Alma de Fogo
(do universo de Aera, o mundo dos Deuses Ventos)
A deusa do vento ardia de desejo, e fecundou as nuvens de tempestade com o brilho do relâmpago. O raio se precipitou contra a grande Copaíba, que tombou ferida, mergulhando na escuridão da noite da selva.
Do corpo da árvore morta, uma chama ardeu.
A fada-centelha ergueu o rosto para as copas escuras. O ar fresco da noite deu-lhe oxigênio para beber, e a vida trouxe-lhe a fome, fome de recém-nascido. Avançou sobre o ninho com ferocidade, e em poucos minutos cresceu, consumiu a árvore morta e se ergueu. O corpo tomou forma, voluptuosa forma feminina, de seios fartos e curvas ardentes como o calor que irradiava. Nuvens rugiam no céu, mas nenhuma gota ameaçava a liberdade da jovem fada de fogo.
Saltou entre as árvores.
Por onde passava, seu corpo se alastrava, lambia as árvores e estalava os galhos secos. Galgava as colinas e crescia conforme caminhava, inflando com a floresta ardendo em seu seio.
A deusa do vento estava furiosa, espalhava o fogo. Os animais pressentiram a desgraça do incêndio e correram de seus ninhos. As fadas-arbusto fugiram desesperadas, descendo os vales rumo ao abrigo dos rios. Os homens das matas soaram o alerta, abandonando suas casas-árvores. O vento urrava e espalhava as chamas, trovões roncavam, e foi com desesperado alívio que a floresta viu as primeiras gotas caírem.
A tempestade tomou todo o céu. A fada de fogo, agora adulta e poderosa para resistir à chuva, ainda se alimentava da selva, espalhando suas filhas, suas chamas. Feriu-lhe o orgulho descobrir que seu toque murchava a vida do seres, que sua caminhada desesperava plantas e sua presença afugentava animais. Irou-se. Estendeu os braços, agora gigantescos, e abraçou a floresta que a rejeitava. Ordenou às filhas que se espalhassem e honrassem o chamado da mãe-vento. Tornou-se tão grande que quando se ergueu, seu vulto tocava as nuvens de chuva.
A tempestade ganhou força, derramando-se sobre as árvores e sobre a fada-incêndio, e finalmente iniciou sua oposição ao fogo. Sentindo o beijo gelado da chuva, a fada tentou atacar as nuvens, mas o vento, antes maternal, açoitou-a com chibatas de água, sangrando suas costas com sangue-fumaça. Ela chorou labaredas vermelhas, repreendida pela própria mãe que a incentivara. A fumaça empoçou negra no céu, e o fogo diminuía. A fada-incêndio viu suas filhas, mais frágeis, murcharem e se extinguirem, enquanto seu próprio corpo enrugava e diminuía.
Envelhecia.
O frio aumentou e seu corpo desmanchou-se em focos menores, que logo foram vencidos pela tempestade. Diminuiu, perdeu o vigor, e quando encolheu até ser escondida pelas copas queimadas, pensou com tristeza na sua curta vida, nas filhas perdidas, na rejeição da mãe. Pensou no repúdio da floresta.
Com um suspiro de angústia, extinguiu-se.
A deusa do vento estava triste, e velou com chuva branda a morte da filha. Dias depois, ela sopraria as cinzas do incêndio, dando espaço para que os brotos das novas árvores crescessem, honrando a memória de sua mãe-fogo, que matou e morreu para que pudessem viver.