O Senhor das Águas - Parte 2
O Senhor das Águas - parte 2
Em poucas semanas o tempo começou a mudar. A época das chuvas, finalmente, tinha chegado. O período de espera servira para preparativos e treinamento. Assim que as nuvens ameaçadoras tomaram o céu, os barcos foram colocados na água. Partiram no inicio da noite. Foi uma travessia dura. O mar revolto fustigava os remadores na tentativa de afundar as embarcações. Verstigan, ao lado de seu pai, pensava no Senhor das Águas, pensava em Janstif e em seu retorno. Depois de algumas horas de uma luta feroz contra as forças dos elementos, as luzes do porto principal das ilhas Staub passaram a orientar a trajetória. Tinham perdido dois barcos, vários companheiros e um pouco da esperança. Mas aqueles pequenos pontos luminosos no horizonte escuro trouxeram novo ânimo aos guerreiros. À medida que se aproximavam do porto, com a ajuda dos relâmpagos, conseguiam ver mais claramente a imponência das três naus recém construídas, que estavam, então, a sua mercê. A abordagem foi dificultada pela fúria das águas, mas este não foi o problema maior.
No castelo Zastur, Ghertifar observava a tempestade, protegido por suas muralhas, pensando na batalha que era travada do outro lado do mar. As malas de Janstif estavam prontas, e a comitiva que a levaria para o reino vizinho dos Muralords, organizada. A menina ainda não sabia de sua viagem, mas o rei não via isto como algo importante. O que lhe interessava, naquele momento, era uma vitória dos pescadores e que sua filha estivesse bem longe quando retornassem os guerreiros. O acordo com a casa real dos Muralords fora alinhavado há alguns anos e poderia trazer bons frutos ao seu reinado agora que ela se transformara em uma bela moça.
Com tremendo esforço e muitas baixas, os guerreiros conseguiram chegar aos conveses das embarcações. Precisavam ter acesso aos porões inferiores para instalarem os artefatos que perfurariam os cascos. Porém, os navios não estavam desguarnecidos. Sentinelas atacaram os invasores e deram o alarme. Surpreendidos, os Tendor lutaram como puderam, enquanto alguns se esgueiravam até o interior dos navios. Pequenos petardos recheados de pó preto foram colocados nas paredes dos porões inferiores, abaixo da linha d’água. Detonados os artefatos, enormes rombos se abriram nas grossas paredes de carvalho escuro. Não demorariam em soçobrar os poderosos navios da armada dos Mernenos.
Quando Verstigan e seu pai voltaram ao convés superior, encontraram uma cena aterradora. Os guerreiros Mernenos estavam em número muito maior do que os pescadores. Contifar deu a ordem de retirada. Todos se jogaram ao mar, imediatamente. Centenas de flechas, atiradas a esmo, tentavam abater os invasores. O manto negro da noite, porém, oferecia alguma proteção. Exaustos e feridos, os pescadores guerreiros foram alcançando seus barcos que estavam ao largo, em espera. Muitos não conseguiram voltar. Contifar teve que ser ajudado para subir a bordo de um dos barcos e, sem mais esperanças de que outros conseguissem chegar às embarcações, deu a ordem para o retorno.
Assim que os barcos se reaproximaram, em alto mar, Verstigan pulou para a embarcação que levava seu pai. O coração do jovem quase parou quando tentou erguer o corpo desfalecido de Contifar estendido no fundo da embarcação. O sangue se espalhava rapidamente e saia abundante do orifício provocado por uma das flechas dos Mernenos.
Os pescadores remaram em silêncio. O oceano, mais calmo, parecia prestar sua última homenagem ao grande chefe dos homens do mar. Quando os primeiros raios de sol começaram a tingir de vermelho o horizonte, a praia tranqüila, ao largo da imponente floresta, já estava à vista. Menos da metade dos guerreiros tinham retornado. Machucados, exaustos e com o coração partido pela perda de seu líder, eles levaram o corpo de Contifar para a aldeia para os preparativos do funeral.
Foi uma semana difícil. Verstigan estava dilacerado com a perda do pai. Recuperando-se dos ferimentos, ele pensava em Janstif. Encontrava algum conforto ao imaginar o reencontro e o que viria depois. Com ela, poderia realizar os sonhos de seu pai. Muitos filhos para dar continuidade a sua família e a união pacificadora com os Zastur.
As alvissareiras notícias do sucesso na investida foram recebidas com satisfação. O rei, sabendo da morte de Contifar, mandou relaxar a guarnição. Não havia mais motivos para muita apreensão. Janstif já tinha partido para o leste, iludida com uma visita protocolar. Para que tudo ficasse como o planejado, só faltava cuidar do jovem. “Um mero pescador atrevido e pretensioso que um dia tivera a ousadia de se insinuar para uma princesa”, pensava o rei. Dadas as ordens, estava selado o destino de Verstigan.
Quase que totalmente recuperado, o jovem chefe dos Tendor, acompanhado de alguns dos sobreviventes da grande empreitada, seguiu para as terras de Ghertifar. Embora ainda entristecido, seu coração batia mais forte em pensar que se aproximava de Janstif. A viagem não era muito longa, porém, desta vez seria mais breve do que ele imaginara. Quando a comitiva alcançou a trilha leste, na saída da Floresta das Sombras, foram surpreendidos por guerreiros Zastur. Não houve sobressalto, inicialmente. Verstigan achou que se tratava de uma escolta de boas vindas que os guarneceria até a chegada ao castelo. Contudo, não foi isto o que aconteceu. Repentinamente, o grupamento de guerra atacou violentamente os viajantes que, surpreendidos, quase não tiveram tempo de esboçar reação. O embate não durou mais que alguns minutos. Especial atenção foi dedicada ao jovem chefe. Açoitado impiedosamente, Verstigan foi largado no meio da floresta para não ser localizado. Os demais acompanhantes do herdeiro de Contifar ficaram na estrada, ao lado de algumas armas normalmente usadas pelos habitantes das ilhas Staub.
Fim da parte 2 - Continua ...