Um suspeito presente.

Sempre fora fácil pra ele dar-se bem com os outros, certamente havia nascido com um talento incomum para compreender a dor, ânsia, angustias e prazeres, enfim, emoções alheias.

Era um homem de estatura mediana, dotado de uma beleza discutível, que considerava a melhor maneira de ser belo, o médio, posto que não causava ciúmes em ninguém a primeira vista, tampouco horrorizava em hipótese alguma, dando-se o direito de ir conquistando sua imagem à vista dos outros na medida que fosse convivendo e empaticamente atingindo o posto de belo de acordo com suas pretensões fraternas e/ou passionais.

Acreditava no cansaço advindo de toda coisa exagerada, ser demais possui um peso, o que não seria diferente para o aspecto beleza.

É incontrolável aos seres muito belos que sua beleza não esteja sempre depreciando-se pelos abusos advindos dos olhos que a miram, no que a cada novo olhar em busca da bela imagem, criam expectativas maiores que as lembranças, dificilmente sendo atingida pelo observado, posto que tal bem ele já o dera de uma só vez, localizando-se desde o inicio na linha de chegada, tendo por destino apenas o definhar, o vir, não mais o ir.

Porém com Marcus Paz não, sua mediana aparência permitia uma constante movimentação nas mentes alheias.

Verdadeiro impressionista, desinteressado era no retrato fiel da realidade, a maneira do vestir-se possuía um comportamento imprevisível, eclético também quanto aos gostos, costumava apresentar-se como um típico playboy capitalista quando eram noites em que previa ter oportunidades de discorrer a respeito de filosofia, poesia e romances clássicos russos e também brasileiros, já em meio a classe burguesa adotava um estilo mais alternativo e mostrava-se detentor de poder aquisitivo porém possuidor de um descaso que beirava o desleixo quanto a valorizar os bens que adquiriu, intrigando e impressionando os burgueses que eram mais o que tem do que o que são.

Naturalmente não condenava ninguém por suas maneiras de ser ou filosofia de vida, respeitava cada particularidade contrariando-se apenas quando o direito de determinado sujeito invadia o do seu próximo, repetia freneticamente que a alegria de um não pode ser paga pela tristeza de outrem.

Analogicamente via o ser humano como carros de várias espécies, porém identificava-os mais pelo motorista que conduzia cada veículo, rindo comentava que infelizmente perde-se muito tempo querendo a sociedade tratar todos iguais, sendo aí o absurdo da convivência, pois a maneira de tratar todos iguais seria tratar cada um diferente, posto que ele mesmo considerava-se em constante construção, não atingindo a capacidade de ser o mesmo num período de um dia, - Como os homens poderiam se acharem iguais? Brincava dizendo que analogicamente um veículo desses chamado humano pode certamente está sendo pilotado por um macaco que no transito da vida debate com outro de mesma marca e modelo, porém dirigido por uma girafa, sobre quais melhores coisas a fazer e seguir na vida.

Repetia a si mesmo: Triste cegueira social.

Acima de tudo Marcus valorizava a família sanguínea que fora escolhida para ele e a família afim, os amigos, que ele conquistara com tanta dedicação e estima.

Era de lembrar não só as datas de aniversários de tais amigos, como também algumas datas que tais amigos tinham como especiais, a exemplos temos a formatura de um que fora de origem muito humilde e havia conquistado tal feito como uma vitoria épica, outro que depois de tanto gastar e tanto sofrer havia de ter dado o primeiro beijo na que seria sua futura esposa, possuía outro que sempre tomavam espumante juntos para comemorar o dia de sua soltura da prisão, por motivos de pensão alimentar.

Divertia-se com tudo isto, era uma maneira de ser mais vivo, encontrando assim a forma de seu dia possuir mais do que as simples vinte quatro horas utilizando-se também das horas alheias, ao sentir-se não personagem de tais existências, mas co-autor de cada um deste que colocara no hall de amizade.

Interessante é que não vacilava em presentear seus amigos, adorava identificar o que os mesmos careciam e amariam receber, não obstante, toda vez que o fazia possuía um pouco demais dele ali naquela lembrança.

Tal situação divertia a todos, visto que certa vez em conversa de bar conheceu através de um gringo dos Alpes italianos chamado Luca, a respeito de determinado uísque que possuía um certo requinte que o colocara ao preço de mil dólares, o que certamente não teria coragem de comprar pra si, porém não se ateve em encomendar um para presentear um dos queridos irmão de consideração, mas com a seguinte condição imposta como regra no ato da entrega: Este aí você beberá comigo em tal data que se marcou devido um motivo lá qualquer que não vem ao caso.

Outra vez soube por alto do sonho de Bartô em um dia poder viajar num cruzeiro destinado a Búzios, cruzeiro este que seria regado a bebida livre por todo percurso e Djs que ininterruptamente tocariam em alto mar no período de 5 dias, não titubeou, adiantando-se a propria data de aniversário do felizardo, comprou tal passeio numa promoção que dava direito a acompanhante, sendo o próprio Marcus Paz a companhia, o retorno da viagem caiu exatamente na data do aniversário do presenteado, sendo tal passeio o assunto principal na festa de Bartô, cada detalhe do cruzeiro e o quanto o Paz certamente aproveitara cada centavo gasto, ele orgulhava-se demais em ser notícia na conversa dos seus.

E assim foi-se com livros, CDs, DVDs e demais coisas que comprava para os seus, sempre algo que ele tomaria emprestado para copiar, degustar ou fruir de alguma maneira muito pessoal, em nível equivalente ao presenteado.

