O Inferno dos Gnomos - Parte 10
O Gnomo
Todo o óleo já havia sido chupado pela pele da criatura. Coçava os lábios de baixo com os dentes agulhados superiores que causavam feridas, daí se explicava a ponta dos dentes vermelho. A cada tragada no cachimbo o ar mais desfalecia. E Miphelangel o observava engolindo o suspense de cada movimento.
-Vossa graça o que temes? – Disse a criatura com os dentes de cima pingando rubro – lhe suplico que porte a vertical.
Miph estava sentado, perdido na duvida do que lhe estava diante aos cílios. O branco veio como uma amnésia da ação, a apreensão formigou no peito. Tremeu como uma corda de harpa. Voltou o branco a crescer parecendo um mar de leite.
-Vossa graça, lhe imploro – continuou a voz sombria – Levante ti.
A voz da criatura se encaixava ao branco. Miph se levantou sem entender bem porque fizera. Olhou o bicho no olho, o interior baqueou e o branco começava amenizar. E arriscou soltar a voz:
- Quem.... é... é...você? - Gaguejara – ou melhor... o que... é você?
- Em varias terras sou de variados nomes. Em varias tradições, sou colorido de varios formas.- Abriu os dentes, e começou a contar nos dedos – Gnomo, Duende, Sprite, Demônio, iluminado e mais alguns...
- Diversos nomes?
- Sim. Quando temos uma ferramenta física em mãos, podemos apontar para tal peça e dizer lhe o nome. Mesmo que diversas culturas deem nomes diferentes, sabem que é a mesma coisa. Já quando se trata do abstrato, o tema se complica e a ignorância recheia a confusão. – Sorriu babando gotículas vermelhas. – Especuladores e especuladores.
-Gnomos... – Fugiu a palavra em reflexão - Não acredito em Gnomos – Afirmou, Miph, desconfiado do que vira. O “Gnomo” se portou em pé sobre a escrivaninha.
-Vossa graça tem todo o direito de incertezas. – Pitou o Cachimbo, assoprou a fumaça azul entre os dentes fechados em sorriso – Mas que fique alvo, não emanei para faze-lo acreditar em mim, vir faze-lo acreditar em ti.
O Gnomo coçou um pé com a bota do outro. Abaixou a cabeça, A ponta negra plumada do gorro azul, pousou ao lado do rosto. Viu um caderno sobre onde sentara.
-Olha, escritas poéticas me espreitam – Desceu a mão para pegar.
-Não leia isso! – gritou Miph, correndo em direção. O Gnomo pulou para a cama em esquiva, com o caderno na mão.
-Não temas Vossa graça, eu lhe ajudei a escrever – agachou em cortesia, e voltou ao caderno - Morah, Uma moça morena sem nome, é quem lhe aquece o coração aos equinócios e solstícios, Já recitou um desses para a bela?
- Não – desviou os olhos.
-Por que não?
-Por que não – respondeu fugitivo.
Gnomo se aproximou com o sorriso mirabolante de orelha a orelha. Os olhos puxados com um globo negro fitaram Miph de perto como avaliação, a ânsia atacava o estomago.
-Não seja tão sucinto alteza, sua forma concisa de impugnar lhe faz vir a tona sua debilidade – Tragou, o cheiro de enxofre subiu as paredes, e soprou como ventania no rosto do amo – Essa fumaça que tolda os olhos é o que falta em vossa estética. Algo severamente claro se torna monótono e traz á falência a curiosidade e a fantasia.
-Por que fala tão complicado? – Miph se sentia confuso com as palavras raras de se ouvir.
-Essa confusão no entender, deixa a mente desarranjada por segundos, nesse ensejo que tenho minha vantagem. – As rugas afundaram com a gargalhada com sua face risonha.
O como parecia estar sendo de minuto a minuto embebedado com mais e mais calor, Miphelangel já estava perdido com as palavras do Gnomo, e ainda mais perdido se tinha realmente um Gnomo a sua frente.
-E porque quer me ajudar? – perguntou Miph.
-Ajudando a ti, Vossa Graça, ajudo a mim também – Respondeu a criatura – Somos um só, e vir lhe obsequiar com a dádiva, a qual sempre conservou posposta. – o duende mostrou os dentes – Sabe, existem seres com uma grande aptidão, Mas diversas vezes elas se acomodam no acolchoado interior por medo de que não obtenha aceitação externa. – Encaixou o cachimbo na boca, tragou, e abaixou o cachimbo – Esse mel é apreciável. – Desprendeu a fumaça dos pulmões e prosseguiu – Tais seres que acomodam suas aptidões, vivem sentindo umas espetadas no estomago. Essas espetadas é causada pela aptidão que esta presa, pedindo em desespero a liberdade, já sentiu isso Vossa Graça?
-Quem não? – Disse Miph, se sentindo atacado.
-Essas suas poesias – Apontou o baixinho, com a ponta levemente esfumaçada do cachimbo para o caderno – É a forma onde achou levemente um latíbulo, para deixar que sua aptidão tome um ar. Assim você pode se sentir mais leve, e em paz consigo mesmo Vossa Graça, mas apenas enquanto estiver neste quarto, porque depois enfrenta o mundo e as pessoas, e volta a Pusilanimidade, tristeza e impotência.
-Não me chame de covarde, você não conhece minha vida! – Se irritou.
-Quando prendemos a aptidão, prendemos nós mesmos, prendemos nossa natureza que se debate para sair. – Ignorou o que Miph dissera.
Miphelangel coçava a cabeça atordoado, o Gnomo parecia entender o labirinto angustiado dele, se mostrava alguém que sabia segurar as rédeas da natureza humana. Apesar de não querer ouvir, as palavras proferidas pelo visitante faziam sentido, se sentia compreendido, mas não era uma sensação tão confortável. E mirou uma curiosidade:
- Mas ninguém me olha como um homem digno.
- Querer ser aprovado, é dar poder ao sujeito. – Respondeu o Duende.
- E como eu cresço se preciso dos outros?
- Mostre sua aptidão, honre os que admiram, e ignore os que repudiam. Assim ambos lhe trarão o crescimento. – Cortou o rosto enrugado, com um sorriso espinhoso – O povo admira o corajoso, nunca o tímido.
- É fácil dizer isso sem estar no meu corpo – O Gnomo escutava tudo, sem abandonar o sorriso – Afinal, qual é seu nome verdadeiro?
- Dortrit, Gnomo Dortrit, Chame-me assim.
E ambos ficaram ali, levando a conversa para áreas jamais discutida pela língua de Miph. Até que a noite caiu e o sono desceu das estrelas.
Continua ...