Sangue de Dragão - Cap. 83
E O Treinamento Prossegue
Os dias foram passando e Orogi treinava constantemente junto ao professor Keem e os demais alunos. Sua evolução não foi excelente, mas já se tornara mais astuto. Sua prontidão estava bem melhor, e com certeza mais apurada, talvez equiparada aos bons rastreadores humanos. Orogi já conseguia perceber pequenos movimentos e ruídos num diâmetro de dez metros.
Mas o mais difícil viria a seguir, onde Orogi aprenderia de fato as posições de combate e os movimentos do Shin-kaki. Se resistisse a essa etapa, pelo menos entendendo um pouco a arte marcial dos licantropos, o garoto teria alguma chance no Torneio de Gaia, sem depender de ninguém.
O professor Keem sabia que o tempo que tinha a disposição não dava a Orogi uma boa assimilação dos variados movimentos e golpes do Shin-kaki. Mas a impressionante dedicação do garoto humano surpreendia. Apesar de alguns momentos os treinos se estenderem para mais de três horas, Orogi não desistia facilmente, e só se dava por satisfeito quando conseguia completar um movimento, mesmo que isso o deixasse exausto a ponto de cair no chão.
“Esse jovem humano é diferente. Nunca vi tamanha vontade de aprender, nem mesmo entre meus pupilos normais” pensava Keem.
O shin-kaki é o mais aprimorado estilo de luta desenvolvido entre todas as raças do Povo Ancestral. Ele é a base para a habilitação de qualquer guerreiro no que diz respeito à lutas corporais, tanto para ataque como para defesa. Outras raças possuem algum tipo de treinamento para combate corporal, mas só o shin-kaki é considerado uma filosofia do guerreiro, pois não só envolve somente o aperfeiçoamento de golpes e esquivas, mas desenvolve a harmonia, o equilíbrio e a paciência.
Outra característica que torna o shin-kaki tão especial é que o estilo é flexível, mas mantendo-se a mesma base padrão, para se adaptar aos variados guerreiros licantropos. Cada espécie desenvolveu variações do shin-kaki para melhor utilizar as características físicas do lutador. Assim, os homens-lobo e raposa possuem um estilo próprio, os homens-tigre e lince outro, os homens-búfalo também e os homens-lebre outra variação. As dez espécies de licantropos existentes desenvolveram seus estilos shin-kaki específicos.
Além dos movimentos e golpes próprios, cada raça de licantropo criou uma espécie de técnica marcial especial, também chamada somente de “Técnica Especial”. No caso dos licantropos de greenmória, eles desenvolveram o “Punho Trovão”. Essa habilidade consiste em manter o máximo de tempo possível a energia espiritual concentrada nas mãos ou pés, fazendo-a vibrar eletricamente, assim os golpes do usuário ganham maior potência. Guerreiros experientes conseguem manter essa energia em volta de todo o corpo, conferindo-lhes também grande resistência aos golpes inimigos. Para que esse golpe consiga ser realizado é necessário que o usuário estabeleça uma conexão com o elemento Raio. Aqueles que possuem a energia espiritual afinada com este elemento têm mais facilidade em aprender esta técnica.
---- Mestre, o senhor pode me ensinar essa técnica? --- Orogi acreditava mais em suas capacidades e resistência para os trinos. Lembrou do quanto foi difícil aprender a técnica da espada pesada, mas em fim conseguiu.
---- Esse pedido lhe será negado por três motivos: primeiro, não teríamos tempo até o torneio, pois essa técnica exige um entendimento e uma manipulação mais completos da energia espiritual. Segundo, teríamos que ter uma autorização especial do nosso líder, Gunta. E terceiro, teríamos que saber qual a afinidade da sua energia espiritual. Outro ponto é que Gunta teria que falar diretamente como Gai-Khan, pois ninguém que pertença às raças que não fazem parte do povo ancestral pode adquirir nossas técnicas mágicas.
---- Entendo --- disse Orogi ---- Então....como faço para falar com o Gai-Khan?
“Essa criança humana tem atitude” pensou Keem. Ele deu um leve sorriso, pois entendia o ímpeto dos jovens.
---- Apesar de ter sido aceito pelo Gai-Khan, nem tudo é tão fácil como pensa. Você pode não entender, mas esse simples pedido pode ferir a imagem do grande líder perante os anciães licantropos, que costumam seguir nossas tradições à risca. Ser Gai-Khan não é uma tarefa fácil, só os mais hábeis a conquistam. É necessário ver todos os lados para tomar certas decisões.
---- Desculpe, mestre...é que pensei que seria normal como foi com o mestre Árion.
---- Árion te ofereceu um enorme presente, você não tem idéia. Mas com certeza ele teve que relatar ao Gai-Khan sobre essa decisão. Afinal ele te ensinou uma técnica mágica dos centauros. Sinta-se honrado pela confiança que Árion depositou em você Orogi.
---- Sim, mestre, me sinto muito honrado mesmo --- Orogi sorriu e fez sinal de positivo com o polegar, arrancando também um sorriso do seu professor.
---- Mas chega de papo, pois o tempo passa e você ainda está atrás da turma em evolução. Vamos! Posição três! Três socos, três chutes!
Enquanto isso nos subterrâneos do Domo, o centro administrativo de Greenmória, um jovem elfo chamado Ankarra está quase no fim do seu turno de trabalho, que consiste em monitorar os Globos de Contenção. Esses artefatos, grandes esferas transparentes, estão carregados de energias mágicas descontroladas ou caóticas. Essas energias, se soltas no ambiente, podem provocar grandes estragos, pois tendem a se dissipar com rapidez e violência. Os globos mantêm justamente esse potencial destrutivo compactado, aprisionado. Para impedir que a pressão arrebente a estrutura cristalina do globo, existem duas pequenas esferas que recebem, num determinado intervalo de tempo, um pouco da energia central, aliviando o processo.
Num destes globos está contida uma parte da essência energética de um dos dragões ancestrais conhecido como Balgast, O Primeiro General. Em um momento de distração, Ankarra não abre a sucção magnética das pequenas esferas e o globo racha num ponto por onde uma quantidade de energia passa para o ambiente. Quando o elfo se dá conta já é tarde demais, pois o pequeno fragmento energético ricocheteia pela sala e se choca contra seu corpo, derrubando-o no chão.
Rapidamente Ankarra contorna a situação e agradece o fato de ninguém ter visto seu descuido. Mas o que ele não sabe é que esse fato, aparentemente insignificante, não passou despercebido. Há quilômetros dali, alguém nota algo estranho e pára.
---- O que houve Primeiro? Ainda temos um longo caminho até chegar às cordilheiras --- disse Alzimuth, o Segundo General. Ao seu lado, Serek contemplava a paisagem em silêncio.
---- Sinto algo que há algum tempo se manteve em silêncio. Uma parte de mim me diz que devemos mudar os planos momentaneamente.
---- Do que se trata? --- perguntou Serek com sua voz de serpente.
---- De poder....meu poder --- respondeu Balgast.