CURIOSIDADE
Observo por detrás da janela do meu quarto, uma linda paisagem, a relva verde e logo adiante o lago e depois do lago os montes verdejantes mas... minha mente insiste em questionar o além monte... disseram que não deveria ir lá, pois não teria nada que me atraísse mas, a minha curiosidade tamanha...
Desci as escadas lentamente, calcei as sandálias, tomei minha sacola com um pedaço de pão e um pouco d'água e fui caminhando... passei pelo jardim da casa, pela relva verde, dei a volta pelo lago e segui ao monte verdejante e comecei a subir, subir e subi até o seu ponto mais alto... chagando lá pude comparar os lados... onde eu vivia haviam cores, cheiros doces, encantos e paz... do outro, preto, branco, cinza, marrom... misturavam-se em borrões...eu não entendia...aquele cheiro de cinzas, queimadas, fumaças embaçavam toda visão e nada eu podia enxergar... desci e fui caminhando em direção aquele lugar estranho, com muito medo mas, a minha curiosidade... caminhei, tropecei, me feri, encontrei uma senhora encurvada de cabelos vermelhos, dedos compridos, segurou o meu braço e perguntou-me com sua trêmula voz: "O que fazes aqui, menina?"...eu com os olhos arregalados respondi:"Não sei, não senhora, estou apenas passeando." A senhora riu ironicamente e disse: "Passeando por lugares sombrios, não vês que este lugar não tem atrativos? Vá-te, volte de onde veio, pois aqui nada bom lhe sobrevirá." Porém, não obedeci aquela senhora, continuei andando e andando... até que me cansei, tomei um gole de água e comi um pedaço de pão que trouxera comigo mas, não era suficiente, estava exausta, pois o lugar não era nada, quanto mais eu andava, mais longe de encontrar algo se tornara, mas eu via pessoas brigando, mulheres bebendo, fumando, homens xingando, muita sujeira.... resolvi voltar; como? Perdi o caminho, as cinzas já não me permitiam ver o monte e os estranhos daquele lugar me olhavam como uma deliciosa pele de carneiro pronta a ser devorada... e agora, o que ei de fazer? Continuei caminhando à frente na esperança de encontrar alguém confiável, quanto arrependimento, não ouvi aquela senhora, poderia ter retornado enquanto havia tempo... andei, andei, me cansei, encontrei uma pedra enorme num canto de um muro de uma suposta pousada, ali no cantinho daquela pedra tentei aconchegar-me, deitei a cabeça sobre a bolsa e adormeci... quem dera acordar e ser apenas um pesadelo, tanto tempo observando pela janela, imaginando o que haveria por detrás do monte e eis que em minha busca... olha onde vim parar... sozinha, faminta, suja, assustada...oque eu posso fazer agora, meu Deus, me ajuda...Dormi, dormi e dormi...o suficiente para acordar e seguir em frente em busca de algo positivo... tomara encontre...despertei, olhei ao redor e ouvi um murmurinho logo adiante, levantei, me ajeitei e fui até um lugar sujo, onde tudo era velho e solicitei a um senhor barrigudo e sisudo um pouco de água para lavar meu rosto, ele me entregou um caneco velho e furado com água e lavei meu rosto...agradeci e segui em frente, o medo me fazia tremer os ossos, e segui o murmurinho e eis que vi um grupo de pessoas diferentes, pessoas coloridas como eu... nossa...senti uma esperança se renovar em meu peito... fui caminhando apressada em direção aquele grupo, com passos apertados, como aqueles que quanto mais se caminha mais longe parece se tornar... e eis que cheguei junto deles...olhei um por um e dei um sorriso tímido e medroso e eles me olhando meio espantados disseram em coro:"A Paz do Senhor!" ... Eu fiquei com a boca aberta olhando pra eles sem entender e agradeci por me oferecerem a Paz do Senhor, e