Sangue de Dragão - Cap. 80
Orgulho Ferido
Taram, capital do Reino do Norte. Meio da tarde.
A comitiva da Ordem da Magia atravessou alguns quarteirões e parou em frente aos portões do majestoso Palácio Imperial, sede do governo. Lorde Borgus liderava o grupo composto por alguns membros do conselho da ordem e também magos-guerreiros da Centúria, incluindo Tarlius e um jovem e sisudo Azura, agora um homem feito com seus dezoito anos. Durante os últimos meses, Azura se aproximou mais do líder da ordem, sendo até convidado para participar de sua segurança particular. O garoto tinha evoluído em suas habilidades. Não era por acaso que tinha sido escolhido para participar do grupo seleto. Tanto ele como Tarlius também.
Reconhecendo a presença de Borgus, que trajava o manto característico da ordem da magia e portando agora um estranho tapa-olho no lado esquerdo, a guarda do palácio o deixa entrar, pois já era esperado pelo jovem rei Yored para uma audiência.
Não sendo permitida a presença do grupo de centurianos no salão principal do palácio, Borgus adentrou o recinto acompanhado apenas pelos quatro conselheiros. O lugar já estava ocupado pelos Magistrados Reais, um grupo de importantes e ricos senhores de terra e comerciantes que juntos ao rei estabeleciam as leis do reino há muitas gerações. Eles estavam sentados em duas grandes mesas de madeira em forma de lua, uma voltada para outra nos lados do salão e de frente, alguns metros, do trono real. Ao verem a entrada do líder da ordem da magia, todos transmitiram olhares desinteressados. O que fez crescer ainda mais a intolerância de Borgus. Ele detestava aquela corja com seu ar de superioridade.
No meio do salão tinha um grande e belo tapete circular com um desenho em forma de mandala, com quatro setas mostrando as quatro direções, sendo que o norte estava mais aparente. Borgus ficou olhando para aquele desenho enquanto mergulhava em seus pensamentos sobre o potencial do reino do norte de se tornar a nação líder do mundo, bastando apenas que a sua realidade atual se modifique. De uma forma ou de outra.
A atenção de Borgus é desviada quando um homem adentra o salão, toca uma corneta de forma desafinada e irritante e anuncia em voz alta. Mais uma excentricidade ridícula do rei, pensa Borgus.
---- Atenção! Levantem-se! O rei Yored, filho de Jared, soberano do norte, adentra o recinto!
Todos se erguem à entrada do jovem rei da nação do norte. Ele portava uma magnífica capa aveludada vermelha com detalhes dourados, que parecia pesar uma enormidade, e portava uma coroa incrustada com diamantes e um cetro. Dois serviçais que o acompanhavam ajudavam para que ele se acomodasse no trono. Ele sentou de forma relaxada, apoiado em seu cetro, e olhou para Borgus.
---- Seja bem vindo ilustre Lorde Borgus. Uma honra recebê-lo em meu humilde palácio --- Yored fazia gestos com a mão enquanto falava.
---- A honra é toda minha majestade --- Borgus e os demais conselheiros fizeram uma reverência inclinando as cabeças.
---- Há uma semana recebi seu pedido de audiência pessoal comigo. Na sua carta dizia querer tratar de assuntos importantes para o reino.
---- Sim, majestade, de fato.
---- Posso saber do que se trata então?
---- Da sobrevivência da secular Ordem da Magia --- respondeu Borgus.
---- Explique-me caro lorde. O que de tão importante é esse assunto para o reino? --- a ácida pergunta irritou Borgus e arrancou risadas de alguns magistrados.
---- Majestade, o senhor sabe que muitos perigos rondam nossas fronteiras, sendo o maior deles a presença das bestas da floresta. Há muitas gerações a ordem da magia se especializou em detectar e neutralizar essa ameaça. Antes éramos numerosos, mas agora reduzimos muito nosso quadro de aprendizes, e recentemente fomos obrigados a praticamente retirar nossas forças que guarnecem os fortes na fronteira com Menizaia. Tudo isso porque a nova determinação real entrou em vigor.
---- Por acaso está insinuando que minha determinação foi um equívoco? --- disse o rei apontando o dedo na direção de Borgus.
---- De forma nenhuma Milorde. Acredito que os relatórios que chegaram às suas mãos não foram totalmente precisos. A realidade em Meniz......
---- A realidade é que a luta que a ordem da magia trava contra essas bestas da floresta que você tanto fala não está surtindo bons resultados, caro lorde. O que acham meus magistrados? --- perguntou o rei aos senhores da bancada.
