Os Filhos da Puta: Parte 2

Não houve tempo para pensar.

O próprio céu parecia um misto de escarlate e laranja, e o crepúsculo se misturava com as cores das chamas que subiam e engoliam as paredes de madeira do Casarão, se movendo de forma caótica conforme deixavam seu rastro de combustão. Pequenos pedaços acesos e cinzas dançavam pelo ar, como vaga-lumes, apagando-se logo em seguida, tão rápido quanto surgiam.

Um grande grupo de pessoas, a maioria vestindo mantos e capas, com estandartes da guarda e dos Bons Homens, além de tantos outros curiosos, observava a cena de perto, apesar do calor. Suas sombras se projetavam para trás e iam e viam conforme a luz mudava de intensidade, e talvez algumas delas estivessem portando baldes e jarros com água, mas ninguém parecia estar fazendo nada a respeito daquilo. Observavam aquilo como se fosse um espetáculo, e sequer notaram os garotos que haviam chego por trás deles, por um beco estreito.

Ernand não soube quem correu primeiro. Ele apenas sentiu suas pernas se moverem, e uma agitação ao seu redor. Alguém vinha ao seu lado, mas ele não viu quem era.

Nardo, de muito atrás, gritava algo, mas ele não ouvira. Atravessou a pequena multidão. Sentiu uma mão tentar agarrar seu ombro, mas conseguiu desvencilhar-se no ultimo momento. Em seguida, uma figura grande cobriu seu campo de visão e tentou bloquear seu caminho, mas ele desviou-se desesperadamente e empurrou-a para o lado. O calor só aumentava a cada passo que dava, mas ele seguiu.

Já estava na frente do Casarão. Mais alguém tentou impedi-lo de avançar, e dessa vez era um guarda. Ele colocou o cabo de sua lança – ao menos Ernand imaginou que fosse uma, mas poderia ser qualquer arma de grande porte, ele não viu – e fez o garoto tropeçar. Por um momento, tudo pareceu perdido, mas Rhyde surgiu, como que de lugar nenhum, e derrubou o guarda com o ombro. Ambos começaram a rolar no chão, e antes que qualquer outra coisa pudesse acontecer, Ernand pôs-se de pé, e continuou a correr desesperadamente na direção das chamas.

Mais gritos. Mais avisos. Alguém gritou “NÃO!”, mas ele não deu atenção.

Precisava do seu livro.

Se as portas um dia estiveram fechadas, não mais importava. Haviam desabado, ambas caídas no chão, quebradas em vários pedaços e quase que completamente tomadas pelo fogo. Ernand atravessou o vão e seus olhos arderam. A fumaça era densa do lado de dentro, fazendo-o tossir, e ele mal conseguia ver qualquer coisa, entre ela e as chamas, que subiam pelas paredes e tomavam o chão.

Mas não precisava ver. Conhecia o Casarão tão bem quanto conhecia cada página daquele livro que guardava com tanto cuidado, escondido no quarto que compartilhava com os irmãos. Avançou a passos rápidos, cobrindo a boca com as mãos e a camisa, pulando uma cadeira que havia caído e se tornado alimento para a chama, para então chegar ao pé da escada, onde o corrimão inteiro rapidamente se tornava uma muralha de fogo do seu lado direito.

Um ultimo aviso de uma voz desconhecida veio do vão da porta, mas ele também ignorou. Subiu.

Ernand afastou-se o máximo possível do corrimão enquanto subia, mas o calor e a fumaça deixavam-no tonto, e ele tinha que se apoiar em algo. Tentou colocar o braço na parede a sua esquerda, onde o fogo ainda não havia conquistado mais do que algumas pequenas partes, mas assim que o fez teve que afastar-se; estava quente demais para o toque.

Passou pelo primeiro andar, e a fumaça parecia ainda mais forte e densa. Tropeçou em um pedaço de madeira quebrada no chão, e por pouco um tanto do teto não desabou sobre si. Arrastou-se por mais alguns degraus e num esforço imenso colocou-se de pé, tossindo, apenas para novamente tentar se apoiar na parede e queimar a mão.

Naquela altura, o corrimão parecia quase que livre das chamas, mas desabou assim que ele colocou seu peso, o garoto estava novamente ao chão.