disse a eles que precisava de ajuda, estava perdida, com fome, suja e que vinha do outro lado do monte... quando eles ouviram-me dizer de onde eu viria, foi como se eles tivessem escutado algo absurdo e espantoso... eles se dobraram e começaram a gritar:"Glória a Deus! Aleluia!" ...eu nada entendia e fiquei coagida num canto, assustada, com olhos arregalados apenas esperando eles voltarem para mim, pois eles pareciam loucos...até que uma mulher se aproximou e disse-me:"Menina, você disse que veio do outro lado do monte, como isso é possível? Nós estamos tentando, esperando, fazendo de tudo para ir até o outro lado do monte e jamais conseguimos, pois só os merecedores serão enviados para lá...como vc foi sair de lá e vir para cá?" Eu respondi, sinceramente:"Minha curiosidade, queria saber o que tinha do outro lado e vim caminhando e cheguei aqui, agora não sei voltar!"...A mulher foi até o grupo e contou-lhes o que eu havia dito, e eles meio que sem acreditar disseram que tentariam me ajudar... então, me levaram até uma casa de oração e lá estava um senhor vestido de preto e branco e contaram-no o ocorrido, o senhor dirigindo-se até a mim com sorriso pacífico na face, tocou-me o rosto e disse:"Minha cara, fique conosco esta noite, durma aqui tranquila e amanhecerás em casa, se assim você crer!"...Eu não entendi...se assim eu crer?...acordarei em casa?... porém, não havia outra alternativa, meu desejo era estar em casa, no meu mundo, minhas cores, a relva o vale, mamãe... necessitava respirar... então, eu disse ao senhor:"Sim, eu ficarei e aguardarei o amanhecer!" ... O senhor olhando-me docemente sorriu e me disse assim:"Minha jovem, nada nesta vida é em vão, você vivia em um paraíso e a sua curiosidade te trouxe até este lugar, onde há sombras, dores e temores, porém havia uma pequena dose duvidosa de fé, então, você com sua curiosidade passou para cá e se perdeu e caiu justamente nas nossas mãos, um povo de uma fraca fé que já não havia mais nada para se segurar, agora nossa fé está restaurada, pois sabemos que um dia podemos estar no lado colorido da vida, basta crermos; agora feche seus olhinhos e adormeça que tão breve estarás em casa." ...Assim o fiz mas, antes não pude evitar, dei um beijo na face daquele senhor e disse a ele que pessoas como eles não poderiam sofrer tanto e que era desejo do meu coração que vivessem como eu vivia; e adormeci... Ao acordar lentamente com lambidas na face, meu cãozinho Pelússio fazendo uma enorme festa, eu estava à beira do lago e eis que tudo se fazia colorido novamente, tudo estava lá, o monte verdejante, a relva, a minha casinha lá no fundo e minha mãe olhando de longe sobre as pontinhas dos pés a me gritar... levantei e saí correndo com toda velocidade que tinha nos pés e corri, corri, corri ao encontro dos braços da minha mãe e ela sorrindo disse:"Filha, como você dormiu na beira do rio, estou gritando a horas para vir almoçar." ...eu feliz da minha vida, respondi:"Sim, mamãe, eu estava sonhando...eu acho... mamãe, nunca mais quero sair do nosso mundo, nossos vizinhos, nosso povo... porque eles são coloridos e eu descobri um povo sem cor." ...Minha mãe me olhou firme nos olhos e disse:"Filha, esse povo necessita de nós, eles precisam encontrar a cor de suas vidas, e nós somos a esperança para eles, jamais podemos abandoná-los, oremos sempre por eles!" ...E me abraçando, me conduziu para dentro de casa, e aquele aroma agradável de comida fresca... quão bom estar em casa novamente!
**As vezes vivemos num paraíso e nem damos conta, porém quando perdemos parte desse paraíso é que podemos avaliar o tamanho de nossa "riqueza"!
06/11/2011