O Presente.

Recostado à janela,olhava gostoso a estrada sem fim...ia longe...a perder de vista. Todo dia era assim,todo dia ele sentava à janela e via um mundo desenhar-se a todo instante,como num encanto.Ele sabia,mas não conhecia a mágica. Vozes...sua mãe chamava. O levantar espreguicante,o arrumar os cadernos e livros;um café-com-leite;um lavar de rosto e pentear os cabelos e lá vamos rumo ao dia-a-dia.A janela fica lá,bem colocada na posicão ideal de ver o mundo melhor. As aulas correm soltas;fala-se daqui;comenta-se lá;escrever o dito e o escrito. A expressão dos colegas na alegria geral;o intervalo relaxante e expressivo e tudo o mais de um dia de aulas. Mas as janelas da escola não são iguais. Parece que uma contem uma história.A menina que não toma lanches no intervalo observa,fria, o movimento aqui fora. Seus olhos resvalam no cimentado e correm em busca de uma saída próxima.Quantos rostos se vêem todos os dias ! Todoseles parecem trazer uma sensacão de saudade ou de lembrancas de um momento perdido nas pupilas vibrantes.Um sinal e lá estão todos dentro das janelas das salas de aula e lá dentro se desenrola mais um capítulo da vida e da história de cada um. Há momentos em que a ansiedade toma conta e o empurra a voltar à janela. Há regras a cumprir. Fim de aulas. A volta. O almoco,as conversas triviais de qualquer família;as discussões normais e pontos-de-vista colocados no correr das horas e do pensamento. Tudo é igual. Só muda o rabo do cachorro no seu contorcionismo de circo,deitado junto à porta.A janela está lá. Guardada! Foi um presente fantástico.Numa dessas andancas de menino a desbravar palmo-a-palmo a cidade/campo onde nascera,crescera,buscava entender por que o sol caia sempre no mesmo lugar.O sol corria mais..estava sempre à frente,mesmo apertando o passo e respirando fundo. E num desses sentar,descompromissado ,numa pedra ou barranco qualquer,viu o ângulo reto de alguma obra perdida no chão,junto ao capim esquálido,sem gordura.Um mexe-remexe e puxa,sacode e pronto! Lá estava ela ,inteira e viva. E foi-se embora esquecendo o sol e feliz com presente ganho. Há sempre um presente a nossa espera por onde quer que se vá. Uma pequena limpeza;a indecisão de pintá-la,porém com a certeza de onde colocá-la. Uns pregos,martelo e firme decisão. Todos indagaram com a curiosidade intrigante do pão-pão/queijo/queijo. Por que o cachorro quer morder o rabo,ninguem perguntou. O sol caiu mutas vezes no mesmo lugar. O menino foi muitas vezes tentar alcancá-lo e sempre que volta encontra a janela firme,estática,nos seus contornos e viva no seu interior,por onde o menino observa,todos os dias,o transformar-se constante do universo em cada um,em cada ser. Talvez,um dia,ele entre janela a dentro,para viver ,tambem,a eterna mutacão dos tempos. O rabo do cachorro que o diga!

Ao filho querido António Luis - 05/05/90

Chico Chicão
Enviado por Chico Chicão em 19/03/2012
Reeditado em 24/12/2012
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