SERRA NEGRA III

Capítulo III

ERA UMA VEZ COMO NOS CONTOS DE FADA

ERA UMA VEZ um recanto do agreste pernambucano que se destacava pela beleza das suas mulheres e pela destreza dos seus homens em cavalgar, tanger o gado ou cultivar a terra. Esse recanto paradisíaco e abençoado por Deus, os seus habitantes traziam em suas frontes o sinal do dia e portavam em seus alforjes as armas da luz. Terra abençoada, transmitia vida aos seus filhos e multiplicava por dez, cem e mil os anseios de paz e progresso. Cidade guardiã de passado nobre que acolhe rico e acolhe pobre com vontade e sem desdém. São José dos Bezerros é o seu nome, terra de “macho e de feme” , cabra safado ali treme, longa vida não vai ter, ou vai ficar no seu canto, quietinho feito santo, ou em debandada vai correr. Bezerros terra encantada, bandido não tinha vez, não se via nenhum deles caminhando pelas ruas e estradas, podia-se andar à luz da lua, numa bela noite estrelada quando uma seresta era cantada, à porta da bela amada. Assim era a cidade de Bezerros nos idos de 1945, 1950 e 1960, época em que ocorreram os fatos aqui narrados. Uma ponte sobre o rio Ipojuca unia e une até hoje as duas partes da cidade que é cortada por este rio temporário, na época água límpida e transparente, até cacimba existia, hoje corre água poluída. Na parte ocidental da cidade, do lado de lá, ficava a estação de ferro, o Cine Theatro Popular, cinema de “Seu Eurico”, as residências de Seu Romeu de Góes, farmacêutico e foi prefeito da cidade por várias vezes, homem digno, fiel escudeiro da honra e da moral; a de Dr. Euclides um renomado médico que a todos atendia, Dr. Pádua, médico cardiologista e tantas outras residências de algumas famílias de destaque na sociedade bezerrense. Casas bonitas, de belas fachadas, lá no alto projetadas, bons aspectos ofereciam aos passageiros que partiam, a tantos outros que vinham, naquele trem bem cuidado, sendo o nosso maior legado daquele tempo passado. Do lado de cá, na parte oriental da cidade, a Igreja matriz, o comércio, um setor de sobrados com belas residências, destacando-se o sbrado da família Souto Maior. Assim era a cidade de São José dos Bezerros em meados dos anos quarenta. Nas tardes modorrentas e amenas daqueles dias de antanho, um ou outro transeunte, sob a sombra de algum dos coqueiros que ladeavam o rio, descansava pitando um cigarro de palha enquanto o seu pensamento, com devoção, o fazia recordar da rara aventura amorosa que fizera com uma morena sestrosa, um momento de sonho sonhado, onde a borboleta de asas coloridas pousara sobre uma margarida ou flor do campo, e ele a tinha apanhado para o encantamento da bem amada. Tem vida mai mió? Naquela época, a cidade parecia ter mais vida, o comércio apresentava maior movimento com belas lojas ostentando mercadorias de melhor qualidade: o armazém de Seu Manuel Lúcio, a loja de miudezas de Seu Crisântemo, Severino Felix gerenciava As Casas Bezerra que era uma loja de tecidos, Café Avenida onde era servida refeição e lanche, as farmácias de seu Narciso Lima e a de seu Romeu, a sapataria de Né Guarú, homem sempre elegante com suspensório e tudo, e outros tantos estabelecimentos comerciais que compunham aquele promissor comércio bezerrense. Na época, a fábrica Peixe tentou se instalar na cidade e, por falta de abastecimento d'água, a fábrica mudou-se para a cidade de Pesqueira. Por muito tempo, no caminho da maternidade, viam-se cortes de latas desta referida fábrica. Naqueles anos dourados a sociedade bezerrense era mais atuante, a cultura florescia através de peças teatrais, de bons filmes e um clube social foi fundado – Centro Literário Ruy Barbosa - através dos esforços de homens e mulheres de expressão na sociedade local como o Sr. Carlos Guerra, gerente do Banco do Povo, figura carismática e muito fez pela cultura da cidade, o casal Severino Felix e dona Zilda, bem como dona Joaninha Pontes uma mulher inesquecível, que fez história e atuou em diversos segmentos da sociedade local. Este clube tinha sua sede provisória numa construção antiga situada na rua da Matriz, hoje funciona como salão paroquial. Neste clube a juventude se divertia em saraus e festas, bailes inesquecíveis, muitos amores nele firmados, acabavam em casamentos consumados. Neste clube uma biblioteca havia, grandes coleções, livros com belas brochuras, muitas gravuras, Tesouro da Juventude, Enciclopédia, autores brasileiros, tantos outros estrangeiros, livros doados pelo Sr. Samuel Cunha. Não havia estrada asfaltada, não havia tanta facilidade dos jovens se locomoverem para cidades vizinhas afim de divertimentos. As coisas aconteciam ali mesmo, em Bezerros, valorizando assim, os bons eventos que marcaram a cidade naqueles anos saudosos. As estradas poeirentas, cheias de atoleiros quando chovia, dificultavam o escoamento da produção local por via terrestre. A sopa de Zé do Mel (Zé do Mé) transportava passageiros até Caruaru numa só viagem que levava horas, onde hoje gasta minutos de uma cidade a outra. A sopa saía às sete horas da manhã e chegava a Caruaru por volta das nove horas, retornando a Bezerros ao anoitecer. Quando a sopa quebrava, a Caruaru ninguém viajava...

clira
Enviado por clira em 05/05/2012
Reeditado em 23/08/2017
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