A sombra azul - parte 2

O fogo correu como uma ratazana faminta em direção ao corpo do ancião, subindo pelo seu manto e adentrando suas entranhas, logo não restara nada a não ser restos de cinzas em todo o castelo. A entidade sombria voltou-se para seu exército de cadáveres e disse:

- Isso não é hora de você ta dormindo! Até quando vai ficar tarde da noite junto com aquele monte de amigo esquisito Adam?

E foi aí que o castelo virou o travesseiro, a sombra tornou-se uma mosca, uma vela acesa na cabeceira da cama deu forma ao ancião incendiado, e toda a magia daquele fantástico mundo foi se tornando algo familiar, aquilo que conhecemos por:

Quarto.

O grito de uma mãe furiosa poderia intimidar o mais antigo dos Dragões, e Adam Scotland deveria saber disso mais do que qualquer um, pois a sua estava inclusa na lista negra de mães que não deveriam ser contrariadas.

Depois disso, correu o máximo que pode para chegar ao banheiro, soltou um risinho de satisfação ao mostrar pra sua irmã mais velha que teria que esperar acabar a vez dele para ela poder utilizar o mictório. Começou a fazer bicos e poses para o espelho, sentia-se como seu velho pai, havia ganhado seu primeiro fio de barba dourada, tornou se um autêntico Scotland.

Como queria seu pai por perto, às vezes via o reflexo dele diante do espelho, mas ao piscar este logo desaparecia. Segundo sua mãe, foi num acidente de trabalho que ele veio a falecer, dizia que ele viera a ter um ataque cardíaco no porto, mas era obvio que ela mentia, e a certeza disso veio quando Adam mexeu nas papeladas que ficavam no guarda roupa da senhora Scotland, e ali estava à resposta, ele havia desaparecido.

Deixando para traz o banheiro e suas lembranças, vestiu sua calça jeans desgastada, calçou seu tênis, e jogou sobre uma camiseta regata branca, sua jaqueta vermelha. Pegou uma rosquinha na cozinha, jogou o skate no quintal e foi direto pra rua, precisava contar ao Matt sobre seu sonho, e talvez o amigo lhe desse os parabéns pelo seu aniversário já que sua irmã e sua mãe aparentemente haviam se esquecido.

Enquanto se queixava pela fraca memória das duas mulheres que ele mais amava na vida, acabou chegando ao edifício em que Matt morava. Ele era um cara legal, já tinha o seu próprio apartamento, por mais que as escadas daquele lugar lembrassem uma masmorra, ainda era o mais próximo que Adam conhecia por independência.

Até pensou em bater na porta, mas a mesma já se encontrava aberta, dava para ouvir um som vindo lá de dentro, parecia estar tocando Black Sabbath, da banda Black Sabbath. Era bem o gosto de Matt, ele adorava se vestir de preto e usar cordões estranhos, mas não costumava deixar a porta do seu apartamento aberto, mesmo porque aquele bairro não era lá muito seguro.

Adam não se intimidou e foi entrando no apartamento, passou por um sofá velho encharcado de alguma bebida entornada na noite passada, tentou achar o interruptor e não o encontrou, estava um pouco difícil de ver as coisas por ali. Foi seguindo a voz de Ozzy Osbourne que Adam conseguiu chegar ao quarto de Matt, finalmente pode distinguir as formas na escuridão, uma cama, um criado mudo, um cavaleiro, negro, envolto em uma armadura de aço enegrecido como em seu sonho, imponente e aterrorizante. Adam não encontrou razão para se apegar, medo e fascínio eram os dois únicos sentimentos que tinha naquele momento, que logo foram quebrados por algumas palavras roucas vindas do arauto da escuridão.

- Feliz aniversário, Adam!

E o cômodo explodiu num espetáculo de chamas azuladas.