Acaso (Micro conto)

Tudo começou numa chamada telefônica por engano.

Papo vai, papo vem... ambos se sentiram como velhos conhecidos.

Daí para um encontro foi apenas questão de tempo.

Primeiro olhar, primeiro toque - magia no ar...

Enlevados, jantaram, sem sentir o sabor dos pratos. Pediram vinho, mas a rubra bebida ficou esquecida nas taças... tão entretidos estavam, em desvendarem-se.

Sairam abraçadinhos. Caminharam pelas ruas, solitários, olhando as estrelas.

Quando se deram conta, os carros haviam ficado defronte o restaurante...

Voltaram vagarosamente, mãos dadas, absorvendo a morna sensação do toque - química em sintonia - conversando sobre grandes temas e sobre tolices rotineiras. Mas o assunto não era importante. Importante era o que sentiam - uma grande paz, um prazer imenso em estar juntos, um isolamento do resto do mundo...

Novos encontros se sucederam. A situação se repetia.

Mal sabiam seus nomes. Pouquíssimo sobre a vida real de cada um. Bem... que importavam essas formalidades?

Um dia ele, ao sair do prédio em que trabalhava, foi atraído por uma pequena multidão que se formava em frente. Curioso, procurou informações.

Acontecera um acidente. Uma pessoa fora atropelada e estava sendo atendida pelos paramédicos de uma ambulância.

Aproximou-se, tentando ouvir.

- Está morta. Não há batimentos cardíacos. Que pena! Uma moça tão bonita!

Aproxima-se mais e, estarrecido, contempla aquela imóvel face, que tanta ternura lhe causara na noite anterior. Aquelas mãos inertes que haviam, carinhosamente, tocado as suas. Aqueles olhos cerrados que, olharam tão amorosamente para ele. Aqueles lábios paralizados, que tão docemente o haviam beijado, na noite anterior.

Braços inertes, a face imóvel e sem expressão, os lábios paralizados sem conseguir emitir nenhum som... assim permaneceu ele, até que o som da ambulância sumiu no burburinho da cidade, que voltou rapidamente à sua agitação normal, enquanto a noite caía.

Um soluço. Caía a noite em sua vida...