FLOR DA TERRA
Ali naquele terreno baldio em frente ao imponente casarão onde Aldrino trabalhava como jardineiro nascera do nada uma flor selvagem. Essa flor era de uma espécie desconhecida e mesmo Aldrino estudando biologia ele a desconhecia. Talvez, por isso ele gostasse tanto de terra, de plantas, de verde, de natureza, devido ao pai que durante toda a sua vida fora jardineiro. E agora ele estava ali mexendo no jardim que o pai cuidara durante anos. Na verdade ele substituia seu pai, que era empregado do proprietário da propriedade há mais de 20 anos . O pai estava internado por causa de uma enfisema pulmonar que tinha adquirido devido a anos de cigarro. Chega até ser uma contradição tal fato. Por viver bisbilhotando as plantas, árvores e os vegetais em geral Aldrino notara a flor e resolveu cuidar dela visando que pudesse ser uma descoberta extraordinária e com isso ficar famoso. Após o termino do seu horário da jardinagem no casarão ele atravessava a rua e dedicava algumas horas a flor de uma beleza singular e também de uma estranheza impar. Quando ia vê-la Aldrino percebia que ela estava toda úmida era como se tivessem regado-a demais. Certa vez ele colocou a mão na boca e sentiu gosto de lágrima. Era impossível ele pensou, plantas não tem sentimentos, não choram, não são seres racionais. Fora isso ela expelia uma fragrância irrestivelmente deliciosa e inebriante. Praticamente quando aspirava bem próximo a ela, ficava sem ar. Para protegê-la ela cercou-a com umas varetas de meio palmo e o fato dela está num terreno baldio o preocupava. Então ele decide que amanhã iria transferi-la para um vaso ou mesmo pedir permissão a dona Gertrudes para colocá-la num canto do jardim. Sim, ele faria isso amanhã.
No dia seguinte ao acordar Aldrino dirige-se ao jardim quando nota uma moça se aproximando. Ele se aproxima do portão e o seu olhar cruza com o dela. Ele sente como se a conhecesse, ela abaixa o olhar e pergunta se existe algum trabalho na mansão. Aldrino responde que acredita que não, mas abre o portão e pede que ela fale com dona Gertrudes, a responsável pela manutenção da casa.
- Como é seu nome moça, eu nunca a vi por aqui, retruca Aldrino intrigado.
- Com certeza não, eu sou nova nas redondezas, moro a algumas quadras daqui. Qual o seu nome?
- Aldrino Constantino Madrigal e o seu?
- Flor... Flor da Terra.
Aldrino conduz a moça pela entrada de serviço do casarão e a apresenta a dona Gertrudes, que realmente diz está precisando de alguém extra, já que a mãe de Aldrino, que também trabalhava na mansão fazia companhia ao marido no hospital.
E assim Flor começa a trabalhar na mansão como faxineira, arrumadeira e copeira. Se revezava nas tres funções. Além dela trabalhavam ainda Martina, a cozinheira e Alceu, filho desta, que fazia vezes de motorista e faz-tudo, desde troca de lâmpadas a pequenos reparos que porventura surgissem.
Alceu logo se interessa por Flor, que parecia alheia aos seus olhares e só tinha olhos para Aldrino. Este por sua vez estava muito triste, já que a flor selvagem que cuidava como grande descoberta sumira. E sumira justamente no dia da chegada de Flor.
Logo Aldrino percebeu que Flor o olhava em demasia e comentou isso com Alceu, que logo disparou que ela estava interessado nele e nem ligava para as investida do mesmo que estava muito impressionado.
- Nem se preocupe amigo, sem chance, você sabe de quem eu gosto.
- Eu sei sim e acredito que terá problemas quando isso vier a tona. Falando nisso a Gertrudes me contou que a família toda vem pra cá no fim de semana. É o começo das férias e a dona Getrudes me falou que dona Mayla já chegou dos EUA.
- Você está falando sério... não vejo a hora de vê-la, de abracá-la, de sentir o cheiro da sua pele. Estou com tanto saudade Alceu...
