A Décima Fortaleza - Cap. 02

Embora uma parte de si quisesse recusar o pedido, a outra ainda o incomodava, trazendo lembranças de um tempo de puras amizades, que só os bons soldados sabem desfrutar, como também uma pergunta que martelava sua mente: o que aconteceu de verdade ao seu pelotão? Depois que acordou, já na enfermaria da fortaleza, Albiren foi informado do desaparecimento dos seus amigos. Sua razão dizia que não havia como eles terem sobrevivido, pois as criaturas de fora não fazem reféns. Mas porque seu coração dizia que os pesadelos que o atormentavam nos últimos tempos estavam tentando lhe dizer algo? Porque a sensação de que aquilo ainda não tinha acabado?

Voltar a Thirondor depois de dois anos com certeza reacenderiam memórias dolorosas, mas decidiu atender ao pedido do amigo Targun. Afinal a carta dizia apenas que queria ter uma conversa a respeito da tragédia com seu pelotão. Mas Albiren sabia que voltar a cheirar um pouco o ambiente militar também lhe faria bem.

O experiente combatente arrumou as malas e deu ordens aos seus empregados para manterem tudo em ordem até seu regresso. Em sua propriedade ele possuía algumas cabeças de gado e aves de criação, adquiridos com o que conseguiu acumular da vida militar. Tinha também uma plantação de milho e contratou alguns empregados para cuidar de tudo e vender os produtos nas feiras da região. Com isso conseguiu manter uma vida relativamente tranqüila financeiramente.

“Uma vez combatente, sempre combatente” disse o capitão em sua visita. Albiren pensava na frase enquanto terminava os preparativos da viagem. Entrou no quarto e apertou um botão instalado na parede, fazendo um compartimento se abrir em uma das paredes acompanhado por sons de engrenagens se movendo, revelando em seu interior um belo exemplar de uma robusta carabina de oito tambores, um lança-flechas e uma espada curta, todos forjados no mais puro metal dos anões. Ali estava seu pequeno arsenal dos tempos de batalha. Resolveu colocar tudo dentro de uma grande bolsa e saiu do local depois de fechar o compartimento.

O major Targun disse na carta que estaria enviando uma carruagem para levar Albiren em sua longa viagem em direção ao norte até Thirondor. Mandou uma resposta pelo capitão que preferia fazer o percurso a cavalo, aproveitando o longo tempo em que não saía de Westfor. Aproveitaria para visitar alguns amigos pelo caminho. Respirou fundo, esporeou levemente seu belo corcel cinza e saiu de suas terras pensando o que o estaria esperando em Thirondor e seus malditos pântanos.

Após algumas horas de cavalgada através de boas estradas, deixava para trás Westfor, adentrando no rico condado de Ulsteros, com suas inúmeras fábricas lançando fumaça das chaminés, deixando o ar um pouco mais difícil de respirar, mas nada insuportável. É das manufaturas de Ulsteros que saem a maioria das armas que alimentam o exército da Aliança, e é graças aos seus especialistas na nova ciência da metalurgia que os humanos conseguiram balancear a ordem de forças em relação aos anões e elfos e sua magia estranha.

Assim que atravessou as fronteiras de Ulsteros, Albiren retirou do bolso uma folha de papel contendo um endereço. Não sabia se depois de tantos anos quem procurava ainda estaria no lugar e se aceitaria sua proposta, mas não custava tentar. Mais duas horas de galope e passou pelos humildes portões da Vila Karruc, se dirigindo à taverna Ponto do Hidromel sob um belo por de sol. O lugar estava lotado, com as mesas repletas de viajantes de todos os tipos, pois Karruc é ponto de passagem para quem se desloca para a capital do condado, Minesmoria. Depois de algum tempo, já acompanhado por uma avantajada caneca de cerveja preta, Albiren avistou quem procurava. O indivíduo estava descendo uma escada ao lado de duas mulheres aos beijos e abraços. Era careca, alto, corpo avantajado e uma barriga que já denunciava sua vida boêmia. O desgraçado sempre fora um casa nova, pensou Albiren.

Minutos depois o homem dispensou as mulheres lhes dando tapinhas nas nádegas, cujas reações foram risinhos safados. Sentou-se numa mesa sozinho e começou a beber. Albiren aproveitou o momento para se aproximar.

---- Posso acompanhá-lo nesta boa hora senhor? --- perguntou. O homem estava com a cabeça abaixada e respondeu sem olhar.

---- Não me importune idiota! --- falou alto.

