O Inferno dos Gnomos - Parte 02
TUDO OU NADA
Todo o dia Miph tinha que se esquivar de Bryan nas ruas, se não, apanhava. Alincer sempre o surrava, por que sabia que isso não causaria problema, afinal Miphelangel não tinha influencia alguma, e o único da família que possuía era Miphelys, que acreditava que ”homens de verdade, resolvem seus problemas sozinhos”.
Bryan pôs a mão na cabeça de Miph fingindo ato de compaixão dizendo:
- Senhores, todos sabem que aqui, tanto roubar uma fruta, quanto ouro, sofrem a mesma punição, lhe é cortada as mãos. Mas deixarei isso para Miphelys, irmão do ladrão, que também é cavaleiro do rei. Mas... – levantou a mão, e gritou á um moço da barraca de artes com madeira – Senhor! Por favor, me de uma dessas espadas, já já lhe pago. - o homem a jogou, Bryan a pegou no ar.
Miphelangel sorriu por dentro, ótimo! “Perdão Rouss, não vou esperar até amanhã”. O cavaleiro se virou para Miph, mas falou para o povo:
- Parte da punição, farei aqui. Será surrado, e lhe darei a lição de que não se brinca com madeira por ai. – olhou nos olhos de Miph, e posicionou a espada de pau – venha garoto, o povo precisa ver o que acontece com pessoas como você – franziu uma sobrancelha.
Miphelangel estava nervoso. Hoje ficou até mais tarde com o intuito de treinar a técnica poderosa, que acerta a espadada no gargalo e o adversário fica dias dormindo. Mas era preciso conseguir se esquivar de um golpe para que a técnica seja desferida perfeitamente. Se ele conseguisse derrubar o brutamonte, conseguiria nome, e seria considerado um julgamento de Deus que ele é inocente. Bryan teria que pedir perdão a ele, e a Casa Negra.
- Vamos ladrão – gritou Bryan dando passos rápidos, levantando poeira em direção a Miph, que ainda estava se posicionando. E o golpe veio.
Miphelangel se assustou, mas defendeu o golpe poderoso no susto. A sua espada tremeu. Miph deu uma investida afastando o gigante, o povo abriu mais espaço, ficando os lutadores sobre um circulo. Bryan correu em peso na direção do garoto e lhe mandou um golpe horizontal. Foi defendido de novo, mas a cada golpe a mão do incriminado doía mais, o cavaleiro era muito bruto. Espadas raspavam, o monstro pôs o rosto perto de Miph:
- Perdedor – implicou o cavaleiro, em baixo tom – Depois que te surrei no exame da cavalaria você anda borrando as calças, e fugiu buscando refugio no ingresso á Casa Negra – As espadas se soltaram, ambos rodaram e chocaram de novo fazendo um “ton” da madeira, e Bryan continuou – não adianta. Aonde você for, eu vou estar atrás te infernizando. É para isso que servem os inimigos - Bryan levantou o pé e chutou afastando o adversário.
“só preciso me esquivar, só preciso me esquivar de um golpe” se concentrava Miph. Alincer pulou em direção ao adversário esvoaçando a capa azul, o sol refletiu atrapalhando a visão da vitima, e desceu a madeira zunindo. Miphelangel parou a espada no ar, mas o impacto transpassou, fazendo com que sua própria espada atingisse seu rosto. Pousando no chão, Bryan ainda desferiu um golpe de lado agachado pelo pouso, que acertou em cheio a costela de Miph, “Ugh” Gemeu torto pelo impacto. Miphelangel estava extremamente na defensiva. Bryan não deixava abertura.
O terceiro golpe do grandalhão já vinha, a todo vapor. “esquivar, esquivar” Lembrava-se Miph, “só uma esquiva, e ele já era”. E o golpe veio de cima para baixo, Miphelangel se esforçou, tentou, tentou e ESQUIVOU! A espada de Alincer atingiu o chão em cheio, fazendo uma cicatriz na terra, fiapos subiram e o vento roeu a face do inimigo.
“É AGORA” acreditou Miph. Girou a espada no ar, a toda velocidade, mirando no gargalo do cavaleiro. A espada já começava a zunir. Essa era a brecha que precisava. Viu seu irmão o admirar; Morah, a moça a quem era apaixonado, lhe vendo com outros olhos; seu pai voltando de viagem orgulhoso; Rouss sorrindo; Nalanda calada e Bryan envergonhado. A arma já estava a poucos centímetros do pescoço, a vitória estava na sua frente e... Deu branco. Esqueceu como era, não lembrava a aplicação correta da técnica. Acertou o peito no impulso, fazendo vibrar o som da cota de malha atingida, Bryan deu dois passos para trás assustado. “Droga, perdi a oportunidade!” praguejou Miph pra si mesmo sua falha, e começou a tremer.
Bryan se irritou com o golpe, e foi a toda velocidade “quem você acha que é ladrão?” gritou relampejando a espada de madeira na cabeça de Miph, que acertou em cheio “taf”, quebrando em estilhaços. O garoto cambaleou e foi pro chão ainda acordado, porem tonto. A multidão gritou.