- Cara você só pode está ficando doido. Você está falando da Mayla, a filha caçula dos patrões, que está com 19 anos e estuda Ciências Políticas nos States. Ela não é mais aquela garotinha que brincava com a gente aqui, brincava escondido lembra? Os pais dela não queriam contato comigo, você e nem com a Vanessa, que era menina também. Lembra disso?
- Lembro, mas ela prometeu que vai jogar tudo pro alto e que assim que ela terminar o curso vamos fugir. É o tempo que eu me formo também, pena que não passei no vestibular da primeira vez assim como ela. É uma droga ser pobre cara, temos que ficar esperando passar nessas universidades públicas.
- Olha acho que você vai arrumar encrenca e não esquece que seu pai está muito mal, no hospital, e que os patrões, os pais da sua amada é que estão pagando tudo.
Alceu se retira e Aldrino perde-se entre tantos pensamentos. Ele amava Mayla mais que tudo e não iria abrir mão dela por nada. Nisso um odor estranho chega a sua narina ele aspira e quase não acredita quando descobre que o perfume vem junto com Flor que se aproxima sorridente.
- É você que está com esse perfume?
- Sim, porque? É fedorento ou é forte demais?
- Você não vai acreditar, mas esse era o perfume que uma flor selvagem que nasceu naquele terreno baldio exalava. Eu estudo biologia e ela era desconhecida, então fiquei cuidando dela na esperança que fosse uma espécie rara e que fosse me render alguma glória como seu descobridor. Mas ela sumiu e sumiu justamente no dia que você chegou aqui e agora você vem com esse odor.
- Esse é um perfumezinho barato que compro na farmácia perto de casa Aldrino, nada de mais, eu já vi muita gente com esse cheiro.
- Qual o nome e qual o fabricante?
- Nem sei, todo mês uso um diferente, compro o mais barato. Mas creio que se chama “Essência de amor”.
Flor some no corredor e deixa Aldrino entorpecido pela fragrância. De repente pela primeira vez ela percebera que Flor tinha algo estranho. Algo que extrapolava a beleza, já que ela não era, era algo diferente, quase indescritível, era como um magnetismo adocicado.
E nos dias que se segue Aldrino é perturbado pela cheiro que não saía da sua narina. E no meio das noites ela ficava no jardim olhando pro terreno baldio onde sua flor selvagem havia nascido. Nesse interim ele por alguns minutos esquece da paixão-devoção que sentia por Mayla. Ela achava estranho ela ainda não ter ligado para ele. Será que Alceu não estava mentindo. Ele sempre tivera inveja dele. Aldrino sabia que era ele que queria ter namorado com Mayla durante a infância e a adolescência. Mayla era o sonho de todo homem. Ela era simplesmente linda, meiga e carinhosa, parecia um anjo. Pele branquinha, cabelos pretos, lisos e longos, olhos grandes e escuros, pareciam duas jabuticabas maduras. De repente Aldrino sente uma umidade no ombro, ele se vira e percebe que é Flor. Nesse instante seu olhar cruza com o dela e algo de mágico acontece. Ele começa a sentir a fragrância irresistível e percebe de uma hora pra outra que Flor está nua e seu corpo estava cheio de gotículas, como se ela fosse uma planta na aurora no dia repleta de orvalhos. No minuto seguinte eles estão se beijando e num piscar de olhos estão no quarto de Aldrino fazendo amor de uma maneira brusca e amena, feito chuva e sol, como açucar e sal, como se aquilo tudo ali fosse um sonho. Em pensamento Flor relata que é a flor selvagem do terreno baldio e que se apaixonara por ele devido a forma como ele cuidava das plantas no jardim do casarão. E que por uma mágica divina ela conseguiu virar humana para ficar junto dele, amar e ser feliz. Em retribuição ela ia dar-lhe um presente valioso que ele conheceria na manhã seguinte e que também que no final dessa manhã ela iria embora e que se ele quisesse poderia ir com ela. Ela prometia que ele seria muito feliz para toda a eternindade e da forma mais plena já concebida, já que ele tinha o espírito de vegetal  e que era humano por puro descaso do destino.
