia acontecer se praticasse o principio inverso, parou, não ousou continuar. Fogo. Fogo. Fogo. Repetia para si mesmo, imaginou as façanhas da noite anterior: uma esfera de fogo em um céu negro a espera do disparo, começou a sentir um leve formigamento em todo o seu corpo, era a energia, ela sabia e também sabia que precisava liberar essa energia, focou suas mãos como receptor, abriu os olhos e sorriu.
Magia era mais fácil do que ela imaginava, ela sentia total controle sobre ela de uma forma inexplicável. Não precisou olhar indiferente para Merthusa, esta por sua vez já estava ao lado de Jade, sentiu de longe o potencial da garota, e seus olhos a examinavam de um modo curioso e oblíquo.
– Jade venha comigo – disse Merthusa ríspida.
Merthusa posicionou Jade no mesmo lugar que Markos, o teste chegou de surpresa para Jade. Crie a magia, mire e lance. Foram as palavras da maga. Jade meneou a cabeça, ainda perplexa com a situação.
– Vamos menina, sei que é capaz. – incentivou-a Jade. Jade concordou com a cabeça, indiferente.
Ao longe Jade avistava o alvo, uma série de buracos em uma parede espelhada. Era tão longe que mal podia enxergar a própria imagem refletida. O teste em si era simples, Jade teria que lançar sua magia na direção do buraco, esse por sua vez iria se ligar a outro e continuaria nisso até formar o Espelho Traiçoeiro.
– Agora menina, vá... Porque demoras tanto? – disse Merthusa, carrancuda.
Jade concentrou-se novamente, fez o mesmo procedimento anterior e viu que estava no caminho certo. Sentiu a magia chegando, abriu os olhos e a palma da sua mão fervilhava. Uma bola de fogo explodia em sua mão, era chegado à hora. Com um impulso lançou-a à frente, ouviu apenas o silvo da magia cortando o ar enquanto se perdia ao fundo da sala.
Alguns segundos se passaram e nada, Jade virou se de cabeça baixa, Merthusa olhava fixamente. Bem ao fundo, uma tênue linha vermelha criava um arco em direção a outro buraco, foi ficando mais forte até o ponto de destacar as bordas lilases. Merthusa finalmente cortou o silêncio, virou-se para Jade e disse.
– Menina volte – Jade virou-se. - deve continuar, conseguiu acertar o alvo. – O sorriso era inevitável no semblante de ambas.
Jade voltou-se. Maravilhada ficou e continuou. Buraco após buraco, traçando aquele fundo com suas bolas de fogo. Os alunos haviam parado para olhar. Jade não era a primeira menina a conseguir tal feito no primeiro dia de estudo, outros já haviam conseguido, incluindo os Bangodolfs.
Uma atmosfera começou a pesar o coração de Jade. Havia conseguido acertar todos os buracos e esperava surgir o Espelho Traiçoeiro. Um silêncio sepulcral tomou conta da sala. O grande salão parecia infinitamente mais longo, até que o silêncio foi cortado. Um grande barulho de vidro sendo quebrado e cacos caindo no chão assustaram a todos. Eis que surgiu o Espelho Traiçoeiro. Os alunos perplexos começaram abrir a boca em sinal de surpresa.
– Vamos lá menina! Mostre que consegue derrotar-lo. Use toda a sua força, concentração, mire e atire.
Jade já estava exausta. Não sabia se poderia continuar, hesitou por um momento.
– Menina, você consegue. Confie em mim, ta? – disse Merthusa rispidamente.
– Eu não... – baixou a cabeça. – tente Jade. – disse Claris como um sussurro.
Jade levantou a cabeça, se posicionou decidida e levantou os dois braços. Forçou sua mente a transparecer as lembranças mais remotas. Viu uma imagem diferente, uma mulher. Era linda, cabelos grandes e vermelhos, pele branca como o céu, seus olhos claros. Aqueles olhos foram sugando Jade para o intimo, foi se entregando ao baile, mas a visão sumiu, sentiu a magia fluir. A recepção foi bem aceita e em poucos instantes as mãos de Jade brilhavam.
– Agora Jade. – sussurrou Merthusa, bem no ouvido de Jade.
E se foi. A magia era mais forte que as outras. Lançou-a e saiu disparando pelo salão numa velocidade incrível, um baque escutou-se ao fundo. De repente, a magia retornava com o dobro da velocidade, aquela visão da magia retornando fez Jade cair, os alunos se assustaram, a porta se abriu no exato momento que a magia estava alcançando a todos.
– Desrukto – disse Keneb e Merthusa estupefatos e com o braço direto erguido emitindo uma luz esverdeada.
A magia parou no ar e flutuou por uns instantes. Foi envolvida por uma camada cinzenta e começou a diminuir de tamanho, até se dissipar no vento.
– Poderia ter machucado alguém! Porque demorou tanto para agir? – perguntou Keneb incrédulo.
Merthusa estava parada, perplexa. Algo havia acontecido, e ela esperava respostas.
– Eu... Desculpe Keneb, aconteceu algo.
Keneb olhou desconfiado, Merthusa tinha a fama de ser maluca em toda Ancarina, mas uma excelente maga, então deixou o assunto de lado.
– Tudo bem. Vamos esquecer o que houve.
– Estão dispensados da minha aula por hoje. – Disse Merthusa sem tirar os olhos do fundo da sala.
Jade levantou-se e se foi, seus novos amigos a acompanharam.
– Me sai bem para um primeiro dia? – perguntou Jade ao pai.
– Muito bem. Mas tem muito mais por vim. Às vezes pensamos que somos bons em algo. Mas numa necessidade extrema podemos acabar falhando e por isso ganhar um trauma que pode ficar o resto da vida nas nossas memórias.
Jade não compreendeu o motivo das palavras, mas não pronunciou mais nada. Lembrou-se da mulher que aparecera de repente em sua mente, aqueles olhos ainda estavam lá, esperando o momento certo para retornar.
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