O Inferno dos Gnomos - Parte 08

O vento da mudança

Voltando a se afogar na floresta escura, Miphelangel percebeu que não sentia mais tanto medo como na vinda. As quedas dos cabelos azulados das arvores cessaram e o chão estava coberto até coxa. Isso incomodava os passos. O rapaz andava entre os ramos com uma mão pressionando o tempo todo o bolso onde pendia a flor azul oleosa. Parou por um instante, olhou em volta, notou beleza no ambiente. “Até o obscuro tem sua beleza” respirou.

“Algo aqui é inexplicável, como podem cair tantas folhas sem parar e as arvores não ficarem carecas? Como pode aqui ser cruel e belo ao mesmo tempo? Como pude eu, perder o medo após conversar com uma moça?” Refletiu. A floresta negra não era um lugar aconchegante, mas ali também não tinha pedras no sapato como Bryan Alincer e Miphelys Ashwine.

Tomou de volta a caminhada, mas o mistério local ainda o ocupava. Depois de um longo tempo, viu que o caminho já estava ficando familiar. Já estava próximo ao campo dos escravos-lenhadores. “E se o capitão me questionar?” já previu, parando e escorando a mão numa arvore próxima. “Tsiiiiiiiii” Foi o som que surgiu ao tocar a madeira “AU!” gritou assustado. O Punho queimou, Puxou-o com aflição, uma baba quente grudava entre os dedos e o tronco. “Aiiiii! Que isso? minha mão ta assando!”. Chacoalhou o braço inteiro, mas a gordura fervente continuava a lhe arder a pele. Encheu o pulmão e assoprou a mão. Aliviava por segundos e logo retornava o inferno. “Vou correr até os escravos, talvez o lenhador da carroça saiba o que fazer” E acelerou. Perturbado pela ardência, tropeçou e se apoiou numa outra arvore “Tsiiii” Repetiu o novo tronco. Puxou a mão esquerda como raio “Auuuu!” gritou. E o liquido pegajoso grudou também na outra mão.

Miphelangel tentou se acalmar, olhou toda vegetação ao redor. Todos os troncos estavam derretendo em gorduras. Era uma sensação Terrível. “Meu Deus!”. Mergulhou os dentes no pano da camisa, rasgou e cobriu as mãos. Um alívio considerável veio a sua carne. E debandou como o vento para rumo os muros. No meio do caminho viu laminas de machado, com o cabo amadeirado, carbonizado. Em fim chegou ao campo aberto próximo ao muro.

Já anoitecera, as carroças estavam empapadas de gordura infernal, que consumia pouco a pouco a madeira. Escravos em dezenas jogados mortos ensanguentados com partes do corpo derretido, e outras, mordida. Meia dúzia de escravos sobrevivia armados á lamina, de costas para a parede a fim de enxergar tudo à frente. O sangue borrava todo o cenário, as arvores próxima cheiravam a churrasco. Fumaça quente subia sutilmente aromada de carne. A visão era demoníaca: Rostos derretidos rapados a dentes, pernas arrancadas chanfradas com vermelho, carecas a amostra, derretida por óleo quente. Miphelangel paralisou.

Capitão Alawyer gritou para aos guardas da torre, que vigiavam por cima dos muros:

-Por favor, abram. Misericórdia. Eles já foram!

-Não podemos. Só abriremos meia hora depois do sumiço dos gosmentos – Respondeu um vigilante – Conhece as leis.

- Mas eles já assaram e comeram o que queriam, não vão mais voltar – Gritou temendo outro ataque. Mas não obteve resposta.

Miph, perdido na cena diabólica, deu passos destino aos escravos encostados à parede. O capitão o olhou, desviou, e voltou a olha-lo assustado.

-Irmão de Miphelys? Pensei que estivesse morto – Se surpreendeu Alawyer – Onde se meteu?

- Eu... er...

-Não me diga que se escondeu do serviço. – disse caminhando á encontro. Miphelangel se encolheu – Sabe o que acontece com quem foge da tarefa? É servido de comida aos gosmentos. Esse é o castigo.

-Eu não me escondi, eu só... - E deu branco.

-Desembucha garoto! – pressionou Alawyer, balançando o rapaz pelos ombros – Esta vendo Todo esse pessoal aí caído morto? – Apontou pros cadáveres – Eles trabalharam duro, o dia todo, a toda a velocidade, querendo ir embora o mais rápido possível, para não servir de comida. – Voltou a gritar quase encostando o rosto em Miph – Estão com as camisas afundadas em suor. E você? E VOCE?O QUE FEZ? AJUDOU EM QUE?!

A culpa se infiltrou no garoto, buscou refugio encarando o solo. O branco ficava cada vez mais forte, soluçou palavras mudas e um vento soprou no seu ouvido, um vento falante “Quero lhe oferecer o que esta direita” Soou o ar em voz grossa e espetada.

-Quero lhe oferecer o que esta a direita – repetiu no impulso, o acuado.

O Escravista se confundiu:

-Que direita? Do que esta falando? – E soltou Miphelangel.

-Ali – apontou Miph para um ramo alto, já perdido na frase sem sentido que dissera, “assim que o capitão for averiguar eu fujo pra algum lugar, e sobrevivo mais alguns dias”.

O capitão o encarou desconfiado, de uma sobrancelha em pé, mas a curiosidade lhe deu uma fisgada. Andou com extrema prudência até o ramo. Enquanto isso, o garoto já raciocinava a todo vapor pra onde iria. Perto do ramo Alawyer abaixou lentamente, desceu a mão, e varreu em movimento de busca. Paralisou o braço um instante, cruzou o olho com Miphelangel e sorriu. Agora a curiosidade já começou a armazenar no enganador, que começava a esquecer da fuga a fim de ver o que estava acontecendo. O capitão levantou erguendo consigo uma madeira prata, de quase um metro. E voltou ao mentiroso.

-Onde achou isso? – Perguntou feliz o capitão – e isso?- Já ia apanhando a flor Azul-Mar do bolso de Miph.

Protegendo o Azul-Mar, Miphelangel sentiu uma erupção calorosa por dentro, que explodiu nos braços empurrando o capitão á duas mãos.

-Não! Não coloque a mão nessa flor! – Impôs o garoto. Os poucos sobreviventes perceberam o ocorrido, o capitão os olhou e gritou:

-O que estão olhando?! Foquem na vigilância, e me alertem caso um gosmento volte aparecer – Se repôs, voltou a fitar Miph, e continuou baixinho – Garoto, faremos o seguinte: não podemos levar nada para dentro do reino sem que sejamos revistados, é lei. Então eu fico em silencio sobre sua florzinha, e você nada diz sobre a madeira prateada. Não sabe como estou explodindo de alegria. Graças a isso não vou dedura-lo sobre o seu sumiço durante a lenhada. Fazendo isso o rei não vai saber, e não precisamos seguir a punição. Dessa forma fica melhor pra mim e pra você, o que acha? – Mostrou os dentes amarelos. Miphelangel baixou a cabeça em concordância.

E ficaram ambos sobreviventes, esperando o tempo para a entrada ao reino, em baixo da sombra da noite, enfeitada de corpos gordurosos. O cenário era um convite terrificante. Miph confrontou as estrelas, elas se renderam e sorriram pra ele desgostosas. Então no meio da tragédia ele se notou realizado. Pela primeira vez protegeu algo dele sem ajuda de ninguém: a flor, “O convite”.

Continua...

Pidókka
Enviado por Pidókka em 14/04/2012
Reeditado em 14/04/2012
Código do texto: T3612280