"Jadisse."

Sentado nesta cadeira de rodas, aguardando a enfermeira que me levará para meu quarto, vendo a rua e esperando receber uma visita que sei não virá, comecei a pensar no passado.

Um nó no peito uma vontade de chorar, pois me lembrei de Jadisse.

Nos áureos tempos de meus trinta anos, morava em uma mini-fazenda ou um enorme sítio, que comprei de uma viúva endividada.

Paguei por ele uma quantia irrisória, mas ainda foi o maior preço que ela conseguiu no mercado.

Eu vivia de agiotagem, aproveitando as entressafras, quando os sitiantes estão mais necessitados.

Fazia empréstimos a juros bem altos que receberia na colheita.

Tinha até um acerto com um gerente de banco que sendo um empréstimo promissor, me passaria o cliente mediante uma propina, pois seria me devolvido com juros no final.

Bem esta parte não interessa, tinha eu no sítio cães de varias raças, todos super dotados.

Quando saía para caçar ia acompanhado por aquela matilha que atacava inclusive cavalos e vacas de meus vizinhos causando atrito e discussão.

Em um sábado qualquer, fiz um churrasco para os “amigos” gerentes e funcionários que me auxiliavam em minhas negociatas.

De repente surgiu, aquela coisinha feia, foi piada geral acho que quem trouxe foi... Não, acho que simplesmente apareceu lá.

Um cãozinho feio magro, cabeçudo como foi uma piada todos perguntavam esta é sua ultima aquisição, este é um inglês, parece alemão, qual o nome dele?

Já disse, então foi batizado Jadisse todos riam, ele não sabendo de nada se sentia feliz, pois lhe era jogado um pedaço de carne que apanhava no ar todos riam.

Fazia graça virando cambalhotas.

A partir daquele dia em todo lugar que eu estava, aquela coisinha feia estava ao meu lado.

No canil os cães tinham lavatório com bacia de água, comida balanceada, ração das melhores.

Jadisse não tinha nada, dormia em qualquer lugar comia restos e apanhava de todos, mesmo o empregado mais bondoso não tinha paciência com ele, pois era insistente, parece que dizendo

- Estou aqui também sou cão igual aos outros.

Como ele era pequeno entrava no canil e roubava comida dos outros, era muito rápido, não conseguiam apanhá-lo.

Comecei a olhá-lo com outros olhos, pois tínhamos algo em comum, neste mundo de guerras por lucros me imiscuía em todos os negócios tirando sempre lucro em tudo.

Naquele fatídico dia fui caçar, todos os cães foram á frente.

Só Jadisse ficou comigo, entrei numa mata fechada quase não podia me locomover.

Quando achei uma clareira quase morro do coração.

Bem a minha frente estava uma onça.

Se aquele bicho fosse real, seria um elefante devido ao tamanho.

Ela estava comendo uma vaca e em cada mordida tirava enorme pedaço que engolia quase sem mastigar.

Fiquei sem ação, meus mastins de guerra sumiram quando perceberam o perigo.

Só ficou comigo aquela coisinha feia, Jadisse.

Parece que ele cresceu de tamanho.

Colocou-se a minha frente desafiadoramente.

A onça com nossa interferência ficou muito brava ao ver Jadisse apenas abriu sua bocarra para talvez engoli-lo de uma vez.

Mas ela não sabia que ele, tão rápido, passou próximo de sua boca agarrando-a pelo pescoço.

Não resolveu muito, pois ela com um giro rápido jogou-o sobre alguns galhos caídos possivelmente seu ninho.

Consegui a muito custo apontar a arma para ela e apertei o gatilho várias vezes.

Fatalidade,

Acertei a onça que caiu com grande urro que tremeu o chão, mas também acertei Jadisse.

Quando atirei em uma das vezes, ele estava à frente tentando defender o dono que nunca tinha ligado para ele.

Chorando convulsivamente peguei seu corpinho.

Ele balançava o rabo, parece que estava feliz.

Finalmente tinha atraído minha atenção.

Cavei um buraco e enterrei talvez meu único amigo.

Alguém que nunca precisou que eu pagasse para me fazer carinho ou rir de minhas piadas.

Vendi o sítio por qualquer quantia, fui para outra cidade mudei minha maneira de viver.

Acho que todos precisariam ter um “Jadisse” em sua vida para valorizar a verdadeira amizade.

OripêMachado.

Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 07/11/2011
Reeditado em 07/11/2011
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