A consciência começara a apagar lentamente, mas conseguiu registrar algumas coisas; o grito abafado do povo excitado após o tombo; os passos fortes de Bryan na sua direção; foi erguido com uma só mão pelo brutamonte; e de cima prestes a adormecer, viu a ultima pessoa que desejaria que visse a cena da humilhação: morena, cabelo liso, pele branca e chorando ao desfecho, Morah assistia tudo decepcionada. Miph mexeu os lábios tentando dizer algo “descul...”, mas tudo se apagou ainda erguido pelo gigante...
A RUIVA
“
Acorde meu filho” escutou Miphelangel como um sussurro confortante e doce no seu ouvido, “acorde”. E Miph acordou. Estava escuro, frio, e a chuva era a sombria trilha sonora. O quarto, emparedado de pedra, só obtinha uma janela onde se via nuvens negras e o golpear das gotas pesadas sobre o vidro.
Levantou-se, reclamou do chão “está gelado” e foi até a janela. Afastou as cortinas e olhou para baixo. Só se enxergava nuvens escuras, tanto para cima quanto para baixo, “Isso deve ser uma torre”. Caminhou até a porta que estava fechada, pela fresta por baixo viu iluminação, e abriu a porta lentamente, produzindo um som fino, mas com o silencio, parecia se espalhar como trombeta.
Então o que lhe esperava era um corredor, com velas acesas á direita e esquerda. No final se via claridade solar, uma floresta e Uma moça de costas com extensos cabelos ruivos molhando os pés no lago. “Floresta, aqui?” questionou Miph. “Não tema filho, pode vir. Não vou lhe fazer mal” Disse uma voz doce. Sem entender porque, ele se sentiu encorajado e foi destino á moça.
A cada passo que dava se sentia mais aceito a natureza, mais leve, mais vivo, mais envolvido. Ficou em pé, ao lado da moça. Ela o olhou e sorriu feliz com a presença dele. Aquilo foi penetrante como o conforto de mãe recebendo o filho.
- Sente-se Miphelangel – disse de forma afetiva – estava te esperando – Miph sentou.
Pássaros brancos voavam a céu aberto, plantas balançavam com aroma doce. Vento soprava refrescando a pele. O som da água calma, tranqüilizava a alma. Os dois ficaram em silencio ali, em paz, por um longo período. Ali o tempo se mostrava não existir. Mas foi a moça quem puxou assunto fixando seus olhos azuis nos de Miph:
-Sabia que viria Miphelangel Ashwine – Disse docemente a moça.
-Não sou Ashwine – protestou – meu irmão não deixa – a moça riu baixinho, sem maldade.
-Mesmo que ele não deixe, você é – argumentou – Isso ele não pode mudar.
E é verdade, a donzela estava certa. Por que deveria ser Miphelys quem autorizasse a inclusão de sobrenome na família? Miph olhou para trás percebeu que onde ele estava dormindo era apenas uma das torres do castelo, o resto estava em ruína e na frente era uma vasta e linda natureza.
-Que lugar é esse? – perguntou Miphelangel – por que o reino está caído?
-Aqui não é o Reino de Prata, Miphelangel – disse ela olhando ao céu – aqui é o seu Reino de Prata – olhou pra ele, com um calor de compaixão – e vim lhe ajudar a levantar essas ruínas e transformá-las em um novo reino – se levantou, deu palmadas na saia vinho limpando a poeira e ergueu a mão para Miph – vem.
-Meu reino esta caindo – lamentou Miph. Apoiou-se na mão da ruiva e se levantou – e como faço?
-Deixe de viver dentro dos muros de um reino que lhe destrói e crie um novo, onde é você quem governa – o cabelos avermelhados da moça esvoaçaram e voltaram a cair nas costas – agora segure minha mão, verá seu reino atual. Quando sentir que precisa da minha ajuda é só apertar e verá o reino que vamos criar. Feche os olhos, só abra quando eu mandar – e Miph o fez.
Tudo escureceu. Lentamente apareceu um grande reino a sua frente, era o Reino de Prata. Três pessoas jogavam pedras fazendo o reino crescer, reconheceu quem era: Rouss, Bryan e Nalanda. Cada vez que o reino crescia, eles cresciam juntos, enquanto isso Miph diminuía. O reino começou a flutuar em direção ao sonhador, suas raízes verdes saiam do inferior do reino arrastando ao chão. Prata ficou a dez metros acima de Miphelangel, e despencou a toda velocidade. Miph foi ao chão todo dolorido, uma dor insuportável, porem era na própria alma, não tinha a carne como armadura. O reino subiu de novo, e desceu, ele sofreu o impacto novamente, quando o Reino ia subindo pela terceira vez. “Chega, vou morrer!” e apertou a mão da moça. Um vento soprou e ela apareceu ao seu lado com vestido vibrando.
Agora a presença da moça lhe passava segurança, ele apertou mais forte sua mão, e começou a crescer. Quando o reino descia para amassá-lo pela terceira vez, ele o parou no ar com os braços. Agora percebeu que estava ficando gigante. Pôs o castelo no chão e viu todos do alto, como se fossem formiguinhas. Avistou a ruiva acenando lá de baixo, ele a pegou e pôs em seu ombro. Sentiu-se o dono da Terra. Ninguém alcançaria seu tamanho. A moça beijou seu rosto “agora abra os olhos” escutou e obedeceu.
Continua....