104 – AMANHÃ... TALVEZ...
Ando tão cansado da vida, tudo me pesa e irrita, revolta surda contra o que me cerceia, o que tenho a fazer deixo sempre para o amanhã, e o amanhã se transformou em um lixão, um depósito das coisas por fazer, isto não me espanta, pois o que mais espanta é ter alguma coisa pra fazer, nada fazer é o desafio, em nada me envolver, de nada participar, longe de mim, perdidamente longe de mim, sinto, sonho.
Nesta indiferença a tudo e a todos, caminho, só caminho só tal qual um morto vivo!
Não!
Morto estaria se me sentisse só, só caminho só, mas não me sinto só! Sinto-me muitíssimamente bem nesta na solidão, sem ser perturbado e não perturbando a solidão de ninguém, leio, gosto de ler, muito, também gosto de escrever, hoje sem inspiração alguma a nortear, das emoções desprovido volto só caminhar só.
Não sou feliz, muito menos infeliz, nem sou alegre, nem triste, o que mais quero estar à margem dos acontecimentos.
Pouco me importa se os políticos são corruptos, pouco me importa se o real valorizou ou se desvalorizou diante do dólar, pouco me importa se o mercado de ações está levando tantos à ruína e tão poucos à fortuna, pouco estou me lixando se o time do meu amigo foi o campeão e se o meu time preferido foi o derrotado, se me fazem perguntas só respondo o essencial, não estico conversas.
Pouco me importa se na política a esquerda ou a direita esta no poder, altera alguma coisa?
O que importa é que nada me importa e não me sinto só, bastam-me os meus sonhos, sonhos que se realidades fossem a minha vida também seria um sonho, seria feliz, mas a realidade minha escorre por entre o fustigar das horas na indiferença dos olhos meus cansados de latejar nas mesmíssimas facetas das rotinas do dia a dia.
Somos escravos dos compromissos, escravos das necessidades, escravos das etiquetas.
Meu corpo tão limitado, meu cárcere, minha infelicidade, o meu pensamento esfuziante a minha liberdade, tão amplo, tão ilimitado, é nesta metamorfose pungente que me vejo, sou uma sombra assombrada que se desbrava por entre um emaranhado de subterfúgios na procura de um elo perdido, a felicidade.
Vagamente na mente da sombra persistem resquícios de momentos felizes sonhados que em saudades indefinidas pulsam e se escondem, mas isto também pouco importa ou nada importa, o que importa é que amanhã eu me encontrarei, sinto uma imensa saudade de mim, sei que a felicidade é o único elo capaz de unir, de soldar esses dois mundos meus, o que sou e o que sonho, tão díspares e tão antagônicos, amanhã talvez eu consiga encontrá-la, dos olhos que eu consiga arrancar as chagas e as cegueiras e nos olhos de quem me trará a felicidade, refletido neles eu me encontre, me veja, e que gostando dela eu volte a gostar de mim...
Amanhã talvez... Eu a encontre...