Alkium Talak
Após algum tempo de treino seus ouvidos escutaram passos de cavalo aproximando-se, porém ele decidiu não prestar atenção naquilo e continuar o que estava fazendo. Todavia isso não foi possível, pois alguns homens entraram no local. Todos trajavam uniformes vermelhos, botas e quepes pretos e carregavam compridas armas de madeira e ferro. Um deles que parecia ser de uma patente maior, usava também um colete branco com três medalhas em seu peito, sendo que uma particular chamara a atenção de Alkium. Era quadrada, feita de prata, no centro possuía uma pinta de jaguar e estava presa por uma fita preta que possuía uma faixa branca no centro. Este homem ficou a frente dos outros e perguntou:
— Você é Alkium Talak?
— Sim. E você seria? — Perguntou sem dar importância.
— Ocelot Quozum Erâm. Capitão do vigésimo quinto batalhão do exército de Zuir. Viemos até Valvert para que seja cumprido o tratado assinado a dois anos entre nossos povos.
— E que tratado seria este? — perguntou ele demonstrando confusão.
— Que nessa data os trinta melhores soldados desta cidade, da tribo Porás, se alistariam em nosso exército, e pelo que vejo você é o melhor dentre todos. — Respondeu.
— Sim. — Caminhou até um lugar para guardar o florete — Poderia até dizer que sou melhor que seus soldados. Se houver tempo podemos comprovar isto.
— Há algum tempo sim, porem gostaria de saber como se sai contra mim com uma de nossas armas. — Comentou ele.
— O florete ou o arco?
— A pistola.
— O que é isso? — Perguntou Alkium.
— Você verá por você. Vamos? — Falou apontando a saída.
— Vamos.
Todos saíram. Pelo caminho onde estavam poderiam ver como era a arquitetura do lugar: uma grande casa feita de madeira que se ligava a outras casas semelhantes por túneis que passavam por dentro de árvores gigantescas. Tudo isso formando um circulo gigantesco com uma clareira no centro. Esta era uma típica cidade Porás, e estes valorosos guerreiros de compridos cabelos vermelhos nunca se deram bem com Zuir, o Reino-de-Ferro. Contudo tempos difíceis os levaram a uma convivência mais próxima e até uma promessa de aliança.
Ao chegarem à clareira os soldados ficaram ao lado de Talak e Erâm e lhes ofereceram suas pistolas.
— Soldado. — Respondeu o oficial Erâm em tom de agradecimento.
O Jovem Porás observou aquele artefato e descobriu que não fazia nem idéia de como o utilizava. O capitão vendo sua confusão lhe disse:
— Daremos tiros de teste e depois veremos o que ocorre. — Pegou uma das pistolas, fez mira, — É um pouco barulhento. — falou e disparou.
O som seco da explosão fez com que alguns se assustassem, porem Alkium pegou a sua e sem olhar muito para o alvo fez seu disparo. O tiro acertou o canto do alvo e então disse:
— Bastante barulhenta e não me parece tão eficaz.
— Então vamos para a disputa de fato — Falou o Ocelot.
— Sim, vamos. — concordou o outro.
Dois soldados deram a eles pistolas carregadas, então Erâm olhou para o alvo e disparou. O tranco da arma não pareceu forte o suficiente para desviar sua posição, entretanto ele acertou apenas um dos círculos laterais. Talak falou:
— Minha vez — Apontou sua arma, viu o centro, pensou no peso em sua mão, no vento, na linha no alvo e sua bala fez um furo no centro do alvo. — Acho que sou bom o bastante nesta também.
— Felicitações, creio que não há entre todos os Porás alguém com uma mira tão admirável. Ficaremos felizes em tê-lo em nossas forças.
Alkium fiou um pouco contrariado com aquela informação, pois nunca tivera a intenção de lutar pelos interesses de ninguém. Pensou nisso por um breve instante e com secura disse:
— Não estou certo se disso.
Quozum Erâm ficou bastante irritado com aquela afirmação. Ele iria negar aquele tratado? Apenas um selvagem estúpido , "como ele podia falar aquilo a um Ocelot?". Então disse a ele ironicamente:
— Tem planos melhores?
— Não senhor, porem não gostaria de servir a interesses de qualquer um. Sirvo a mim e a meu povo — Disse com veemência. — e isto não é negociável.
Nesse momento os soldados já estavam dispostos a interferir, mas o Ocelot levantou sua mão. Ele disse:
— Eu e meu amigo Talak poderemos resolver isso... da melhor forma possível, — Seus olhos se encheram de fogo — não é?
— Irei até lá com vocês, porem lutarei apenas se achar necessário. — Falou e saiu da clareira para pegar seus mantimentos de viagem e arrumar a bagagem.
Parou em frente a uma porta, era o gabinete do líder da cidade, Alkium bateu e ouviu este mandá-lo entrar. Entrou e fechou a porta, estava em um pequeno cômodo feito de madeira, com um tapete azul no chão e uma mesa. Atrás desta estava Ocelot Vicar, que possuía a mesma medalha que Quozum Erâm. Era um Porás alto e magro, que ainda possuía um olhar ameaçador, contudo isto destoava de seu modo de agir. Suas roupas possuíam traços de vestimentas de seu povo, porem eram mais semelhantes às dos humanos, característica de qualquer burocrata em Valvert. Ele olhou para o jovem e disse:
— Soube de sua briga com o capitão.
— Não recebo ordens de pessoas como ele. — Falou, cruzou os braços e esboçou uma expressão de desprezo.
