SOB A PAJEM DO SOL
A beira-mar, fitando o horizonte, cantarolando qualquer pedido de benção às águas, mãos nos bolsos de um jeans surrado, alvo, de muitas lavagens, camisa aberta ao peito, peito apinhado de vazio.
Tentando distrair-se com o movimento das ondas, a rebentação serve de arranjo à cantiga mal assobiada, perde-se mergulhado no nada dentro do peito, este rivaliza em tamanho com o mar que também o olha.
O que canta não é a mesma melodia entoada pelo mar. Ele canta o mar, seus segredos e movimentos. O mar o ensina seus segredos em seu movimento. Ele destituido de amor que fora dado a quem o disperdiçou, nada sente, logo não entende a cantoria bailante das águas.
Sente o vento forte movê-lo, direciona o olhar lacrimejado ao mar, vê sua imensidão e assusta-se com sua forma, recua um passo, mas aos pouco ela o toma e ele cede. Tenta abraçar a criança alegre que baila e canta e o chama. Deita, então, na aura teatral, contempla e solve o que o deixara vazio, cheio de desilusão. Contente, baila ao som das mares. Crê entender, seu chamado, sua melodiosa canção,
No ápice do ato, rodopio final, entrega total de dois seres que se olham, se vêem em angustia; movimento derradeiro de entrega e submissão, sob a iluminação tênue da vida que se esvai; na espectativa, emocionada, da platéia que prepara o aplauso, o soberano mar diz não.
O mar continua sua dança que jamais cessa, prossegui, canta. Ele já não dança. O mar molha seus pés, o vazio molha seu rosto e o Sol, todo o corpo. A platéia toda silencia: o mar acalma, o vento branda, as gralhas pousam...
Novamente, em pé, fitando, não mais o mar, o horizonte, ele se ressente; solve as últimas forças, infla o peito, toca o poderoso mar e pede sua benção. O tempestoso canta sua canção e vai molhando a ponta de seus pés, afastando-o de seus segredos e entregando-o ao seu pajem, o Sol. E sob ele, Ele sorri e caminha.