Inimigos do Rei
Tendo alcançado mais uma de suas indignas vitórias sob a força da espada, o Rei decidiu celebrar seu grandioso feito com um requintado baile de máscaras, onde somente a nobreza do reino poderia participar.
Assim, os nobres e burgueses ao saberem do grande acontecimento, preocuparam-se em encomendar suas elegantes máscaras para que pudessem comparecer a tão esperada solenidade.
Exigindo os adornos mais extravagantes possíveis, estavam certos de que com isso exibiriam não somente sua riqueza particular, mas principalmente a posição na corte.
No palácio, todos foram comunicados de que deveriam se apresentar igualmente mascarados na noite da festa, inclusive o Príncipe herdeiro e toda a régio parentela.
Já os servos usariam uma simples máscara negra, estando todos rigorosamente a caráter para melhor identificação.
Chegada a grande noite, mal os convidados se reconheciam na imensa sala de recepção.
Cada um procurava elevar a própria imagem selecionando sua parceria de conversa.
E logo o palácio se transformou numa roda de intrigas. Um verdadeiro covil de serpertes, sendo cada uma mais venenosa e letal que a oponente.
Mas apesar do esforço individual dos convidados, suas máscaras não se podiam comparar a do grandioso monarca, que adentrou no salão coroado, ocultando a face com ouro, jóias, pedras preciosas e o melhor que a sua riqueza podia lhe ornamentar.
Porém, a nobreza ficou mesmo abismada com a chegada do Príncipe herdeiro, já conhecido por sua jovial rebeldia.
Em seu rosto trazia uma simples mascarilha de madeira, apoiando um saco de moedas de ouro em umas das mãos.
Pedindo a permissão do Rei, já furioso com aquela súbita aparição, o jovem Príncipe propôs um torneio:
- Retirem todos as suas máscaras e façamos um concurso de beleza. O mais belo casal de dama e cavalheiro que se apresentar perante todos, ganhará como prêmio essas moedas de ouro. E ainda terá a honra de receber das mãos de meu pai, o Rei, a sua própria máscara de adorno, que além de recompensa, lhe servirá como dote valioso.
O Rei indignado não teve tempo de contestar, pois antes mesmo que se erguesse do trono para se opor a tal feito, a maioria dos convidados já havia retirado suas máscaras, revelando-se entre si a verdadeira face, e tomando lugar na acirrada competição.
Que surpresa! Cada casal concorrente que se apresentava tinha um semblante ainda mais bizarro que o outro, sendo praticamente impossível escolher algum deles pela beleza.
Então o Príncipe herdeiro dispôs uma nova meta:
- Vejamos os servos! - Alarmaram-se todos enquanto ele prosseguia:
- Afinal, essa será a alegria da nossa festa!
Com a permissão do Rei, todos os servos do palácio retiraram sua máscara negra, surpreendendo os fidalgos em sua gabarolice. Pois em sua simplicidade, eram os criados tão formosos que não podiam ser comparados.
- Mas isso é ultrajante! - Protestaram em uníssono os convidados, cobrindo novamente suas faces horrendas com suas belas máscaras de encomenda, completamente envergonhados.
Então o Rei irado, ordenou que todos os servos fossem expulsos do palácio, o concurso de beleza anulado e o Príncipe herdeiro trancafiado no quarto.
No dia seguinte, um decreto foi assinado:
"Eu, o Rei, declaro que de agora em diante, todos os servos do palácio devem usar uma mascarilha de madeira, afim de não incomodar mais a nobreza com vossa natural formosura.
Aquele, porém, que ousar desobedecer a esse mandado, será condenado à forca ou à guilhotina, tendo como único direito a escolha de como desejará ser executado.
Assinado, El-Rei!"
Assim sendo, o decreto foi rigorosamente mantido e obedecido.
Tempos depois, um novo baile de máscaras foi promovido a todos os nobres do reino. E mais uma vez lá estava a corte presente, ostentando toda a sua riqueza perante a suntuosidade do palácio.
O Príncipe punido, agora sem sua mascarilha de madeira, observava de rosto limpo o desfile da nobreza ao lado do Rei, que orgulhoso comandava a festa com uma nova máscara de encomenda, ainda mais radiante e luxuosa que a primeira.
Dos nobres recebia veementes cumprimentos. O Príncipe, porém, uma sutil saudação.
Pois num baile de máscaras quem se apresenta na exatidão, mesmo que esteja elegantemente trajado, baila a solidão.