A toca do lobo
Quando se está moribundo, é quase palpável o cheiro da morte. Não sei se é um aroma, é mais uma sensação lúgubre e densa. Mas não tenho medo. Há semanas sinto-a chegar, atacar meus órgãos e ossos velhos. Agora me acho aqui, nessa toca abandonada, esperando ansioso o fim. Entenda-me, não quero morrer. Ninguém quer. Porém já estou preparado. Acho que, quando chegamos a certa idade, não dá para ignorar a morte. Sabemos que ela aproxima-se, sombriamente. Ademais, tive uma boa vida. Fui um bom caçador, um alfa impecável. Os meus herdeiros comandam a alcateia agora e são abrangentes. Só tenho a agradecer.
Faz algum tampo que me separei dos outros. Vaguei pela floresta, sozinho. Meu orgulho – e outra coisa que não sei definir ainda – me impeliu a isso. Não quero que minha queda seja vista.
Encontrei essa toca há alguns dias atrás, e achei-a perfeita. Me fez lembrar do meu nascimento. Parece mentira, mas esse momento é a parte da minha existência que mais me marcou, que mais recordo: naquela época, não vi ou ouvi nada, só senti. Senti a poderosa essência da vida, o calor que emanava do corpo de minha mãe. Senti tudo, tudo, com uma intensidade que nem um filhote jamais sentiu, muito menos um recém-nascido.
Talvez por isso me tornei um líder nato. Sempre fui muito sensitivo em relação à natureza, à vida. E agora, nessa toca, vejo que desde meu nascimento sou assim, não sei por quê. É como se eu fosse destinado. Eu acredito que o destino, a Fortuna, se encontra além de qualquer compreensão. Devemos segui-lo sem questionamentos.
Aquele cheiro estranho se intensifica. Já é noite, e daqui posso ver um pouco minha amiga, a lua. Não tenho mais forças nem para uivar, contudo, vê-la me dá paz. As recordações do meu nascimento retornam, e mentalmente, sinto novamente o calor que vem de mamãe. Os pelos quentes envolvem meu rosto, e a vida pulsante das lembranças me invade, como se eu voltasse no tempo. É curioso, mas minha morte tem um toque de vida.