— Não posso dizer que discordo de você, pois esse é nosso modo de fazer, — Tentou se manter mais sereno — contudo talvez não seja o melhor modo de fazer.
— Eu irei, mas não tenho certeza se lutarei. — Pensou um pouco. — Verei com os outros escolhidos, quem sabe eles possam ter opiniões menos... Decididas. Até a volta líder Ocelot Vicar. — Fez uma reverência e saiu.
Após alguns dias estava em seu cavalo junto com os outros vinte e nove escolhidos indo em direção ao acampamento do exército de Zuir próximo à Sarina. Eles iriam lutar com uma legião de soldados vindos de Retsom. Cavalgavam por entre árvores gigantescas e perto de precipícios próximos do oceano, as folhas caiam e em alguns momentos paravam em seu cabelo. Um Porás que havia decidido deixar seu cabelo curto riu e comentou:
— Deviam cortar estes cabelos, pois lutaremos ao lado de humanos.
Um outro, chamado Rohun, respondeu com sarcasmo:
— Meus inimigos têm que saber a quem temer! Além do mais não quero me assemelhar a um deles. — Virou—se na direção em que ia e calou—se.
Alkium estava vagando em seus pensamentos, tentava descobrir se devia lutar ou não. Aquela guerra não era sua e nem de seu povo, ele nem mesmo concordava com aquilo. Sua força estava em subjugar seus oponentes pelo prazer da vitória, entretanto vencer naquele momento poderia significar perder. Ele já havia matado um ou dois guerreiros do povo de Retsom, contudo naquela guerra eles não lhe pareciam os piores, pois apesar de ter os Porás como inimigos eles os respeitavam como guerreiros. Mas o Reino-de-Ferro era em grande parte feito de burocratas sem honra ou coragem, talvez ele fosse lutar em nome de tudo o que odiava. Cessou de pensar e se dirigiu à Rohun:
— Por que luta? — Pensou um pouco e reformulou sua pergunta — Pelo quê luta?
— Por minha honra. Ir contra o tratado prejudicaria nosso povo. Você deveria parar de se fazer estas perguntas e ser mais sóbrio em sua conduta, ao menos neste momento.
Ambos decidiram calar—se e seguir tal conselho. Cavalgar sem pensar, apenas continuar, somente prosseguir. Rohun rompeu o silêncio e disse:
— Estamos perto. — E então se calou de uma vez.
Eles se aproximavam do acampamento e viam ao longe uma série de pequenos pontos que significavam a proximidade do inimigo, no entanto era um número muito superior ao esperado, provavelmente cinco inimigos para cada soldado aliado. A comitiva dos Porás chegara trazendo uma força extra, mas isso não significava muito. Alkium desmontou e foi se preparar para o combate, enquanto o fazia ouviu dois homens conversando:
— Ao que parece eles estão atacando com todas as forças que possuem, nossos batalhões não conseguiram invadi-los e desta forma se eles passarem por aqui provavelmente chegarão até nosso reino.
— Será que ele realmente...
Ao terminar de se trocar ele foi para junto de seus companheiros esperarem pelo inimigo. Sua mente se tornara plena de uma hora para outra e de forma alguma ele sairia deste estado de paciência. Montou em seu cavalo, preparou seu arco e testou a corda para saber como estava a tensão desta. Em pouco tempo o exército inimigo alcançara o acampamento, fazendo com que o conflito se iniciasse.
Um exército cavalgava em direção ao outro, havia tiros e sons de espadas se chocando. Rohun tentara avançar entre alguns soldados e conseguiu cortar algumas cabeças enquanto cavalgava, mas foi acertado por um tiro na cabeça e caiu morto. Alguns conseguiam correr entre muitos inimigos e derrubá-los, entretanto cada um ia sendo abatido. Um caiu do cavalo, correu em direção ao inimigo e com um tranco o derrubou do cavalo, apenas para ser recebido com uma bala na cabeça. Um outro se ocupava com um combate de espada contra dois soldados, e com um movimento rápido conseguiu cortar a cabeça de um, girar e defender o ataque do outro. Com um outro movimento derrubou este no chão e o matou, assim conseguiu voltar a seu cavalo e prosseguir. Na frente dele passava Alkium, mais rápido que alguém poderia supor ele ia avançando em meio a um mar de inimigos, até que um destes conseguiu colocar uma pistola em sua cabeça. Entretanto isso só serviu para que o outro Porás passasse com seu cavalo e novamente fizesse um movimento rápido com a espada, decepando a mão do adversário. Dando assim espaço para que o avanço continuasse, e deste modo Talak pôde desferir alguns ataques precisos que o fizeram atravessar o campo de batalha quase inteiramente.
Ele olhou a sua frente e viu o único que poderia acabar com aquela guerra. Era um excelente guerreiro, porem o destino destes sempre é perecer nas mãos de alguém de igual valor. O jovem Porás saltou em direção a este e disparou contra o peito dele. Segurando o corpo ainda quente do adversário Alkium gritou para todos:
— Eis o cadáver de seu rei! Ninguém mais deve continuar lutando!
A batalha se encerrara, boa parte dos inimigos largaram suas armas e fugiram aceitando sua derrota, o Reino-de-Ferro comemorava aquela imprevisível vitória, mas o herói possuía, de novo, tempo para pensar, para saber no fundo de seu peito que havia vencido uma batalha e ao mesmo tempo perdido uma grande guerra. Sabia que agora seu povo caminharia sozinho em um mundo sem honra.