O Divórcio da Dona Baratinha
Era uma vez, uma Baratinha que varrendo a casa achou um vintém, comprou uma fita e amarou no cabelo, feliz saiu a procura de um marido. Depois de uma longa procura encontrou o seu ”rato” encantado, noivaram e prepararam-se para o casamento, mas no dia do casamento, Dom Ratão, levado pela tentação do feijão, acabou caindo na panela da feijoada...Mesmo assim casaram...Depois do casamento e das inúmeras cirurgias plásticas que Dom Ratão precisou fazer, após cair na panela da feijoada que seria servida na recepção após a cerimônia do seu casamento, Dona Baratinha e Dom Ratão foram felizes para sempre. Mas o sempre, um dia acabou.
O Dom Ratão entrou na crise da meia-idade, começou a fazer ginástica e a freqüentar barzinhos no fim da tarde, após o trabalho. Ela estranhou e perguntou-lhe o que estava acontecendo. Ele respondeu que precisava mudar, pois a velhice estava chegando e não queria acomodar-se e esperar pela morte, deu-lhe um beijo na testa e foi para a aula de artes marciais. As mudanças começaram a incomodá-la, ele nunca estava em casa e sempre desmarcava os compromissos com ela. Passou a entristecê-la ter que dar sempre uma desculpa para sua ausência.
Um dia, Dona Baratinha foi lavar roupa e, em um dos bolsos dele, havia um cartão do Motel Vida Selvagem e um bilhete: “Ratinho, amanhã não vai dar, me liga. Beijos. Gatinha Malhada”. Choque, dor, raiva, as sensações misturavam-se.
Automaticamente, anestesiada, foi fazer o almoço. Batia os bifes com tamanha força, que se escutava o barulho lá da rua. Em cada bife, visualizava uma parte do Dom Ratão sendo esmagada. Tomada pela raiva, preparou os bifes com molho especial.
Quando ele chegou, a mesa estava impecável e o aroma dos bifes invadia a casa. Ele sentou-se à mesa e ela trouxe o prato principal. Que susto! Junto com os bifes, estavam lá, picadas e ensopadas, suas gravatas italianas. Quando ele esbravejou e perguntou-lhe o que estava acontecendo, ele entregou-lhe o bilhete e o cartão em um silêncio que fez com que os pêlos do seu rosto arrepiassem. Ele negou, chorou e finalmente assumiu a culpa. Pediu perdão afirmando que “a carne é fraca” e jurou que nunca mais iria encontrá-la, que fora um caso de momento. Depois de assistir a toda a ladainha calada, disse calmamente:
- Vamos nos separar e vou querer todo o dinheiro da caixinha, que foi usada como dote, com o qual pagamos suas plásticas. Virou-se, pegou suas malas e saiu. Ele ficou estarrecido, pois jamais esperava algo parecido de sua baratinha.
Ela foi ficar com sua amiga Joaninha. Dona Baratinha contou para a amiga tudo que “aquele um”, agora ela chamava Dom Ratão assim, tinha feito. Juntas, descobriram que a Gatinha Malhada era estagiária no escritório dele e que tinha metade da sua idade.
Os dias foram passando e ela não decidira o que fazer. Sabia que poderia voltar para a antiga casinha, mas não se achava mais capaz de ir para a janela com uma fita na cabeça e cantar até conseguir um marido. Nem queria mais marido. Para que arrumar outro se “aquele um” só lhe atrasara a vida.
Joaninha levou-a num barzinho para que conhecessem novos bichinhos e para alegrá-la um pouco. Dona Baratinha, com o fim do casamento, perdeu alguns quilinhos e ela entrou em um vestido preto que, há algum tempo, não conseguia mais vestir. Aquela tragédia trouxe algo de bom, manequim reduzido, Que baratinha não ficaria feliz com isso.
Chegando lá, reconheceu alguns bichinhos amigos “daquele um”. De repente, um touro sarado, mas coroa, aproximou-se e foi se apresentando:
- Sou Doutorão.
E perguntou se ela freqüentava o bar. Ela segurou-se para não rir, seguiu-se uma lista, que parecia infinita, de suas qualidades atléticas. Enquanto falava, os músculos de Doutorão mexiam-se como se pulassem pra fora da pele, estava cada vez mais difícil de controlar a risada. Olhando em volta percebia que não tinha mais clima daquele tipo, diversão para ela era algo melhor que exibir seus dotes ou perfilar suas qualidade, queria dar boas risadas, olhar nos olhos da pessoa com quem falava, sem precisar fazer caras e bocas. Decididamente, não era ambiente que ela voltaria a freqüentar.
Dona Baratinha voltou a morar em sua antiga casinha. Divorciou-se e voltou a assinar o nome de solteira, que, quase, já havia esquecido como era bonito. Baratinha Cascuda. Desistiu definitivamente dos barzinhos da moda, mas encontrou lugares muito interessantes, onde encontrava pessoas que eram como ela, maduras e felizes, sem máscaras. Voltou a trabalhar e estudar. Está feliz e cheia de planos.
O Ratão tentou, algumas vezes, reatar. Mas ela estava decidida. Não quis voltar a viver junto com ele e pediu o divórcio. Gatinha Malhada terminou com ele e casou-se com Doutorão, nas Bahamas, em uma cerimônia budista. Dom Ratão está namorando uma ratinha que é recepcionista da casa do Mickey Mouse e fez mais algumas plásticas, agora por pura vaidade. Continua buscando maneiras de enganar a velhice. Nunca conseguiu entender que devemos descobri-la e aprender com as mudanças, com a chegada de cada idade, aparece algo novo, nos tornamos novos também , mas de uma maneira que nada tem a ver com validade e sim com qualidade. Dom Ratão passa tentando evitar o envelhecimento, como se isso fosse possível. Envelhecer é apenas caminhar pra frente.