Sonho

O sol era tão forte que parecia que meus pés iriam rachar como o solo pisado por mim todos os dias. Tinha calos incontáveis entre os meus finos dedos, aliás tão sujos também que nem um belo banho iria adiantar...

Poxa...lembro como se fosse agora da enxada dura e pesada sobre minhas costas estreitas e arcadas; ela pesava como o sono sobre os meus olhos, fruto de uma noite má dormida, filho de poucas horas de descanso e muitas de trabalho duro, porém honesto.

Eu tinha apenas sete anos e muitos irmãos menores e maiores também. Tinha um pai ranzinza, uma mãe calma, uma avó serena e enrugada. E como era enrugada meu Deus! Um dos meus passatempos prediletos era caminhar por suas rugas e achar o começo e o fim. Mas eu sempre caía no sono ao tentar fazer isso.

Fome? E como senti. Era todo dia aquela farinha com água, um café ralo de manhã...De almoço? Torresmo duro, quase sem carne...Jantar? Um farinha mais concentrada e torresmo que sobrou do almoço. Choro ao lembrar que esse cardápio era apenas dos dias de sorte.

Tinha muita dó do meu irmão caçula, que contava três anos na época. Ele pedia leite, mas minha mãe apertava até sangrar suas mamas e não saía nada. Que povo desgraçado, cujo alimento não presta nem do seu próprio corpo!

Ah...mas nessa tristeza toda, teve o melhor dia da minha vida! O dia que eu vi televisão pela primeira vez! Era outro mundo...mulheres lindas, com roupas espetaculares...homens fortes, crianças saudáveis e aquelas comidas...Adoro lembrar aquela cena do banquete da casa do Major não sei das quantas...

Foi na casa do Pedrinho que eu vi essa maravilha. E foi daí que eu arranjei meu ideal de vida! Conquistar um sonho, ser digno de um sonho! Lembro dessas palavras num reclame do intervalo da novela.

Minha mãe se encheu de tanto ouvir isso. Eu perguntava como conseguir isso...e ela se cansava de dizer:

- Desista meu filho, nós não temos direito de sonhar.

Mas eu não desistia, queria meu sonho. Era tão belo pela televisão. Tinha que existir de verdade!

E fui à procura. Perguntava pra toda alma na rua. E riam da minha pessoa. E até alguns choravam. Ouvi de tudo, desde que sonho é proibido até que sonho se conquista com esforço e esperança. Mas eu não sabia o significado dessas palavras.

Para mim, sonho era gostoso e pronto! Foi um dia de tardezinha, passando pela porta da padaria do Nhô João que eu vi o meu sonho. Era tão parecido com o da televisão. Não me contive, chorei por vários minutos. Seu João veio ver o que era e quando mencionei o motivo, ele me deu o sonho com um enorme sorriso. Eu o abraçei repetidas vezes e não sabia o que falar!

Tinha conquistado o meu sonho! Tinha acreditado na sua existência, enquanto todos riam ou choravam ao me escutarem contando sobre ele! E que delícia era aquele sonho.

Foi o melhor presente que já ganhei...

Quimera
Enviado por Quimera em 19/03/2012
Código do texto: T3563768
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