Quase Perfeito

Meu nome é Connor, tenho quatorze anos e poderia ser um garoto normal como qualquer outro da minha idade, senão pelo fato de ter perdido meus pais em um acidente de carro á pouco mais de três meses.

Billy, meu irmão caçula de quatro anos, era tudo o que havia me restado.

Após o acidente, Billy e eu fomos para o Canadá, morar com nossa tia Lucy, que tem sido nossa nova mãe. Era quinta-feira, estávamos todos sentados na sala, assistindo uma droga de filme que passava na TV.

___Querido, me passe a pipoca por favor - Exclamou Lucy.

Agarrei a tigela branca e em seguida a entreguei para Lucy. Ao olhar para Billy, vi que sua expressão facial demonstrava um certo entusiasmo pela animação exibida na TV. Eu fingia, ou pelo menos tentava fingir que estava tudo bem, mas a verdade é que não estava.

As cenas do acidente queimavam como brasas vivas em minha memória, eu podia ver com clareza o momento em que papai perdeu o controle do Volvo prata. Eu visualizava perfeitamente o veículo dando voltas na estrada até ser empurrado da ponte por uma carreta.

Me levantei no sofá quando uma lágrima ameaçou escorrer, apesar do coração que parecia fazer um enorme esforço para bater, fingi estar bem.

___Dever de casa! - Exclamei, produzindo um sorriso forçado no rosto.

___Não quer assistir com a gente, Connor? - Os olhos de Lucy estavam fixos em mim.

___Tenho uma pesquisa de Biologia para amanhã. - Afirmei saindo.

Lucy havia voltado a atenção para o filme, através de passos lentos, atravessei o corredor silencioso e me tranquei no banheiro e então me posicionei de frente ao grande espelho. Uma lágrima quente saía dos olhos azuis e em seguida se quebrava na superfície pálida do meu rosto.

Eu podia sentir o perfume delicado da mamãe que parecia estar em todos os cômodos da casa, eu podia ouvir o papai cantando desafinado na tentativa inútil de fazer o Billy dormir. Eu até conseguia visualizar Molly, minha irmã mais velha recebendo os telefonemas do novo namorado.

Prendi a respiração e a soltei silenciosamente para evitar gemidos altos, eu não queria chamar atenção. Voltei os olhos novamente ao espelho e vi meu rosto encharcado, uma expressão melancólica havia me dominado momentaneamente.

Mesmo com os olhos fixos no espelho, minha visão embaçada oscilava, impossibilitando assim uma imagem perfeita.

___Hummm. - Raspei a garganta enquanto me preparava para sair.

Repentinamente, o silêncio monótono e depressivo do ambiente foi rompido quando uma voz chamou meu nome, não era qualquer voz, era a minha própria voz. Senti meu coração aumentar a intensidade das batidas e em seguida lançar um olhar imprevisível e medonho em direção ao espelho.

___Connor, Connor. Não chore mais, eu estou aqui.

Esqueci de respirar quando vi que meu reflexo no espelho conversava comigo.

___V-você não é real! - Gaguejei enquanto tocava com o dedo a superfície sólida do espelho.

___Ah, eu sou sim. Sou até mais real do que você pensa. - Rebatia minha outra voz-

Eu ainda duvidava do que via. A pele branca era exatamente igual a minha, o cabelo louro jogado pro lado era o meu, os lábios com contornos grossos, até o sorriso, era tudo meu.

___O que você quer? - Perguntei enquanto me aproximava do espelho.

___Não tenha medo, eu vim ajudar você. - Respondeu a voz serena.

___Pode trazer minha família de volta? - Perguntei mantendo um olhar extremamente rígido sobre a criatura.

___Sim, mas como nada nessa vida é de graça.... - Cantarolava repleto de entusiasmo.

___O que eu tenho que fazer para ter minha família de volta? - Perguntei ignorando a simpatia dele.

___Você só tem que me dar uma coisa. É algo tão insignificante e pequeno, quando você perceber que o perdeu, vai ser tarde demais. E depois; tudo vai voltar ao normal, como em um passe de mágica. - Insinuava a voz aparentemente inocente.

Eu precisava saber o que ele queria, não podia aceitar o acordo sem saber do que se tratava. Mas por outro lado eu não conseguia tirar do meu pensamento todas as coisas boas que eu teria de volta, meu pai, a mamãe, a Molly, meus antigos amigos, e a antiga casa na Califórnia que eu amava.

Eu pensava na felicidade de Billy , que com apenas quatro anos de idade tinha um único sonho: ver sua família novamente. Sem hesitar mais um segundo, voltei os olhos para o espelho e após respirar fundo, falei.

___ Mas eu tenho que saber o que você quer em troca! - Exclamei.

___Eu já disse, é uma coisa pequena e insignificante! - Resmungou irritado.

___Tudo bem, eu aceito! - Afirmei enquanto engolia seco.

Olhando no espelho, percebi que meu reflexo vivo desparecia lentamente, enquanto eu lia seus lábios, ele dizia: "Seu desejo é uma ordem" . Após a frase, ele piscou com o olho esquerdo e depois se desmaterializou definitivamente.

No mesmo instante, o espelho se rompeu, e dele saiu uma luz branca muito forte, tampei os olhos, a luz dominou todo o lugar e sem tardar, desapareceu. Abri os olhos lentamente, e senti um fluxo de alegria passar por meu corpo quando vi que eu estava na minha antiga casa, na Califórnia, antes mesmo de tudo acontecer.

Estava tudo em seu devido lugar, os enfeites da mamãe, a coleção de livros do papai, eu não pude cessar as lágrimas, elas eram constantes. Automaticamente, subi as escadas que levavam aos quartos e parei na primeira porta branca, era o antigo quarto dos meus pais.

Respirei fundo e torci a fechadura redonda. Eles dormiam normalmente, como qualquer outro casal apaixonado da terra.

___Eu amo vocês! - Sussurrei em meio á lágrimas.

Fechei a porta e lentamente, caminhei para o próximo quarto. Era o de Molly. Torci a fechadura e me dei de cara com uma textura cor-de-rosa, o uniforme de líder-de-torcida estava intacto sobre a mesa de vidro, a coleção intocável de sapatos permaneciam abandonadas dentro da cômoda, enquanto ela rolava de um lado para o outro sobre a cama espaçosa.

___Eu amo você! - Sussurrei, dessa vez ainda mais baixo.

Fechei a porta com cuidado e em seguida andei em direção ao último quarto antes do meu. O nome "Billy" ganhava destaque, estando centralizado em letras tortas na porta, eu não podia acreditar que o pequeno finalmente realizaria o sonho de ter a família de volta.

Eu estava ansioso, sentia meu coração palpitar bruscamente no peito. Pousei a mão trêmula sobre a maçaneta, e a torci, depois, respirei fundo e empurrei silenciosamente a porta.

A textura azul clara da parede, dava ao quarto um ar infantil e sereno, caminhei um pouco mais. As roupas de Billy estavam exatamente como mamãe as deixou em cima do maleiro, as miniaturas que ele dizia ser seus sapatos, também permaneciam intactas.

Olhei para frente e avistei sua prateleira de brinquedos, em seguida voltei a atenção para a cama. O lençol branco estava limpo e esticado,

enquanto a cama se encontrava em perfeita ordem,

E completamente vazia.

Danilo Fonseca
Enviado por Danilo Fonseca em 20/12/2011
Código do texto: T3398877
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