Fugitivo

Ele escrevia em seu porão, o único lugar onde era possível viver naquelas terras amaldiçoadas pela ditadura da guerra. Sob a construção de madeira e tijolos, sua humilde moradia, ele estava sentado em frente a uma mesa pequena, onde se encontrava o tinteiro, o lampião e o papel com algumas palavras, a pena em sua mão tinha fios coloridos, que faziam contraste com o ambiente escuro, sombrio, frio.

A cada meia hora olhava para uma janela, muito pequena à sua direita que lhe proporcionava uma visão de imensa tristeza, porém inspiração e esperança de um mundo exterior assustador que era completamente evitado por ele. Isso acarretava em uma vida solitária e trancafiada dentro daquele pequeno pedaço de paraíso que tinha construído para si mesmo.

Em um dia de céus nublados e pouco vento, não havia olhado pela janela ainda, o dia estava diferente e mais aterrorizante que o normal, por isso não se dera ao luxo de encarar a abertura desde que descera para o porão. Infelizmente para ele, seus planos foram desfeitos por uma batida muito forte contra o vidro, suspirou exausto e rendido. Ele olhou e viu uma ave, um rouxinol tentando escapar do mundo exterior, o poeta abre a pequena janela – o que não fazia há muito tempo - dando passagem ao animal, que voou por todo o porão, deu três voltas no homem e sumiu na escuridão de um canto qualquer.

Ele só encontrou o rouxinol dentro de uma gaiola de ouro que havia ganhado quando era uma inocente criança, nas terras que eram cobertas por neve. O homem pegou a gaiola e ficou admirando o rouxinol ali dentro. A ave se aproximou das grades douradas e olhou fixamente nos olhos de seu novo dono, não mostrava medo e muito menos raiva, era como encarar um igual. O poeta colocou a gaiola sobre sua mesa e continuou escrevendo sua melodia, ignorando a presença do pequeno ser ali do seu lado.

O rouxinol observou-o por alguns minutos e começou a cantar, uma melodia suave, mas ágil, o poeta olhou para o rouxinol com estranhamento, mas gostou do que ouvia. Por fim, começou a escrever para a ave.

E assim foi, dia após dia, a canção do rouxinol lhe dando a inspiração de que precisava.

No entanto, numa manhã como aquelas outras, ele desceu até o porão para se unir ao rouxinol, mas tudo que pôde ouvir foi o silêncio e tudo que pôde ver foi a gaiola dourada com a portinha aberta. O rouxinol se fora e era então sua vez.

Suspirou relutante, mas sabia que era sua hora de sair da prisão que criara para si mesmo. Um dia aquilo aconteceria, sabia desde o momento em que a ave entrou na gaiola dourada; é impossível domar algum ser sem que em algum momento, mesmo que seja mínimo, ele fique infeliz. Isto se aplicava também ao poeta, que após alguns preparativos, saiu porta afora respirando em um novo ar, pesado e sujo, mas aquela era apenas um passo, um passo que teria que dar no caminho para o seu novo e definitivo paraíso.

Letícia Gama
Enviado por Letícia Gama em 21/11/2011
Reeditado em 27/11/2011
Código do texto: T3348556
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