UMUARAMA

Pouco antes do almoço eu estava debruçado na varanda de casa assistindo a uma partida do jogo que, na época em que eu era moleque de rua, jogava-se com uma bola de couro, de borracha ou mesmo de meia velha recheada com retalhos de pano, capim, folha de bananeira ou qualquer outra coisa que estivesse ao alcance da mão e se chamava pelada ou futebol.

Por outro lado, os participantes desse antigo jogo, eram conhecidos pelos nomes de guerra como Zezinho, Biu, Felipe, Barretinho, Barata Descascada, Cabeça da Burra, Burra Cega, Gordo, Zarolho, Galego, Pindoba, Alicate...

Hoje, entretanto, acho que mudaram o nome do jogo para porra, e todos os jogadores também se chamam porra, porque todos eles, dizem o tempo todo:

- Joga essa porra, seu porra!

- Tira essa porra daí!

- Vai porra, joga essa porra!

- Porra, que jogada da porra!

- É gol, porra!

- Gol porra nenhuma, seu porra...

Desencantado com o horizonte que aguarda essa juventude fui tratar de almoçar.

Depois, com o estômago cheio “prá dedéu”, deitei-me na rede.

O sol forte feria os olhos e o calor deixava aquela vontade de não fazer nada a não ser embalar a rede empurrando-a com o pé na parede.

Eu estava naquele ponto em que ainda não se está dormindo, mas também não se pode dizer que está acordado quando o carteiro gritou lá do portão...

- RRRRRrrrrrrrrrreiooooo!

Com um sacrifício digno de ser citado na ordem do dia das forças armadas, levantei-me, assinei o protocolo de entrega e recebi o envelopão branco, escrito com letras douradas.

Caligrafia perfeita, daquelas que hoje em dia não se vê mais, a não ser nos convites de formatura ou de casamento cuja lista de convidados é restrita e altamente considerada.

No canto superior esquerdo, o brasão da Academia Brasileira de Letras.

Falei comigo mesmo, só pode ter sido engano porque eu não conheço ninguém da ABL, para receber um convite de lá.

Desconfiado do engano, li outra vez o destinatário.

Era mesmo o meu nome que constava, escrito com toda pompa e circunstância. É. Não havia dúvida, era para mim.

Cuidadosamente, como quem rouba, quebrei o lacre e li o cartão de linho...

O presidente e demais membros da Academia Brasileira de Letras têm a satisfação de convidá-lo para a sessão solene em que teremos a honra de empossar como membro permanente desta Academia, pelo relevantes serviços prestados à literatura brasileira nos diversos estilos da comunicação escrita, um dos mais atuantes artífices da nossa língua através do Recanto das Letras...

Li diversas vezes e achei intrigante o fato da ABL não revelar o nome do novo acadêmico.

Talvez fosse a estratégia usada para que a curiosidade nos obrigasse a comparecer.

Tal qual mala velha em véspera de viagem, meu smoking saiu do guarda roupas para levar uma surra de escovão sob o sol forte, a fim de espantar o odor de coisa velha guardada.

No salão de desembarque do aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, uma mocinha com sorriso de manequim pregado na face, segurava uma tabuleta onde se lia – Associados do Recanto das Letras dirijam-se à sala VIP no primeiro andar deste aeroporto.

Já lá estavam muitos dos colegas do Recanto, por quem temos grande consideração, mas que nunca vimos pessoalmente ou sequer ouvimos a voz.

Ainda bem que minha amiga Esther estava sentada na primeira poltrona conversando com Giustina e me apresentou.

Maria Mineira estava mostrando a Lilia o livro feito com os contos produzidos pelos seus alunos e prefaciado por Gdantas.

Duas cadeiras adiante, uma controvérsia insólita:

Paulo Moreno, sempre galanteador, elogiou o vestido de Marina Alves...

- Muito bonito esse contraste da cor dos seus olhos com a do vestido, verde como a água do mar...

Flor Morenna, delicadamente corrigiu. Azul piscina, Paulo querido...