---- Olha a boca sargento! Não respeita mais um superior hierárquico? --- disse Albiren. O homem ergueu os olhos para enxergá-lo.

---- Tenente? É o senhor?

---- Para você meu caro amigo Dhamar eu sou apenas Albiren --- respondeu sorridente. O homem se ergueu com rapidez aos tropeções e abraçou-o com força. Apesar de ter engordado bastante, sua força ainda estava em dia.

Os dois velhos amigos se sentaram e começaram a contar o que andaram fazendo todos esses anos. Albiren falou a respeito de sua vida como proprietário de terra e nada mais. Na verdade não havia muito o que dizer. Dhamar se limitou a falar sobre suas aventuras sexuais nos mais variados lugares dos cinco condados, fazendo-os rir bastante. Esses assuntos duraram apenas alguns minutos, pois no restante do tempo falaram do tempo em que serviram juntos em Thirondor e das inúmeras missões e aventuras que passaram. Os pelotões dos quais faziam parte quase sempre realizavam atividades juntos, já que eram responsáveis pelas missões de reconhecimento.

---- O que veio fazer em Karruc? Com certeza não foi pra ver minha cara feia depois de todo esse tempo --- falou Dhamar com a cabeça já pendendo para os lados devido as muitas canecas de cerveja.

---- Vou seguir viagem. Só passei para ver um grande amigo e parece que está muito bem. Mas pelo jeito ainda não perdeu a mania de andar em espelun...

--- Hei! Olha como fala deste lugar! Eu sou o dono! --- falou Dhamar --- Bom, na verdade quase dono.....para falar mais verdade ainda só um pequeno sócio...sinceramente....

---- Quanto te pagam pelos seus braços? --- perguntou Albiren.

---- Duas peças de prata e nada mais. Eu vejo pelo lado bom, pelo menos tenho direito a toda bebida que puder consumir. Mas confesso ao senhor tenen...ou melhor, a você Albiren, que adoraria voltar ao passado e sentir mais uma vez a adrenalina das missões e o peso do metal negro em nossas armaduras e armas --- depois dessas palavras os dois ficaram um bom tempo em silêncio, como que relembrando.

---- Estou indo para Thirondor --- Albiren finalmente revelou.

---- O que fará naquele lugar? Sabe que está repleto de más lembranças.

---- O que acha que eu sou? Um adolescente? Dói mas agente supera, aprendemos isso no quartel, lembra?

---- A quem você acha que engana com esse papo --- Dhamar bateu com a caneca na mesa bruscamente ---- Sabemos que não suportou a notícia sobre Calil e os outros. Na época foi uma barra ver nosso melhor homem abatido pela culpa, mas entendo-o.

---- Não entende nada! --- desta vez foi Albiren que levantou a voz ---- O mais novo deles tinha o que? Vinte verões? Eram crianças.

---- Eram soldados! E foram bem treinados por você! --- disse Dhamar ---- Sabiam do risco de viver nas fronteiras! Não tínhamos como saber que um maldito Cospe-Fogo estava solto na área!

---- Tenho tido pesadelos com todos eles --- Albiren mudou bruscamente de assunto.

---- Vai passar. Mas se ainda te incomoda tanto, porque voltar para Thirondor?

---- Recebi uma carta do major Targun --- respondeu Albiren. Dhamar fez uma careta à menção do nome do oficial ---- Ele disse que tem informações a respeito do meu pelotão.

---- Que informações?

---- Não sei, mas estou curioso para saber. Sinto que esta história ainda precisa ser finalizada. Parto nas primeiras horas da manhã para o norte.

---- Vou com você --- disse Dhamar, deixando Albiren bastante surpreso ---- Sabe tão bem quanto eu que não nasci para esse negócio de segurança de taverna, tirando as mulheres e a bebida claro --- deu um sorriso e soluçou ---- Preciso tirar umas férias.

---- Não atrapalhe sua vida por causa de um velho como eu --- disse Albiren.

---- Não se fazem mais velhos como nós meu amigo. Ouvi dizer que as fortalezas do cinturão estão repletas de filhinhos de nobre que mal tiraram as fraldas. Eles precisam olhar para soldados de verdade. Contanto que não fiquemos tempo demais cheirando os gazes daquele maldito pântano. Afinal será apenas uma visita não é?

---- Não sei meu amigo, não sei --- respondeu Albiren.

MiloSantos
Enviado por MiloSantos em 05/06/2012
Código do texto: T3706247
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