---- A investida em Menizaia, Majestade --- um dos magistrados se ergueu para falar ---- custou ao cofre real muitas moedas em ouro e, principalmente, a vida de mil dos melhores soldados do reino, inclusive a do filho de um dos digníssimos representantes deste conselho, e não tivemos a vitória dita tão certa.
---- Há mais de vinte e cinco anos que não temos um incidente desta ordem em relação a essas aberrações --- disse um outro magistrado ---- Me pergunto o que pode ter gerado esse triste episódio lorde Borgus.
---- A ordem tem evidência concretas que as bestas da floresta possuem uma espécie de cidade secreta em algum lugar da grande floresta de Menizaia --- jogou Borgus ---- Era nosso dever investigar e agir adequadamente como fizemos.
---- O seu dever, lorde --- falou um magistrado ---- Era trazer provas para esse conselho, mas vejo que está de mãos vazias. Onde está essa tal cidade que fala?
Borgus ficou em silêncio alguns segundos. Sua raiva crescia a cada pergunta. Seu olhar era fulminante.
---- Ainda não a encontramos, mas temos suspeitas de que esteja próxima aos Montes Centrais --- respondeu um dos conselheiros da ordem da magia, também jogando com a situação ---- Mas continuamos nossas investigações.
---- E quem deu ordens para que essas investigações se realizassem conselheiro? --- perguntou um terceiro magistrado.
---- Eu dei a ordem magistrado --- respondeu Borgus ---- Tomei essa decisão por compreender que estamos bem perto de alcançar nossos objetivos. Falta pouco par.....
---- Essa autonomia deve acabar lorde Borgus! --- falou o rei. O mago se surpreendeu com as palavras enfáticas de Yored.
---- Desculpe, Majestade --- disse um outro conselheiro da ordem ---- O que está querendo dizer? --- mais uma nova risada dos magistrados acompanhou essa pergunta.
---- Eu lembro que quando criança eu morria de medo de encontrar essas bestas da floresta --- falou o rei ---- Meu pai me acalmava dizendo que tudo ia ficar bem, pois seus magos-guerreiros estavam determinados em destruir essas criaturas. O rei Jared cumpriu o que prometeu ao filho. Compreendo que os tempos eram outros, mas agora aquelas bestas se foram. E se restaram algumas, essas também serão mortas sem muita necessidade de campanhas custosas como as que vem liderando lorde Borgus. Foi por isso que acatei a opinião do conselho dos magistrados e reduzi os recursos enviados para a ordem. Ela já não é mais tão necessária. Além domais, recebi informes de que os outros reinos estão tendo tomando essa sensata decisão. Portanto, a partir de hoje a ordem da magia tratará apenas de assuntos internos à capital e a outras cidades importantes, como também da proteção do rei.
“Como ousa, seu insolente manipulado” pensou Borgus quase externando sua fúria.
---- Devo dizer que não se preocupe com nossas fronteiras, caro lorde --- continuou o rei ---- Elas agora são de responsabilidade de um novo agrupamento de patrulheiros que estou criando. Estou criando quatro novos fortes para eles, inclusive um bem próximo de Menizaia.
---- Acredito que vossa Majestade tenha pensado muito sobre a melhor decisão a tomar --- falou Borgus.
---- Com certeza. Nossa reunião acabou lorde. Leve meu veredicto para os demais magos.
---- Sim, Majestade --- Borgus fez uma reverência simples com a cabeça e saiu com uma expressão séria.
---- Não fique triste meu caro lorde --- falou o rei Yored ---- Pense que poderia até fechar de vez as portas da ordem. Só não fiz isso por respeito ao meu pai, seu amigo pessoal. Portanto, abra um sorriso, não aconteceu nenhuma tragédia afinal.
Borgus saiu do salão ainda escutando as risadas dos magistrados diante das últimas palavras do rei.
---- Maldito desgraçado --- falou somente para os conselheiros ouvirem ---- Esse moleque não sabe nada sobre tragédias. Mas eu terei um enorme prazer em lhe mostrar. Eu vou varrer essa corja do poder. Vou trucidá-los com uma fúria que eles jamais viram. Artmand! Envie uma mensagem urgente à Nimas. Que ele se prepare para abrir as comportas da morte. Chegou a hora.
---- Mas Borgus ---- falou um dos conselheiros ---- Você ainda não tem total apoio de todos os membros do conselho da ordem. A metade não concorda com seus planos.
---- Não se preocupe, eu os saberei convencer --- Borgus abriu um sorriso sombrio.