Adoravam esta sua maneira de ser, tornara-se algo muito autentico.

Maior ainda eram as curiosidades sobre o que ele estaria por trazer no próximo evento que envolvesse presentes, visto que carecia de muita criatividade o ato de agradar duas ou mais vidas com um único feito, é o mesmo que matar dois coelhos de uma cajadada só.

Porém, algo peculiar acontecia com Marcus, peculiar chamaremos por se tratar dos tempos modernos que vivemos, pois bem, era a maneira como ele tratava as mulheres, mas somente as que não fossem família, namoradas, amantes ou que estivessem por ser.

Soava algo machista seus tratos suficientes apenas para dizer eu existo e sei que você também, com diálogos geralmente monossilábicos da parte de Marcus.

Nunca fora visto discutindo algo com as damas de seu convívio, salvo as que se enquadravam na situação anteriormente citada, costumava defender que com fêmea, velho e menino não se discutia.

Condenado não era por nenhum dos homens devido seu comportamento, ao contrário, era muito respeitado e fazia por onde, visto que sua atitude não soava uma má educação nem agressividade, era mais descaso e frieza.

Portanto algo nele havia um tempo que vinha nutrindo a ciumeira entre os do grupo, todos o adoravam e seria uma honra ter suas mulheres tão bem tratadas pelo Marcus como este agia para com a mulher do alagoano Tobias.

O trato que ele possuía com Irene a esposa de seu companheiro, era realmente alheio a sua natureza, os demais associava tal diferença em seu fazer, como a maneira mais sincera e direta do Paz demonstrar o quanto gostava mais deste amigo perante todos ou outros.

Gente do tipo de Marcus, não pode se dá ao luxo de demonstrar de quem gosta mais, ele é vida de muita gente, compadre de quase todos e confidente de outros tantos, comentava Bartô certo dia a sua mulher numa destas madrugadas de embriaguez.

E assim, o próprio Tobias embora também possuísse suas curiosidades, elas não eram maiores que sua vangloria em ser especial.

O nosso querido homem de beleza mediana nunca tocará no assunto, nunca dera qualquer explicação, as vezes que fora indagado respondia apenas com um leve sorriso e uma voz quase que sussurrante onde ouvia-se - toda regra tem exceção – já tratando de mudar o assunto, coisa que pra ele era muito fácil, visto que era uma fonte inesgotável de informações eruditas, populares, idéias e besteirol.

Ainda muito cedo numa manhã de sábado, o telefone do Paz tocara, o bina demonstrava ser Tobias.

Ele não o atendeu de imediato, levantou-se e fora primeiro virar gente, como era de costume chamar as primeiras horas diárias de quem acorda.

Tomou banho, café e sentindo-se pronto pra vida, retornou a ligação escutando atentamente aquela notícia que deveria o alegrar indiscutivelmente porém, entristecera, temeu, temeu antes de tudo o tempo, entendia do costume sendo uma força que grita mais forte que a própria natureza, Noel Rosa já havia cantado isto décadas passadas, certamente ele não mais seria importante na família que tanto estimou.

Tobias acabara de avisar duma promoção sua no emprego, passaria a receber bem melhor, portanto não poderia de imediato exigir de tal empregador, a condição de permanecer morando na mesma cidade, seria transferido pra uma cidade no norte do Pará.

Foi uma facada em Marcus, ele era um escorpiano puro, gostava dos dele por perto, de ter o controle, portanto estava vendo o mais especial dos amigos sendo afastado de si, num período imprevisto que certamente diminuiria sua importância na vida daquele.

O euforismo na voz do promovido o envergonhara em demonstrar seu ar de tristeza, ele disfarçadamente ensaiou algumas palavras de otimismo e arranjou logo um motivo de desligar o aparelho, precisava digerir tal idéia, ficando certo de na noite do dia seguinte comemorarem a coincidência do aniversário da mulher de Tobias com o sucesso profissional de seu marido num bistrô que costumadamente jantavam.

A decisão fora de nos primeiros meses Tobias viajar só, organizaria-se por lá e então em momento oportuno sua esposa o acompanharia.

Marcus a muito não vivera um domingo tão triste, embora a viagem profissional do paraibano estivesse marcada ainda para o mês que entraria, totalizando 28 dias daquela data, ele estava desde já mal.

Arrastando os pés dirigiu-se a cafeteria que freqüentava para leituras de revistas filosóficas e prováveis conversas com estranhos que volta e meia conhecia por lá, não pediu o expresso de sempre, mas uma dose cowboy dum doze anos que encontrava-se empoeirado na estante ao lado da foto do dono do estabelecimento .

Quando estava na quarta dose e com a língua pastosa, pagou a conta e foi comprar o presente da aniversariante.

Chegando ao bistrô com certo atraso, estavam todos lá, numa festa que aparentemente já rolava havia horas.

Hora alguma importou-se em disfarçar o luto que o preenchia, certamente dominado pelo efeito etílico do uísque, encorajando-o a demonstrar seus reais sentimentos.

Abraçou fortemente Tobias, parecia nunca mais o ter visto ou que provavelmente não mais o veria, com um dos braços suspendia o alagoano do chão no que simultaneamente esticava a outra mão entregando um embrulho com porte médio a sua mulher.

Todos comoveram-se com tamanha sinceridade no afeto que Marcus Paz demonstrara, espontaneidade unido ao profundo, desviando a atenção daqueles que não perceberam quão lindo era o jogo de cama formado por duas fronhas e uma lençol que ele acabara de presentear Irene.

Sampainho
Enviado por Sampainho em 15/04/2012
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