Respirar se tornava cada vez mais difícil, e sua cabeça ia ficando cada vez mais leve, enquanto parecia pouco a pouco perder a sensação do chão sob si. Ernand não queria desistir; nunca, em toda a sua vida, havia querido algo tanto quanto salvar o livro que havia ganho do seu pai daquela súbitas chamas, mas sentiu que não iria conseguir avançar mais nem um centímetro, embora de alguma forma ainda o estivesse fazendo. Suas mãos fracas tentavam alcançar o ultimo degrau da escada que o levaria até o segundo andar, onde seu quarto ficava, mas ele parecia mais distante do que nunca.

Abaixo de si, as chamas subiam cada vez mais rápido, e ele podia sentir o fogo beijando a ponta dos seus pés.

“O livro.” – Pensou, quando nada mais conseguia pensar, e arrastou-se, sentindo um gosto amargo subindo-lhe pela garganta e seus pulmões queimando enquanto tossia. Os cotovelos e joelhos sangravam e ardiam, e por toda sua pele exposta queimaduras surgiam em carne viva, e suas pequenas roupas de garoto pobre nada faziam para protegê-lo.

Rolou para fora da escada até o piso do segundo andar, e logo em seguida a maior parte dela ela desabou por inteiro em chamas, com um grande barulho. Não havia como voltar. Mas isso não importava.

Tudo que importava era o livro.

O incêndio parecia não ter chego por completo por ali, embora com certeza não fosse demorar muito. Uma grande janela aberta parecia ajudar a puxar um pouco da fumaça para fora, e naquele momento, encostado no chão, Ernand conseguiu puxar uma boa quantidade de ar. Seus pulmões arderam ainda mais, e ele começou a cuspir algo negro e quase se afogou naquilo, mas recuperou o fôlego e pôs-se de pé. Com os olhos lacrimejando e o corpo todo doendo, chegou ao quarto, antes que o fogo o fizesse.

Toda a bagunça que ele e seus irmãos costumavam fazer sequer se comparava com a situação atual; todos os cômodos e pertences estavam jogados de um lado para o outro, as camas estavam postas de lado e até mesmo despedaçadas, como se alguém tivesse batido nelas com uma marreta. O armário estava revirado, todas as gavetas postas para fora, com os trapos e vestes simples dos garotos rasgados e despedaçados.. Alguém havia revistado o lugar, a procura de alguma coisa.

O livro.

Ernand precisava achá-lo. Não havia tempo para tentar entender aquilo. Nada parecia fazer sentido, e por um momento ele temeu mais a quem tivesse revistado o quarto do que o próprio fogo. Se tivessem levado o livro, tudo estaria perdido.

Sentiu um frio na espinha que o gelou da cabeça aos pés, apesar do calor e das queimaduras, quando tateou com a mão direita o ponto do chão onde um vão na parte mais clara do piso de madeira se abria. Puxou aquela parte, que antes ficava embaixo da sua cama.

“Ele tem que estar aqui. Onde eu sempre deixo.”

A madeira deu espaço a estreita passagem para o vão profundo, e ele colocou o braço ali dentro.

Puxou um pedaço de pergaminho sujo e enrolado, no qual certa vez havia tentado – sem sucesso – ele próprio escrever sua história.

Bezê havia roubado aquele papel de um vendedor que havia deixado com o que o vento o afastasse por um momento. Jogou-o para trás sem nem ver onde.

Arrancou uma pedra esverdeada que havia trocado com Nardo por três refeições suas. Ela era suja, de proporções disformes, e sua cor era bastante opaca, mas lembrara-lhe de uma que a mãe usava no colar, e portanto gostara dela. Arremessou longe.

Pegou um pequeno e fino pedaço de madeira, onde a figura de uma mulher estava talhada. Um cliente havia, certa vez, feito isso em uma das mesas do Casarão, de forma casual, mas Ernand havia gostado do desenho, e arrancado a lasca da madeira e guardado para si. Que as chamas consumissem-no. Não importava.

