Incógnito - capítulo 1

Uma chama azul crepitava em seus últimos momentos enquanto alguns homens de idade considerável tentavam sobreviver ao frio debaixo de uma pequena ponte de pedras. Os poucos galhos restantes eram jogados enquanto o fogo parecia brincar de se esconder aos olhos dos homens, que ficavam aliviados quando este voltava a aparecer.

Um odor forte, que vagamente lembrava perfume de rosas misturado a suor, veio de encontro à fogueira quando uma mulher extremamente magra se amontoava sob algumas caixas com um peixeiro local em troca de algumas moedas para poder se alimentar.

Os gemidos eram ouvidos a distancia, e estava quase impossível de dormir para os pobres homens abaixo daquela ponte.

_Vou lá!

Disse o mais novo dentre eles que aparentava ter seus 50 anos e 50 quilos. Pegou seus trapos e foi de encontro aos gemidos.

_Por que vocês não vão para o outro lado da cidade? To querendo dormir já faz um bom tempo, mas essa puta grita demais!

O peixeiro assustado por ver aquele homem maltrapilho saiu correndo, sobrando apenas a mulher com suas partes de baixo a mostra.

_ Olha o que você fez velho, o que vou comer agora? Já não vem muitos comerciantes pra essa parte da cidade, com vocês espantando o que me sobra é que vai ficar difícil conseguir alguma coisa.

Uma risada ecoou da boca desdentada daquele homem magro e barbudo cheirando a fezes.

_Se tivesse continuado seus afazeres sem gritar tanto eu não iria espantar esses putos daqui!

Um olhar de revolta era dado ao velho enquanto a mulher vestia suas calçolas e agitava para o lado seus longos cabelos negros embaraçados, logo depois disso os velhos puderam voltar a descansar.

Alguns meses se passaram, a ponte havia sido demolida para começarem a construção de uma nova, e os homens que ali residiam precisaram se mudar. Enquanto perambulavam pelos guetos e abrigos improvisados ouviram o choro de uma criança dentro de uma pequena barraca de madeira improvisada que estava em chamas.

Sem perder tempo correram até lá para salvar o bebê, até que um dos homens ficou surpreso ao ver que junto à criança, jazia morta a punhaladas a prostituta que havia estado com o peixeiro próxima da ponte que eles viviam. O senhor que a reconheceu foi correndo em direção ao interior da barraca e puxou a criança dos braços da pobre mãe, tentou ver se ainda teria algumas moedas nos bolsos dela mais nada encontrou que não fossem migalhas de pão sovado.

_Pobre mulher, merecia um final melhor do que esse, e agora o que faço com essa criança?

Desnorteado e sem saber o que fazer o pobre velho seguiu em direção ao outro lado da cidade junto com seu grupo afim de encontrar alguém que pudesse ficar com aquele bebê, e foi perambulando de porta em porta, mas onde ia acabava sendo expulso a vassouradas e pontapés. Quando estava quase desistindo de procurar por um lar para a criança, viu que um padre passava por uma calçada próximo a um jardim florido, e do outro lado havia um vendedor vindo de uma outra região do reino, um escravista para ser mais exato.

_O que eu faço agora? Se levar a criança para o padre sei que ela vai ser bem cuidada, mas se eu levar ao escravista vou conseguir moedas pra poder comer por pelo menos uma semana, e minha barriga ta pedindo por isso, e como ta.

Sem pensar em mais nenhuma palavra que pudesse gerar algum sentimento de remorso, ele foi de encontro ao escravista, alto, com um bigode largo, cabelos encaracolados, vestindo um manto amarronzado e cara de poucos amigos, era o que ele queria realmente, precisava ter o que comer.

_De me de comer por uma semana e pode ter essa criança com você, tenho certeza que te servirá bem meu amigo, pode usá-la pra tratar de seus cavalos, puxar o arado em suas fazendas, ou até mesmo satisfazer os desejos do senhor durante a noite quando crescer .

Os escravistas vindos do leste tinham a reputação de se deitarem a noite com qualquer tipo de coisa que respirasse, e isso era bem conhecido até mesmo pelos miseráveis e arruaceiros.

_É menino ou menina? Perguntou o escravista.

Foi então que o velho percebeu que havia esquecido de ver esse pequeno detalhe, e então tratou logo de esclarecer essa duvida.

_É um garoto meu senhor! Um forte e vigoroso garoto, que deve ficar maior do que um touro quando crescer, e vai dar muito trabalho entre as pernas de donzelas e de quem mais se aventurar com ele.

O olhar de satisfação do escravista já deixava o velho certo de que iria conseguir vender a criança, e este já podia ver o brilho das moedas em suas mãos.

_O que eu posso te oferecer são três moedas de ouro, não mais do que isso.

Certamente o velho teria tentado negociar um preço melhor com o homem do leste, mas sua fome era tanta que não pensou duas vezes antes de pegar as moedas e as morder para verificar sua autenticidade.

_Já tenho destino certo para o garoto, vai ser criado por escravas, e quando atingir a idade vai trabalhar nas minas de carvão do lado de fora do Reino.

Sem se importar, o velho apenas saiu satisfeito mordendo suas moedas e indo em direção ao beco onde estavam seus companheiros.