Os Sonhos de Bela
Bela é loira, tem olhos azuis, um metro e setenta de altura, corpo bem torneado, 18 anos. Um fato, no entanto, torna a vida dessa moça muito diferente que a das outras moças. Uma vez por mês, ela dorme, sem acordar, cinco dias, um sono profundo, incapaz de ser interrompido.
Cada mês, ela sonha sempre com um homem. Em um de seus sonhos aparecia um moço de boca exageradamente grande. Quando ele falava, as nuvens tremiam, pareciam ressonar pelo mundo inteiro. E dizia: -“Venha, minha Bela, vim buscá-la para um mundo encantado, cheio de árvores, flores”. -“Tenho medo, me ajude, tenho medo de sua voz, não de você. Onde estão seus olhos?”, ela respondia. Ora, ele voltava a falar: -“eu venho de campos floridos em busca de uma menina perdida”. -“Não, não, não, eu não sou perdida -gritava Bela -“Eu não vou com você, sua voz precisa se acalmar, tornar-se dócil”. -“Mas eu devoro você” -disse o rapaz. Quando o homem abria a boca, e Bela já estava sendo engolida por ele, ela acordou de seus cinco dias do mês.
Estranho, nesta personagem, é que dormia muito e acordava exausta. Seus sonhos a deixavam sempre intrigada, inquieta e em vão tentava compreendê-los sem conseguir. Ela era muito só. Seus pais eram muito severos e fechados. Dois irmãos haviam casado. Apenas Nilda, uma amiga de infância a visitava. Com ela, Bela falava de seus sonhos. Quase sempre Nilda ria muito deles, levava na brincadeira.
Surpreendente é que cada um de seus sonhos funcionava como um despertador acordando-a. Veja este por exemplo: Bela ia caminhando por uma estrada comprida e plana, de repente apareceu um homem que virava caracol e falava sem cessar: -“Bela, Bela, tu és a mais Bela”. -“Pare -gritou a moça interrompida em seu caminho- eu estou procurando um olhar capaz de dizer que sou mulher”. O caracol em que o homem havia se transformado respondeu. -“Eu procuro você para que possa me ajudar a voltar à minha forma única de homem. Venha, enrosque-se em mim e me jogue sua saliva para que eu me cure”. Bela não acreditou no caracol e o xingou: -“Bicho do mato, seus olhos são horríveis, não posso salvá-lo”. Então o homem-caracol se jogou para cima dela. Na queda, antes que pudesse chegar ao chão, Bela acordou.
Essa moça sofria ao viver seus cinco dias perdidos em sono e sonhos. Todo plano que pudesse vir a fazer era interrompido por sua ausência de cinco dias. Apenas conseguiu entrar para uma aula de dança. Ali, ela se soltava como se fosse uma bailarina. Os dias brancos se preenchiam. A dança vinha como uma corrente do vento, ora como uma tempestade. Era mansa e voraz. Ali ela parecia curar-se dos seus cinco dias de partida para o mundo do sono.
No entanto, não se livrava dos seus cinco dias de fantasia, que vinha sempre.
Nesta fantasia, Bela voava, suas asas eram muito grandes, mas leves. Da altura que se encontrava viu um homem na terra. Ele estava sobre um cavalo branco, muito bonito, seus cabelos escorriam até o chão e não usava arreios. A distância não a impediu de vê-lo: ele era alto, forte e moreno claro. No entanto, ela queria olhar os olhos do cavaleiro e não conseguia. Tentava abaixar seu corpo e suas asas permaneciam presas nas alturas. Sentia uma agonia imensa, naquela luta, em busca dos olhos daquele desconhecido. Quando por fim, conseguiu enxergar duas chamas de fogo saindo dos olhos do homem. Neste instante começou a cair. Acordou. Passaram-se mais cinco dias de sono.
Seus pais, dentro de suas seriedades, preocupavam-se com a vida sonífera de Bela. Eles já a haviam levado em todos os tipos de especialistas para que pudessem ajudá-la a dormir normalmente. Tudo era em vão. A ciência não explicava. Bela continuava a viver dias brancos, dias de dança e dias de sono.
Um sono, porém, trouxe algo de novo para Bela: ela estava na calçada de sua casa, quando chegou um rapaz comum. Ele pediu: -“Moça, eu gostaria de conhecer você.” -“Por quê?” ela respondeu. -“Porque a vi dançando e nunca a tirei de meus pensamentos. É como ficar lembrando um pássaro a dar voltas pelos ares e assobiando uma linda melodia”. Até então Bela não havia olhado diretamente para o moço, só ouvira suas palavras de soslaio. Quando se virou, seu coração acelerou, gelou seu estômago; nos olhos dele viu dois diamantes.
Naquele dia acordou diferente, era como se vivera em busca de um olhar que a arrebatasse. Dessa vez não sentiu dor, não sentiu cansaço. Apenas a esperança: dormiria tranqüila. Ela tinha encontrado o que seus sonhos pediam, um olhar que revelasse alma.
No outro dia, foi para aula de dança e havia um rapaz novo matriculado. Os dois se olharam como se em seus olhos tivessem ímãs. Bela voltou para casa encantada. Em todas as aulas se olhavam. Cada momento, revelava-se mais uma bailarina pássaro. Assim a moça do sono de cinco dias passou a sonhar com o colega de dança. Ele era dono daquele olhar. Passaram a se falar. Ora conversavam sobre a natureza, ora discutiam sobre o sentido da vida, brincavam com a vida, a vida brincava com eles. E era nada melhor do que viver a inocência. A inocência de seu próprio tempo.
A angústia de dormir os cinco dias voltou. Portanto, agora ela sonhava com alguém que conhecia o olhar. Seus sonhos não mais vagavam em busca de olhos das figuras transfiguradas. Sonhos não são como estar vivendo de olhos abertos, mas com olhos fechados vive-se muito a matéria dos olhos abertos. Tudo por um olhar certeiro.