O Inferno dos Gnomos - Parte 03
Relação
-Miph que bom que acordou, já estava ficando preocupada – disse uma voz familiar.
Miphelangel coçou os olhos, meio fadigado e escorregou a visão por toda a direção. Estava em uma caverna fria com cheiro de terra e urina com alguns enfermos deitados em palhas. Uma tijela de água estava ao seu lado junto com pães recheados de bicho. E a voz que acabou de se animar com seu despertar pertencia à Morah, que usava um longo vestido azul sujo, com adornos de flores no pé e manga da veste:
- Morah? O que faz aqui? – perguntou ainda sem entender.
- Te trouxe até o curandeiro – respondeu a moça. Os brincos argolados tilintaram – Achei ridículo o que Bryan fez com você. E não precisava roubar nada Miph, eu estava perto e te emprestaria as moedas.
- Não roubei nada, eu paguei. Faltou uma moeda apenas, mas paguei.
Miph reparou em sua camisa algo vermelho:
- Meu Deus, estou sangrando.
- Não esta. Isso é uma poção Nômade – disse a moça sorrindo.
- Esta brincando, o curandeiro Shaví não pode usar técnicas nômades, o rei proibiu – desconfiou Miph.
- Não foi Shaví que usou, foi a nômade pessoalmente.
- Está louca Morah? Deixou um nômade por Feitiçaria em mim?... E outra, sabe perfeitamente que nômades são proibidos de entrar no reino, afinal...
- “Eles vivem em mundo aberto e podem ser tocados” – Completou ela – eu sei Miph. O rei sempre diz essa frase para argumentar mortes de desconhecidos.
- E o rei esta certo! – disse se sentando – O louco do silencio é um bom exemplo, anda atacando por ai ás madrugadas, sempre deixando vísceras adornando o reino e um mistério com espaço a fantasia na imaginação dos expectadores.
- A nômade não parecia ser como o louco do silencio. A poção vermelha te fez voltar a respirar.
- O que? Eu não estava respirando? Quase morri? – se irritou lembrando de que mais uma vez estava no abismo por causa do “honrado” Bryan Alincer.
- Eu não sabia mais o que fazer, pedi socorro, mas ninguém moveu um dedo, só continuavam a lhe praguejar. E Bryan ria dizendo que Deus sabia o que cada um merecia enquanto eu gritava por misericórdia, a única que pôs a se mover para me ajudar foi a nômade. Esta vivo graças a poção.
Miph olhou ao redor. O lugar era deprimente, triste e monótono. Escutava-se tosse o tempo todo, idosos reclamando estirados ao chão com familiares ao lado. Miphelangel conhecia Morah desde criança, ele sempre se sentia conectado com ela. Era sua paixão. Nunca teve coragem de dizer a ela.
- Morah... Desculpe-me por te fazer passar por isso, me sinto envergonhado. Não era pra você estar aqui.
Ela pegou a mão de Miph, apertou e o calor se juntou as mãos dele. Beijou sua testa fazendo os lábios úmidos lhe tocar a pele e sussurrou no ouvido:
-Miph, somos amigos. Quase irmãos. Se ferir a ti me fere também – disse a moça.
Ele queria ir mais alem. Alem de amigos, alem de irmãos. Os sentimentos chacoalharam, aflorou palavras na sua cabeça revestidas de ardor, e algo que esperava á tempos veio: A CORAGEM DE DIZER.
- Morah, tenho uma coisa que quero lhe dizer a tempo – apertou a mão da moça – Sinto que somos mais que conectados.
- O que quer dizer? - falou com um tom de quem insinua que ele esta confundindo as coisas.
- Eu quero dizer que... - Se esforçou, mas deu branco. Se perdeu no que ia dizer, E improvisou desencorajado – nos damos muito bem... – baixou a cabeça.
Lá na boca da caverna vinham duas sombras cortando a entrada da luz. Morah logo reconheceu um: era o velho corcunda, o curandeiro Shaví. O outro foi Miph que reconheceu. O velho parou para cuidar de alguns enfermos no caminho, mas a outra sombra continuava a caminhar em direção a Miph:
- Morah, por favor, vá – pediu Miph - agradeço por tudo, mas vá. Daqui a pouco escurece e o louco do silencio pode aparecer.