Sentiu a moeda de prata que tinha. Ele e Bezê haviam visto, algum tempo atrás, um cliente que aparentava uma alta nobreza, só não maior do que sua falta de sobriedade, e ambos nada fizeram quando ele, ao levantar-se das grandes almofadas onde estava para ir ao quarto com a mulher que escolhera, deixara cair algumas moedas.

Quando os dois foram casualmente conferir, quase não acreditaram; eram três moedas de prata, e quatro de cobre; uma verdadeira fortuna. Bezê havia deixado com que Ernand ficasse com uma de cada, após muita discussão. Ambos concordaram de não contar nada para nenhum dos irmãos, e saíram da experiência um tanto mais íntimos um do outro, além de ricos. Agora, sequer a pegou. Também não importava.

O pedaço de carvão que planejava um dia usar para escrever uma história. O crânio de um pequeno pássaro que Olie havia achado no topo de uma árvore e lhe dado de aniversário. A calcinha que havia roubado. Nada disso importava.

Só o maldito livro.

“ENTÃO ONDE DIABOS ELE ESTÁ???” – Gritou.

Tomado pela fúria, Ernand arrancou o pedaço de madeira do chão, quebrando-o pela metade. Abriu uma abertura ainda maior e colocou os dois braços e a cabeça dentro.

Viu um rato surgir, guinchando e correndo desesperadamente, com a cauda pegando fogo. Em outros tempos, teria achado aquilo engraçado, mas não hoje. É claro que tinham ratos ali, ele sempre soubera. Era por isso que havia coberto tão bem o livro, com camadas de pano e couro.

“MAS ONDE ESTÁ ELE?”

Sentiu-se desesperado, e revirou o quarto inteiro enquanto procurava. Teria se esquecido do incêndio, se ele não tivesse finalmente alcançado o segundo andar, e agora desse seus sinais em todos os cantos do quarto, onde as chamas ardiam e subiam. Um dos lençóis no chão pegou fogo e logo todos os outros, assim como as camas, acompanharam-no. Não demorou muito para o quarto todo se tornar uma pequena visão do inferno, e Ernand ser obrigado a recuar, de costas, tampando a boca e chorando.

“Não, não, não, não, não...” – Ele dizia, para si mesmo, enquanto via o quarto inteiro ser consumido pelas pelo fogo, e tudo que um dia fora seu e de seus irmãos ir junto. Ele seguiu recuando de costas, mas o fogo já o cercava pelas paredes do corredor, e ele logo caiu de joelhos, tossindo e sem forças.

Sentiu-se distante de tudo. O fogo ia ao seu encontro, mas sequer podia senti-lo tocando seu corpo. Achou estranho. Pensou que morrer queimado fosse algo agonizante, mas tudo o que sentia era a agonia de ter o livro tirado de si, e não saber o que havia acontecido com ele.

Seu único consolo era de que ele não seria queimado consigo.

“Era a maior história do mundo..” – Pensou, enquanto chamas cercavam-no e queimavam seus braços e pernas.

A ultima coisa que viu foi um vulto com a cabeça lisa e longos braços cercando-o.

Ernand acordou com um susto. Respirou aliviado por um momento. Havia sonhado que havia morrido, e um demônio abraçara-o, e então levado-o para o inferno, onde chamas ardiam ao seu redor. O momento passou, e então a dor veio e ele percebeu que aquilo podia muito bem ser verdade.

Demorou a abrir os olhos – estavam estranhamente pesados, e ardiam. A visão estava turva e ele não conseguia focar, mas percebeu que ambos os braços e pernas estavam enfaixados, e que ele estava em uma cama que não era sua, em um lugar que não conhecia. Uma pequena bacia com água estava posta a sua esquerda, em cima de uma rústica cômoda de madeira, mas ele sequer conseguia se mover para matar a sede. Tudo doía demais. Ficou olhando para as paredes do pequeno quarto de pedra onde estava, e lembrou-se de tudo o que havia acontecido, e a única coisa que conseguiu fazer foi chorar.

Ficou fazendo isso por um bom tempo, até que finalmente alguém surgiu. Um homem com feições simples e cabelo raspado, vestindo um manto grande manto branco com as golas dobradas na altura dos cotovelos, colocou a mão na testa de Ernand, e perguntou com uma voz preocupada há quanto tempo ele estava acordado.