Você que está aí na frente da tela, sim, você mesmo que está lendo, explique-me, por favor. (se puder):

Como é que mulher consegue ver a diferença entre verde água e azul piscina?

Mas voltando ao encontro, os convidados eram tantos que foram necessários vários ônibus para levar-nos ao hotel, onde vestiríamos as roupas de gala, e no qual ficaríamos hospedados depois da cerimônia de posse do recantista agraciado.

Sabe aquela sensação gostosa que sentimos em reuniões nos dias de ex-alunos ou de ex-colegas de trabalho? Pois bem, foi exatamente o que eu senti. Eram todos velhos amigos que eu estava reencontrando...

No salão feericamente iluminado, já não cabia mais ninguém.

O mestre de cerimônias entregou, a cada um de nós, a lista com os nomes dos recantistas e chamou os acadêmicos para composição da mesa.

O ocupante da cadeira 23, que pertenceu a Machado de Assis, era o encarregado de saudar o novo acadêmico que, pelo inusitado da escolha surpresa, somente vestiria o fardão nas próximas reuniões.

Com a voz solene e pausada, própria para os grandes acontecimentos, o acadêmico começou o discurso:

Senhor presidente, acadêmicos componentes da mesa, demais acadêmicos, recantistas aqui presentes, minhas senhoras, meus senhores. A ABL tem acompanhado as publicações dessa pessoa que por unanimidade de votos foi aceita para ocupar uma das cadeiras desta academia, e reconhece a enorme contribuição para o cultivo da nossa língua, quer seja em prosa ou verso.

Senhoras e senhores, estamos falando de:

Exatamente neste momento fui acordado pelo estampido do rojão disparado por um idiota torcedor de futebol (ou seria torcedor idiota?).

Levantei-me da rede, sobressaltado, pensando que a casa estava desmoronando sobre minha cabeça, mas outros rojões me trouxeram para a vida real.

Por não ter outra coisa a fazer, voltei para a rede. Onde estaria o envelope?...

Não havia envelope, e do sonho só a lembrança de alguns nomes constantes da lista...

ooooooOOOoooooo

Esse conto é uma forma de agradecer aos colegas que me visitaram nos três primeiros meses de 2012 e lá deixaram seus amáveis comentários.

Coloquei o título Umuarama, que na língua Tupi significa reunião de amigos, por considerar apropriado para definir como seria o nosso encontro.

Eu considero que todos têm potencial para ocupar uma cadeira permanente na Academia Brasileira de Letras e como não podem ser citados todos em primeiro lugar, achei por bem citá-los em ordem (nem tanto) alfabética.

Atiz// Ana Marly de Oliveira Jacobino// Antonio Fernando Ribeiro// Bizu// Conceição Gomes// Clarice Pantaneira// Cleo Ferreira// Dona Joana// De Leonardo// Dodora// Escrava do Teu Amor// Esther Ribeiro Gomes// Edna Frigato// Fábio Brandão// Flor Morenna// Felipe F Falcão// Gdantas// Giustina// Hamid// Iratiense Joel Gomes Ferreira// Inaldo Tenório de Moura Cavalcanti// Irene Chagas// J. Coelho// Leia Carmona// Lia Lúcia de Sá Leitão// Lianatins// Lilia Costa// Luis Antonio Matias Soares// Lumar// Lydiene Maryen// M.V.A.// Márcia Adriana// Maria do Rosário Bessas// Maria Mineira// Marina Alves// Marinalva Lavienrose// Marcelo da Veiga// Meire Boni// Maurício Claudio// Maciel de Lima// Munay// Otávio J M// Paulo Moreno// PodeRosa// Patativa SRN// Professor Edgard Santos// Ronaldo J. de Almeida// Rosa de Saron// Silvia Regina Costa Lima// Suely Ribella// Silvano Alves// Teka Castro// Tildé// Terezinha Souza// Vapormaligno// Yamâno// Zastra/// Zeni Silveira// Zaira// Zaretliteratura

A todos, um grande abraço e muito obrigado.