Pra quando você voltar

Não tenha medo dessa sala escura. Ela é só mais uma das câmaras sombrias pelas quais você vai passar nesse lugar. O que você vê em meio à penumbra são apenas mobílias, incertezas, sangue e lembranças. Nada de mais.

Não se assuste com os sons que vem de trás das paredes manchadas e desgastadas. São apenas ruídos, lembranças, corpos e ecos do passado. Eles não podem lhe fazer mal. Não por enquanto.

Nesse primeiro momento, tudo aqui pode parecer surreal, você pode se sentir um tanto quanto isolada e amedrontada, mas acredite no que eu digo. Esse local é seu, e sempre será. Este local aparenta estar imóvel e estagnado, exceto pelos malditos sons e marcas profundas. Cicatrizes de todas as vidas que por aqui passaram e tornaram esse lugar no que você vê e sente nesse momento.

Cada marca, cada ferida aberta, cada som que emana dessa sala tem sua história e seu motivo, portanto não tema, pois logo, você será a maior de todas elas. Ou até mesmo o bálsamo que irá aliviar as dores, o ungüento que selará esses cortes, a luz que irá levar para longe toda escuridão, o vento que levará pra longe esse ar putrefato. Tudo o que quero é que seja assim, e indubitavelmente, pelo bem ou pelo mal, minha senhorita, você há de ser.

Por aqui você verá coisas e mobílias espalhadas. Vê aquele baú com fotos e cartas?

Aquelas são as lembranças boas que consegui manter em meio às trevas pelo qual esse pequeno universo está envolto. Ao abri-la, você poderá ouvir belas músicas, sorrisos e calor. Se você fechar bem seus olhos e desejar com vontade, poderá sentir beijos e abraços, afagos e alívio para cada momento que achar que eu não sou exatamente quem aparento ser.

Posso parecer incoerente e sisudo, muitas vezes a grosseria pode parecer intrínseca em meu ser, mas entenda que muita coisa se passou nesse local, muita dor se esconde atrás dessas paredes, e apesar de tudo, de toda essa aparente falta de jeito com você, tudo o que precisa saber é que em seu sorriso eu encontrei um motivo para colocar em ordem tudo o que à primeira vista parece não ter sentido.

Cada noite que passei sozinho nesse local, me fez acostumar-me com esses sons. A solidão pode te ensinar muitas coisas, coisas que nem sempre e nem todos são capazes de suportar. Se for medo que tens, então corra. Sei que pode não parecer fácil dividir trevas com uma pessoa que chora por trás de um sorriso largo. Sei que nada aqui se parece com a perfeição que esperava, e sei também que a falta de luz te faz recuar.

Mas entenda que para haver trevas, tem de haver luz. E esse local manteve-se eclipsado por muito tempo. Para que um som seja ouvido perfeitamente, o silêncio se faz necessário. E esse local esteve no vácuo por um tempo que você sequer imagina.

Nesse momento o som que ecoa por essas paredes é o som do seu coração farfalhando suavemente, tão belo e delicado quanto o bater de asas de uma borboleta. Posso ouvi-lo perfeitamente, pois há tempos já não ouço o som do meu próprio. Sequer posso ouvir os rangidos e arranhões que ecoam por aqui. Você pode ouvi-los, eu sei, mas não tema, são apenas ecos do passado e o único meio deles te incomodarem é se você fizer parte desse pretérito. Porém, naquele canto escuro há uma pequena porta muito bem trancada. Não tente abri-la. Nada do que está lá dentro é bom. Gritos, sussurros, lamentos e sofrimento. Muita coisa está guardada lá, coisas que mesmo que eu quisesse não poderia expulsar. Fazem parte do que sou hoje.

Se desejar correr, jamais irei te impedir. O que posso fazer é me sentar aqui e esperar. Sei que você deseja correr, mas acredite o mundo lá fora pode te machucar. Muito mais que qualquer som ou ímpeto que exista nessa sala escura e estranha que é o nosso lugar.

Por trás desse sorriso que te mostro, eu choro. Não um choro de dor, de sofrimento, mas um choro de alegria, cheio de tenros sentimentos. Pois no dia que te encontrei, um fino fio de luz adentrou esse esquecido aposento e essa pequena fagulha, foi suficiente pra aquecer a sala que há tanto tempo esteve abandonada. Entre as lágrimas que de mim vertem, além de alegria, há receio. Sim, o receio entre tanta certeza. Receio de que o mundo te faça o que me fez, receio de que quando você voltar, seu brilho não seja igual.

Você é inefável, assim como um dia eu também fui, e essa paridade que sinto vir de você é o motivo que me fez sentir-me tão próximo a ponto de te trazer a esse cômodo, para mostrar-te que apesar de tudo o que passei e de como esse lugar aparenta ser estranho, existe muito de mim e você nele. Sempre houve.

Hoje você abandona esse lugar enquanto me recosto na penumbra e a vejo correr descalça pela grama. Em muitas vidas vi isso acontecer e sei que por mais que fuja, seu destino é meu. Eu posso esperar o tempo que for, e sei que vai voltar. Os ramos ásperos do mundo aí de fora vão ferir sua pele clara e marcar sua alma, rapinando um pouco do que é belo e precioso em seu ser.

Eu espero, porque é assim que tem que ser. Essa fuga, esse medo da sala escura, vai te fazer crescer. E quando der por si, vai perceber que tudo o que mais deseja é voltar aqui me ver. O que começou e não terminou há tempo a tanto tempo, pode esperar um pouco mais pra encontrar enfim seu apogeu.

Para cada ano da sua vida que se passa, passa-se um minuto da minha. Então corra pela noite clara e tenha mais do que espera dessa vida, pois daqui não irei sair enquanto não voltar. Sou inefável assim como o que sinto por você é e sempre será. Acendo essa vela dentro da sala, para que possa achar o caminho de volta entre os ramos do mundo lá fora. E quando chegar, seu cheiro antes da sua presença irá me alertar. E a noite mais escura, por esse quarto irá iluminar. Não haverá mais medos ou receios, os ruídos não te farão tremer, pois tudo o que vai restar é o suave som do farfalhar de asas nesse quarto, que só é escuro sem você.

Esse cômodo escuro em meu peito vai voltar a pulsar no momento em que você entrar pra ficar. Somente assim esse até então imutável aposento é onde o bater de suas asas a farfalhar para sempre vai ecoar.

A escuridão do meu antigo coração vai enfim acabar, quando pela mesma porta que fugiu, você entrar, e entre seu sorriso e seus louros cabelos, entre sua macia pele e suave perfume, nossas almas vão enfim se encontrar.

Nesse dia a luz irá definitivamente entrar em meu coração para nunca mais dissipar. Então, não tema de forma alguma essa sala escura.

Thiago de Moraes
Enviado por Thiago de Moraes em 09/11/2011
Código do texto: T3326798
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