Voando em Cores

Quando eu era pequena, lembro de pensar que toda a minha vida era baseada em tons de branco e preto. Era como se Deus tivesse perdido seus lápis de cor e tivesse desenhado minha existência apenas com seu lápis de desenho.

É claro que as coisas não foram sempre assim...

No início era como se nada existisse e eu simplesmente assistia a vida passar, como se eu fosse uma pedra, ou uma árvore murcha que não tem vida e nunca muda de lugar. Ninguém me disse que eu estava viva e que a vida era maior do que eu podia imaginar

Mas em determinado momento... eu conheci alguém que me deu um presente que mudou tudo.

Ele não tinha como saber o poder que tal presente tinha pois ele já havia provado muitas vezes essa sensação e nunca sentiu mudança alguma em si mesmo, mas eu nunca tinha visto nada tão lindo e fiquei encantada com o conjunto que o presente criava. Era rosa como flores na primavera, leve como uma brisa, a consistência lembrava nuvens e o gosto era tão doce, mas tão doce que eu poderia comer aquilo por horas! Até o nome era singular... Algodão – doce... eu não conseguia imaginar outra coisa feita por mãos humanas que pudesse ser tão mágico. Uma pena que eu só vi isso uma vez...

E desde então a cor rosa passou a dominar na minha vida e tomou conta de todos os tons de cinza que existiam.. foi como se nunca tivesse existido outra cor a não ser aquele rosa.

Em princípio eu achei que com todo mundo acontecida desse jeito.. como se a gente só pudesse pintar nossa vida com uma cor de cada vez...e eu juro que estava gostando muito do meu rosa quando um moço no auge do seu azul me atingiu.

Eu estava distraída colhendo pitangas quando ele passou rápido e distraído montando sua égua. O cara tinha um ar preocupado e corria como se fugisse da própria sombra.

Quando me atingiu, a égua parou por reflexo, e ele desceu muito rápido, com uma expressão esquisita em seu rosto.

Ele parecia muito preocupado e maravilhado com a cena, era como se eu fosse fruto de sua imaginação. Foi logo me ajudando a levantar e insistiu em pagar por cuidados médicos. Estava com medo que eu tivesse quebrado algum osso.

Eu nunca tinha recebido cuidados médicos pagos e era interessante perceber que aqui os médicos eram mais ágeis no tratamento, falavam de forma difícil e só olhavam para o possível ferimento. Eu não tinha nenhum ferimento grave e por isso logo fui liberada.

Mesmo assim o moço mostrou-se muito prestativo e bondoso assim que viu que estava tudo bem e seguiu viagem. O que restou pra mim foram seus belos tons de azul...

E então a vida seguiu... em alguns momentos a vida era azul e em alguns momentos seguia sua cor rosa.. Normalmente as duas cores não se encontravam juntas na minha vida... mas cada dia, cada lugar e cada pessoa despertava um novo tom de rosa ou azul. Quando me cansei do azul passei a invocar mais o rosa como que tentando esquecer aquele moço que cuidou de mim para logo depois ir embora em sua égua....

Um dia olhando pro céu, fiquei maravilhada em ver uma coisa que andava de um lado pro outro. Não era nenhum tipo de animal que eu conhecia, andava mais rápido, era maior, e tinha uma forma de voar muito diferente de qualquer pássaro. Sem sequer tirar os olhos daquela coisa maravilhosa, cutuquei uma moça que alimentava um bebê no banco da praça e perguntei.

- O que é aquilo?

Ao que a moça respondeu...

- Ah.. aquilo.. ainda não tem um nome e não se sabe se é seguro.. o governo está fazendo testes com quem quiser ir... parece que é perigoso e eles nunca colocam suas vidas em risco... mas a ideia, se for seguro, é que ...

Ela nem terminou de falar tudo e eu já tinha escapulido dali... era lógico que eu queria experimentar.. talvez pudesse utilizar algo assim para salvar minha mãe, mas era necessário testar, sem falar que eu adoro experiências novas.

Quando me apresentei, algumas pessoas tentaram me fazer mudar de idéia já que eu era apensar uma adolescente, mas pra minha sorte, o governo não estava muito interessado com a vida das pessoas, mas sim com dados de pesquisa. Então, depois de informar minha idade, peso e altura, recebi autorização para entrar naquilo junto com outro garoto mais ou menos da minha idade.. ao que parece ele era quem sabia o que fazer com aquele monte de botões que estavam na minha frente.

E a coisa começou a subir de leve, voando baixo. Eu já estava apavorada logo no início do passeio, mas o garoto começou a falar comigo e conseguiu me acalmar e me convenceu a deixá-lo ganhar altitude quando disse que queria me mostrar algo muito especial lá no alto.

A cada segundo que passava fui ficando mais apavorada e ao mesmo tempo completamente maravilhada. Inicialmente só vi nuvens, que com sua leveza me lembraram meu algodão doce rosa, que se misturava ao fundo com o azul do céu... Exatamente como havia me acontecido. O céu também tinha nuances de cinza mostrando a chuva que era esperada para o dia. Mas o que me impressionou mesmo foi o que eu vi ao fundo... Era um semicírculo com várias cores. Tive que perguntar pro garoto o nome de cada uma daquelas cores para poder depois me lembrar de todas elas.

Em questão de segundos tudo mudou. O rosto do garoto se contraiu e ele passou a agir de forma agitada com uma expressão assustada no rosto enquanto a coisa começava a descer muito rápido. A última coisa que eu vi foi o rosto amedrontado dele... E lá fora uma imensidão azul.

Sim.. a engenhoca caiu no mar com nós dois dentro e com o susto eu perdi os sentidos.

Acordei nos braços do garoto, que em principio me olhava com ar de preocupação, mas quando viu meus olhos abertos, suspirou e deu um lindo sorriso dizendo:

- Na próxima vez tentaremos uma aterrissagem mais leve.

LadyKell
Enviado por LadyKell em 07/03/2012
Código do texto: T3541289
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