A Caravano do Porto Noroeste - Parte 2
- Quer saber as notícias do Leste, amigo? – continuou o capitão, dando uma bela mordida num pedaço de bolo e sorvendo um gole de chá.
– Pestes e pragas assolaram as colheitas e quando os Lestinos enfim recuperavam veio um frio intenso do sul. Um rigoroso inverno como nunca em trinta anos. As áreas rurais se assolam e as cidades estão cada vez mais cheias. De um modo que muita gente passa fome, as trocas estão cada vez mais caras, o comércio de trocas nunca foi tão desvalorizado no leste.
Uma bela peça de pano de algodão das terras brancas não vale mais do que uma coxa de carneiro.
E tem mais: lendas de seres fantásticos, vampiros de reinos distantes, muitas batalhas na Guerra do Norte e Piratas são constantes no leste.
- O que são Piratas, capitão? – quis saber Valco – São perigosos?
- São bandidos. Ladrões nômades que atacam e roubam qualquer coisa. – continuou o capitão - Matam por pouco. Vivem geralmente em navios que roubaram nalguma época, sua tripulação é formada por vagabundos e ociosos que querem ganhar a vida facilmente. Cada vez mais, jovens são influenciados e caem nessa vida. É uma tristeza. Seus capitães geralmente são ex-oficiais de exércitos extintos.
- Não voltaremos mais. – disse um dos pastores – Essa é a última caravana. Se em Castélia não houver esperança então não haverá mais em lugar algum.
Valco pegou um pedaço de bolo, tomou um gole de chá e começou a comer. Os comensais também fizeram o mesmo em silêncio.
Uma das mulheres, a que lavava as roupas, dera chá e bolo para as crianças numa roda separada. Só Fabian estava entre os adultos. Portaventos pastava perto do fio d’água com os demais cavalos.
Passado vinte minutos, Valco continuou a conversa:
- Eu tenho uma herdade. É de família. Mas meus velhos, pais que a tocavam, já não os tenho mais.
- Minhas dores, cavaleiro! - Disseram.
- Não há mais! Amigos! – continuou Valco – Nos tempos em que estamos mais descansa quem já se foi. Maior seria a minha dor se os visse definhar nesses tempos. Quero propor-lhes um negócio.
- Somos todos ouvidos. - Disse o capitão.
- No castelo - disse Valco – há quem possa empregar os cavaleiros. Darei uma carta de referência. Um amigo fará os contatos necessários. Os pastores e suas famílias poderão tocar minha herdade. O negócio ali é a lavoura e os pomares.
- Muita bondade sua. - Disse o capitão. E Valco pode perceber um leve contentamento nos rostos tristes dos pastores.
- Não quero penhores, nem talentos. Mas peço uma coisa em troca.
- Diga-nos, ó amigo do Vento. – declarou os viajantes.
- Que esta menina, Fabian, não faça mais trabalhos pesados. Ingressa-a na escola em Castélia.
O ficou pensativo e enfim falou:
- Não teremos tanto.
- Não será cobrado. – disse Valco – Levará o meu anel como garantia. E uma mensagem para meu mestre. Será o reitor da herdade e colocará Fabian na escola. Saberão que eu os enviei.
- Mas há um problema! – preocupou o capitão – Acharão que o matamos pelo anel.
- Não! Enviar-lhes-ei uma senha. Uma palavra chave. Levará na mente e falará aos ouvidos.
Valco pudera sentir a alegria e a satisfação no rosto da menina ao ouvir a conversa. Antes que Valco se levantasse Fabian veio e deu-lhe um beijo no rosto e saiu correndo, foi contar para sua mãe. O capitão fez menção de dar algum corretivo na menina, mas ela já havia saído.
Valco ficou pensando por quanto tempo tudo aquilo duraria. A guerra, a jornada, nômades e peregrinos. Sem falar nas pestes, e catástrofes. Quando a guerra viria? E se já estivessem em batalha quando a caravana chegasse? Era bom nem pensar naquilo.
- E o que daremos em troca? – disse Maitran, interrompendo seus pensamentos – Como poderemos lhes ser gratos?
- Fiquem vivos. – Disse Valco. Mais para si do que para eles – Se a guerra vier mesmo, sobrevivam o quanto puderem, se a guerra for vencida e tiver um fim, eu estarei voltando. Quero que vivam e ajudem nas batalhas.
Ninguém dissera mais nenhuma palavra.
(Continua...)