A moça fez alguma formalidade e se foi. Miph a acompanhou com os olhos ate ela sair da caverna, “Mais uma oportunidade se foi” se culpou. Mas a sombra ainda vinha em sua direção, já se escutava o “Plin, plin” da armadura que arrastava a capa verde no chão. Já se via o rosto claramente, Miphelangel reconhecia aquela sobrancelha franzida: era irritação, E foi com esse efeito que Miphelys estava.
- Miphelangel – Disse Miphelys á passos largos, parando em pé, olhou para baixo queimando arrogância – Ouvi dizer que roubou, e ainda por cima foi surrado por Alincer para não perder o costume.
- Eu não...
-Não quero desculpas Miphelangel – interrompeu Miphelys, irmão mais velho – você só fere seu sangue. Você é uma vergonha garoto. Perde no ingresso á cavalaria na luta com Bryan, e não satisfeito, continua apanhando dele na rua. Tentando ressuscitar o prestigio, desistiu de fazer testes para a cavalaria e correu com o rabo entre as pernas para o exame á Casa Negra. Paguei um professor de espada para lhe dar aulas e você continua sendo surrado por Alincer nas ruas. DINHEIRO GASTO ATOA GAROTO, ATOA! E o professor de artes anti-toque? Não foi de graça que também lhe deu aula. E espero no mínimo, que seja aprovado no exame da Casa Negra Miphelangel!
- Miphelys, você conhece muito bem o inicio da minha história com Bryan!
- Conheço sim. Ninguém te mandou proteger uma puta que cheira rabo de burgueses, e o que ganhou com isso? NADA Miphelangel, NADA. Só a ira de Bryan. E quem saiu como herói nem foi você garoto, foi o Rouss, que ainda por cima conseguiu ela como tempero de toda a noite na sua cama.
Essas palavras Trouxeram a tona o passado nas visões internas de Miph. Tudo começou quando Bryan não era cavaleiro, tinha 14 anos e Miphelangel 12. Miph estava caminhando à noite na rua e escutou gemidos, foi ver o que era. Encontrou Bryan tentando estuprar uma jovem linda e corpulenta que cheirava pêssego, no meio da escuridão. A boca da garota estava enfaixada, abafando os gemidos. Miph tentou salva-la, Houve luta corporal e a moça levou um golpe, sem que se soubesse de qual dos dois era e desmaiou. Miph ficou na pior sangrando no chão. Mas um garoto bem vestido apareceu, com três adultos armados á espada. Bryan se entregou.
O garoto que apareceu com os adultos se apresentou, seu nome era Rouss Darien. Miph voltou para casa escoltado por cavaleiros burgueses, e a bela vitima foi levada a casa de Rouss. A donzela acordou nos braços do jovem burguês e o viu como um herói protetor. Miph em casa se enfaixava á curativos. Rouss foi homenageado do ato heróico pela família. Miph foi espancado por seu irmão por se envolver em encrencas sem ganho. Rouss conseguiu o amor da moça mais bonita, esbelta e cheirosa da nova geração chamada Nalanda. Miph conseguiu a ira de Bryan para seus próximos anos. Aquela noite foi insuportável para Miph que não conseguiu dormir sentindo o terror das dores do corpo causada por Bryan e seu irmão. E Rouss teve uma noite prazerosa em sua cama ao lado do calor da lareira, perdendo a virgindade com a mulher mais desejada do reino.
Depois disso Bryan foi protegido pelos Alincer, e não teve o membro cortado. Mas não podia atacar Rouss Darien, pois era um Burguês, então acumulou sua ira sobre Miphelangel. Se enfrentaram no teste a cavalaria, Bryan venceu de forma inquestionável, deixando Miph no chão babando sangue, presenteado com um trauma que o fez fugir do ramo dos cavaleiros antes mesmo de se tornar um.
Após se transformar num capa branca, Bryan sempre procurava surrar Miph pelas ruas desertas, e Miphelangel nunca era escutado, pois era um “ninguém”, enquanto Alincer um cavaleiro. Mas bater não era o suficiente, precisava fazer o garoto passar uma humilhação como tivera passado no dia do estupro.
