Por de trás da tela
Aquele menino ficava tanto tempo em frente ao computador que não via mais o mundo lá fora. Eram 10, 15 horas todos os dias conectado. Só se ausentava dali para ir ao banheiro, comer e dormir. Como se não fizesse bem nenhuma das três essenciais necessidades, tinha prisão de ventre, anemia e insônia.
Já não sabia mais o que era o brilho do sol, o cantar dos pássaros e o oscilar das árvores pela fria brisa de outono.
Amigos também não tinha, aliás, os tinha sim, mas virtuais. Games, msn, facebook: essa era sua vida.
Seus pais já nem se importavam mais, pois foram tantas as vãs tentativas de tirá-lo da "grande teia" que o "melhor a fazer agora era ignorá-lo, já que ele pode estar fazendo isso para chamar-lhes a atenção". Era o que dizia Dr. Fred, o analista da família.
Numa certa tarde de chuva, depois de seus pais saírem para trabalhar, o menino teve uma experiência da qual jamais se esquecera. Estava lá, diante do PC, quando não mais que de repente, a tela se apagou. Pensou ele ser uma queda de energia mas as luzes da CPU estavam acesas.
Tentou reiniciar a máquina e, como se não obtivesse êxito, proferiu terríveis palavrões. Ainda saía sujeira de sua boca quando viu umas minúsculas letrinhas surgirem bem no meio da tela. Não conseguindo enxergá-las, aproximou os olhos no intuito de decifrar o enigma, quando um desmedido clarão o fez cair desfalecido.
Quando acordou, estava numa espécie de sala cilíndrica, toda acarpetada e com milhões de monitores de vídeo, dispostos como que a formar uma uma tela de cinema 180 graus, dando a impressão de que todos aqueles monitores estivessem "olhando" pra ele.
Ouviu, então, uma voz forte e áspera que ordenava para que ele se sentasse na poltrona vermelha, no centro da sala. Sem alternativa, pois na sala não havia saídas, o menino obedeceu e, logo que se sentou, uma espécie de trava foi acionada, atando-o à poltrona, enquanto todos os monitores ligavam-se automaticamente. O menino tremeu.
Cada monitor apresentava o semblante de uma pessoa. Brancos, negros, asiáticos, todas as raças e cores estavam estampadas naquelas inúmeras e pequenas telas. O menino não sabia o que significava aquilo, mas ainda atônito, não se movia.
Começou então a reparar naquelas faces e percebeu que havia algo em comum entre elas. Era o olhar. Todas estavam com os olhos arregalados e congelados, como se estivessem procurando algo muito importante. Algumas com dentes cerrados, outras com a língua entre eles, mas a impressão que davam era a de que estavam abaladas.
Às vezes, algum rosto sumia um determinado tempo, mas logo regressava e continuava encarando o garoto.
Depois de algumas horas naquele estranho local, o menino já estava apavorado. Mas afinal, o que era aquilo? O que significa aquelas milhões de expressões humanas aparentemente atormentadas por algo que ele nem imaginava? Teria morrido? Estaria sonhando?
Foi quando ouviu a mesma voz de outrora, sussurrando aos seus ouvidos:
_Estás assustado com isto, filho? Saibas que o que estás vendo são pessoas como tu! Viciadas nesta maldita máquina virtual! Saibas que não somos contra ela, mas sim, ao seu uso irracional, como tu e todas essas criaturas procedem!
Só então, o menino percebeu onde estava. Era com se estivesse atrás da tela do computador de milhões de pessoas que, como ele, eram dependentes do mundo virtual. Entendeu que realmente estava doente e que, se não abandonasse tal vício imediatamente, as consequências seriam imprevisíveis.
Como se pudesse ler o pensamento do rapaz, a misteriosa voz voltou: _Que bom que compreendeste o que queríamos lhe mostrar! Agora já podes voltar para o "outro lado"! Vá e nunca se esqueças deste dia!
A sala então começou a tremer e os monitores foram se apagando um a um. Em pânico, o menino tentou se livrar das travas da poltrona, mas em vão foi seu esforço.
Quando a última telinha se apagou, a escuridão era total e os tremores aumentavam. O barulho era ensurdecedor e, desesperado, mais uma vez, desfaleceu.
Despertou no chão de seu quarto, todo molhado de suor e com o corpo todo dolorido. Olhava para seu corpo, braços e pernas como se não acreditasse estar ali e correu para o banheiro.
Durante o banho refletiu sobre tudo o que acontecera, tentando descobrir se fora real, fruto de sua imaginação ou algo hig-tech, virtual. Até hoje não chegou a nenhuma conclusão.
Na manhã seguinte, não foi pequeno o espanto de seu pai, ao ser acordado por uma voz que vinha de alguém passando pelo corredor com uma raquete de tênis na mão:
_Anda logo pai! Estou te esperando lá na quadra!