Num supetão Aldrino acorda entre os lençóis completamente úmidos e com o cheiro da flor selvagem pelo corpo. Ele acorda pela batida da porta era Gertrudes avisando que era para ele ligar para o hospital com urgência para falar com sua mãe.
Aldrino corre para o telefone e liga para sua mãe que lhe comunica que acontecera um milagre, o pai estava curado do enfisema pulmonar. Aldrino cai em si e lembra do sonho, alucinação ou seja lá o que teria sido aquilo. Contudo ele sente que algo de especial estava acontecendo com ele. Só poderia ser, ao menos que estivesse perdendo a sanidade. Nisso ele sente uma presença atrás de si, ao virar-se dá de cara com Flor. Nisso alguém o chama na escada, ele olha e ver Mayla sorrindo para ele. Aldrino para por alguns minutos e se detém nos olhos de Flor, então ele ver a flor selvagem refletida neles.
- Suba aqui antes que alguém nos veja, Mayla pede.
Ele atende o pedido dela, embora sinta uma vontade incontrolável de ficar al lado de Flor. Essa por sua vez esconde-se atrás da escadaria e escuta os passos de Aldrino subindo. Ela deixa passar alguns poucos minutos e sobe atrás. E cautelosamente ela percorre um corredor imenso e no final percebe uma porta entreaberta. Ela aproxima-se com mais cuidado ainda e aí ela encosta a mão e empurra um pouquinho. Flor depara com uma cena que não queria ver: na janela do quarto Aldrino e a jovem abraçavam-se carinhosamente e em seguida beijam-se. Flor sai correndo completamente aturdida chegando a escorregar e cair. O barulho chega aos ouvidos de Mayla e Aldrino.
- Você ouviu isso? Quem seria?
- Meus pais não virão agora, mamãe recebeu uma ligação da sua mãe informando que seu pai milagrosamente ficara curado. Então ela resolveu passar lá com papai para trazê-los. Você sabe como é mamãe adora a comida da sua mãe e meu pai diz que embora o jardim esteja bonito não está como ele gosta.
- Hum, eu sei como é, seus pais não querem perder seus serviçais dedicados e competentes. É assim que eles nos veem Mayla, e nunca será diferente. Eu pensei muito sobre tudo, sobre nós e acho que não daremos certos. As diferenças sociais são grandes. Além disso, eu estou gostando de outra garota, nós vamos embora daqui. Desculpa, depois você vai ver que tenho razão.
Aldrino vira-se e sai caminhando em direção a porta do quarto. Mayla por sua vez vira-se para a janela e começa a chorar.
Aldrino desce a escadaria correndo e vai para a cozinha. Encontra Martina e pergunta por Flor. A cozinheira diz que a pouco passara por ali, ela a chamara e esta parece não tê-la ouvido pois prosseguiu seu caminho. Acredito que tenha ido para o jardim. Em meia hora Aldrino procura Flor em todo o casarão e não a encontra. Ele tem um estalo e dirige-se para o jardim. Algo o impelia a ir para o portão de entrada, já bem perto, Aldrino olha para o terreno baldio. Ele puxa o portão e sai correndo e ao chegar proximo a pequena cercadura que fizera para protegar a flor selvagem ele tem uma surpresa ao perceber que ela reaparecera. Ela estava lá novamente só que morta, caida sob o solo, murcha e despetalada, assim como seu coração encontrava-se naquele momento.

ZARONDY, Zaymond. VIZZÕES. São Paulo: Grupo Beco dos Poetas & Escritorees Ltda., 2017.
 ISBN 978-85-5610-013-9
Zaymond Zarondy
Enviado por Zaymond Zarondy em 02/03/2012
Reeditado em 22/02/2019
Código do texto: T3530712
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