A Décima Fortaleza - Cap. 04

Os olhos de Albiren não paravam de olhar para aquele objeto, estavam arregalados e sua feição era de surpresa. As insígnias marcadas, na carabina eram as mesmas que lembrava. Aqueles “C” e “H” eram inconfundíveis. Era a arma de Calil Hientorn, o segundo em comando do seu pelotão. Dhamar também não disfarçava a surpresa, pois conhecia o dono daquela carabina. Todos os componentes da sala estavam reunidos em volta de uma grande mesa de carvalho.

---- Imagino que isso não lhe traga boas recordações. Obtive a informação que pertencia a um dos membros do seu antigo pelotão tenente --- disse o major Targun.

---- Onde achou esta arma? --- Albiren checava a carabina, que estava em péssimo estado, toda arranhada e amassada.

---- Foi encontrada no Bosque das Cinzas --- respondeu Targun ---- Mas o mais preocupante foi a forma como um dos nossos pelotões a encontrou. Estava em posse de um orc.

---- Orc?! Impossível! Aquelas bestas não sabem usar mais do que uma espada ou porrete. Utilizar uma carabina está além de suas capacidades --- disse Dhamar. Albiren ainda olhava para a arma em silêncio.

---- Era minha certeza até uma semana atrás --- Targun sentou-se numa grande cadeira ---- A questão agora é esta. Esse indivíduo abatido era o único? Ou existe mais por aí? E quem teria ensinado a essas bestas a mexer com nossas armas?

---- Talvez um dos nossos homens --- disse Albiren. Todos olharam para ele incrédulos. Para que essa hipótese fosse verdadeira, era necessário haver um traidor.

---- Meu caro tenente, sabemos que isso não procede, pois as criaturas de fora não fazem reféns. Mesmo que algo assim acontecesse, não teriam como forçar um dos nossos a trair a aliança --- disse Targun.

---- Na época em que lutávamos diziam que existia magia capaz de forçar um homem contra sua própria vontade --- falou Albiren.

---- Se está falando dos antigos necromantes, esqueça --- falou o major Targun ---- Os elfos destruíram os últimos há pelo menos um século. Se tem uma coisa em que aqueles magrelos de orelha pontuda são bons é em magia.

---- Não se tem certeza se todos realmente foram mortos --- falou Dhamar ---- Somente os elfos sabem e eles são muito reservados. Podem pensar quer se livraram daqueles desgraçados usuários de magia negra, mas podem estar enganados não é. Ninguém sabe o que ainda pode haver alem das montanhas da noite.

---- Com necromantes ou não, precisamos saber a verdade --- falou Targun ---- Estou me esforçando para que este episódio não saia de Thirondor, pois não quero que boatos se espalhem pelos condados, muito menos que chegue aos ouvidos do Representante. Pelo menos até sabermos se aquele maldito orc somente conseguiu roubar ou furtar esta arma ou se, os céus nos ajudem, alguém está formando uma força nas Terras de Fora com armas e conhecimento roubados do nosso lado --- Targun completou seu raciocínio olhando nos olhos de Albiren.

---- Então foi para isso que o senhor me chamou até aqui --- disse Albiren, lendo os pensamentos do major. Dhamar o encarou, demorando um pouco para entender o que se passava.

---- Você continua muito perspicaz tenente --- Targun colocou os punhos sobre a mesa de carvalho ---- Foi exatamente por essa e outras qualidades que não vejo nenhum outro homem que possa realizar essa missão pela Aliança a não ser o senhor. Sei que terminou sua vida militar com louvor, mas sei também que não é cego para a atual realidade desta fortaleza. Ao caminhar pelo pátio viu os cadetes que tenho que treinar nos próximos meses e acredite, a maioria só quer saber de bebidas e gastar o rico dinheiro dos seus pais. Meus chicotes vão estalar muito esse ano.

---- O senhor frisou muito bem, eu estou fora do serviço militar --- Albiren tinha um olhar carregado de sombras. No fundo do seu coração ainda sentia-se culpado por não ter protegido seus homens anos atrás ---- Não há nada que me prenda mais a essa vida. Obrigado pelo voto de confiança, mas tenho certeza que encontrará alguém mais capacitado e mais disposto para essa missão. Desculpe.

Albiren virou-se e começou a se retirar da sala quando ouviu a voz do major a falar.

---- Tenente, você esteve em mais de trinta missões no Pântano Karvec, patrulhando nossos limites. Não vejo nenhum outro mais capacitado nesse momento. Portanto, vou direto ao assunto do porque ter te chamado até aqui. Gostaria que formasse um novo pelotão, marchasse mais uma vez em Karvec e trouxesse a verdade para nós sobre este caso.

---- Que verdade major?

---- Que não existe nenhuma ameaça para a aliança e que eu posso voltar a comer e dormir tranqüilo.

---- O senhor já esteve em Karvec senhor? --- perguntou Albiren. Dhamar não conseguiu disfarçar o leve sorriso em seu rosto.

---- Não --- respondeu secamente Targun.

---- Cada metro daquele lugar é um convite a morte --- disse Albiren ---- O que ganho entrando naquele caldeirão fétido? Estou velho para isso major.

---- Já pensou que pode obter a resposta a respeito do que aconteceu ao seu pelotão anos atrás tenente? Já pensou que alguém pode estar vivo, feito prisioneiro por todo esse tempo? Ouvi dizer que os elfos conhecem magias que desfazem o controle dos necromantes.

Albiren olhava seriamente para Targun expressando raiva. Raiva do major por insistir numa ferida ainda aberta, e raiva de si mesmo por pensar que ele pode estar certo.