- e Para você, vim dizer que Bryan Alincer é a nova aposta a dar cabo do louco do silencio que aterroriza o reino á meses. Alincer vai se tornar herói, Miphelangel – Avisou Miphelys – Nem eu suporto mais a evolução dele, sou capa verde há dois anos e ele hoje muda a capa para roxo, e se derrotar o idiota do silencio ainda vai avançar para vermelha. A cada dia que passa aquele cavaleiro vai se tornando mais valioso. E ainda voce me vem com o presente de ser massageado pelas mãos dele todos os dias.
-Por que não se candidatou a enfrentar o louco? – Atacou Miph – esta acovardando Sor Miphelys?
-Querido Miphelangel – Disse devagar, com tom traiçoeiro. Pôs um joelho no solo e pegou Miph pela camisa – Tenho 28 anos, e acredito que estou prestes a atingir o meu teto. Já honrei minha família pondo os Ashwines no ramo da cavalaria. E você Miphelangel? O que fez? - Miphelys soltou o irmão, e continuou de timbre mais baixo e choroso – Você é novo ainda, tem uma eternidade em cima de sua cabeça, nem consegue ver o obstáculo final ainda. Quero muito ver você lá em cima Miphelangel, mas voce é medroso demais para tal fardo.
O caçula foi levado pela a emoção de Miphelys. Teve imprensão que seu irmão lutava externamente e internamente para levantar a família a uma classe mais elevada, e para isso ele precisava de mais Ashwines com renome. Segundo o pai, Miphelys tinha um grande amigo trabalhador do campo, que foi morto injustamente por confundirem ele com um dos pirralhos ladrões. Tempos depois a família foi pedir justiça ao rei, mas o rei fez pouco caso, e ignorou devagar a situação até que foi esquecida. A família do campestre não tinha “nome”. E a partir desse dia, Miphelys começou a buscar proteção da sua forma para ganhar voz.
- E minhas mãos, vão ser cortadas? – Quis saber Miphelangel.
-Não. – respondeu – Rouss te protegeu dos senhores cruéis de fala macia, mas jogou a batata quente para mim, e tive que escolher uma punição que fosse considerada pelo conselho, equivalente.
-E o que escolheu?- Ansiou.
-Bem...- Coçou a testa, e parou procurando como dizer – amanhã cedo vai ter que fazer uma tarefa pro reino... algo que amplie a visão dos guardas do muro.
-Ufa – esfregou com a costa da mão a testa – Que bom Miphelys, não vejo problemas em aumentar a muralha.
-Não, Miphelangel. Você vai ter que cortar arvores em volta dos muros pela manhã junto aos escravos!
-O QUE? E OS GOSMENTOS? ELES ESTÃO ATACANDO TODOS OS DIAS? – Desesperou – CADAVERES FICAM ESTIRADOS DE ENFEITE EM FRENTE O REINO, MIPHELYS!
Miphelys o segurou pelos ombros.
- Miphelangel não seja covarde. Tem medo de sair dos muros? O povo ama a fantasia, aumentam demais. Relaxe e me agradeça por ter suas mãos intactas.
O caçula tentou prestar atenção na respiração a fim de se acalmar. O curandeiro veio a pisadas leves e lentas que nem repararam sua chegada, com sua coluna curva, barba e olhos brancos e com cheiro de erva doce.
-Vejo que já esta melhor, Sor Miphelangel Ashwine... – disse o velho.
-Apenas Miphelangel! – Corrigiu Miphelys. O irmão já previa a ação.
-Sim, como preferir – Continuou – Sei que ainda não esta totalmente saudável senhor, mas tem mais doentes lá fora precisando de tratamento, poderia se retirar senhor Ashwi... – Quase errou – Miphelangel, estamos sem colchões reserva.
Todos fizeram as cortesias. Miphelys voltou ao seu posto abanando a capa verde que tanto se orgulhava, e Miphelangel foi para casa com a cabeça latejando em preocupações. Tudo ia mal, sua classe só caía. A cada sol que nascia, uma derrota lhe era destinada, sim, “uma” quando tinha sorte. O próximo sol a arder iria lhe por alem do reino. O lugar em que o desconhecido congela a história. E o que o ingrato destino estava tramando para o jovem vitima de brancos?
Continua...