Capim barba de velho
Todos os dias pela manhã o rapaz se olhava no espelho e percebia, desanimado, que a barba estava por fazer. Ensaboava o rosto e passava a lâmina com cuidado, realizando um minucioso trabalho para deixar o rosto bem liso. No dia seguinte, porém, a barba espessa já apontava de novo. Era pior do que o capim do roçado. Não importavam as estações do ano, se era o tempo das águas ou da seca; ela aparecia todos os dias e, não tratasse de eliminá-la, tomava-lhe o rosto com uma rapidez impressionante.
Um dia, decidiu parar de barbear-se. Juntou lâminas, aparelhos, espumas, loção e lançou tudo num cesto de lixo. Saiu sentindo-se completamente livre; no rosto, apenas uma coloração sugestiva de barba por fazer. No segundo dia, podia sentir a aspereza dos pêlos ao deslizar as mãos no rosto. A sensação era boa e ele continuava resoluto: nunca mais voltaria a se barbear.
Cada dia que passava sua barba crescia mais e mais. Assim passaram-se os anos e ele se tornou barbudo. A barba lhe atingia a altura do peito e ele nem mesmo a aparava. Depois, ela lhe roçava o umbigo, mas ele não se importava. Fazia-lhe cócegas, dizia. Então ela lhe chegou aos joelhos e, com o passar dos anos, já lhe roçava os pés. Pouco tempo depois, teve de ir enrolando as pontas da barba, pois já tropeçava nela ao caminhar.
Envelheceu, a barba tomou uma coloração acinzentada e ele a carregava enrolada debaixo dos braços com alguma dificuldade. Mesmo velhinho a barba não parava de crescer. Quando dormia na rede, fazia dela um imenso travesseiro e, se fazia frio, ela lhe servia de cobertor.
Um dia, já bem velhinho, adormeceu enrolado na barba e nunca mais acordou. Os parentes e vizinhos lhe encomendaram um caixão e se juntaram no velório para comentar trivialidades. Ao tentarem colocar o corpo no caixão, ele simplesmente não cabia com a barba. Se conseguiam colocar toda a barba, não sobrava espaço para o corpo; se colocavam o corpo, a barba ficava de fora. Ficaram assim por algum tempo; ora colocavam o corpo no caixão, ora tiravam o corpo e colocavam a barba.
Era necessário realizar-se o sepultamento do corpo, então, decidiram fechar o caixão com a barba a sair pelas laterais. E era tão longa e espessa que os sete metros de profundidade da cova quase não foram suficientes para cobri-la. Algumas poucas pás de terra e o caixão estava coberto.
Passaram-se os dias e quem visitava o cemitério começou a notar um capim acinzentado, seco a alastrar-se pela cova. E o capim não parava de crescer, tomando conta de todo o cemitério. O coveiro até que aparava, mas o lugar ia sendo tomado pelo capim, que passou a ser chamado capim Barba de Velho.
Kelly Vyanna.