Não conseguiu responder. Sua garganta doía, e a dor parecia apenas aumentar conforme respirava. Acabou chorando ainda mais, e o homem aproximou a bacia e lhe serviu um pouco de água. Depois saiu, e retornou com um senhor bastante velho, com um rosto magro e cheio de dobras, um cavanhaque grisalho e poucos cabelos em sua cabeça, vestindo um manto igual ao do outro, só que com manchas escuras e avermelhadas por ele. O velho surgiu esmagando algo em uma pequena bacia, e depois enfiou sem muita paciência na goela do garoto.

Ernand sentiu um gosto ruim em sua boca, mas logo em seguida ela inteira pareceu ficar dormente.

“O caminho da redenção é tão duro quanto os pecados que levaram a sua necessidade, e seu gosto é tão amargo quanto é doce o veneno que mata a alma.” – Disse o homem do manto sujo, irritado e foi embora. O outro permaneceu, e então disse: “Engula, é para o seu bem.” E ele assim o fez.

Sentiu baba escorrer do canto da sua boca, a qual agora não sentia, e o homem limpou com um pequeno pedaço de pano. Ele olhou para o garoto por um pequeno período de tempo, e então Ernand sentiu os olhos pesarem demais. Cedeu ao sono.

Do que sonhou jamais iria esquecer.

Estava não no fogo, mas no mar – um mar escuro e infinito, estendendo-se por todas as direções no horizonte. O mar estava calmo, e Ernand, deitado, boiava nele calmamente, com a maior parte do corpo submersa. Estava agradável, e ele sentia-se estranhamente feliz.

Olhava para o céu, e nele nada havia além do sol, um sol púrpura e gigantesco, que brilhava sem machucar a vista. O garoto ficou observando-o, maravilhado, por um bom tempo.

E então ele sentiu a água, pouco a pouco, se tornando mais perigosa, ameaçando afundá-lo, entrando em sua boca, seu nariz e suas orelhas. O céu ia escurecendo e trocando de cor rapidamente, com o crepúsculo vindo do leste, enquanto o sol ia embora não na direção oposta, mas parecia se afastar cada vez mais, indo para trás, diminuindo no céu, até finalmente se tornar um ponto menor do que seria uma estrela. Ernand começou a nadar desesperadamente na direção contrária, fugindo da escuridão.

Não teve sucesso. Logo, tudo estava tomado pela noite, mas ainda assim ele nadava, a procura de terra. Não poderia ficar na água para sempre, disso ele sabia. Sentia que o se tornava, pouco a pouco, mais hostil e perigoso.

Mas nada surgia, e seus braços e pernas ficavam cada vez mais cansados, e respirar se tornava mais difícil. Em certos momentos, engoliu a água salgada do mar, e tossia bastante. Estava quase sem esperanças, quando viu uma luz no horizonte.

“É como se fosse um presente do próprio Bom Deus” – Ele pensou, estranhamente, com uma voz que não era sua.

Foi em direção a luz, e ela vinha em direção a si. Não tardou a identificar um pequeno barco a remo, com um homem posto de pé, olhando em sua direção e segurando uma vela.

“Quem vem lá?” – Perguntou o homem. Ele vestia roupas simples, trapos sujos e desgastados de um marinheiro, cheios de furos e remendos, com cores que há muito haviam ido embora.

“Meu nome é Ernand.”

“O que você procura, Ernand?” – perguntou o homem, parecendo um tanto apreensivo, parando sua jangada próximo ao garoto.

Ernand tomou aquela pergunta como decisiva, por algum motivo. Pensou nos irmãos e no livro antes de responder.

“Meus pais.” – Respondeu, honestamente.

“Não os encontrará aqui.” – Retrucou homem, embora sorrisse amigavelmente e ajudasse o garoto a subir. – “Mas talvez encontre outras coisas. Se puder pagar o preço.”

“Eu deixei minhas moedas no Casarão.”

“Não estou falando de dinheiro.”

“Qual é o preço então?”

“Bom, pra começar..Me traga um vinho da próxima vez que você vier.”

“Como eu vou conseguir um vinho?”

“Não se preocupe com isso. Apenas traga.”

“Mas como eu vou voltar? Eu nem fui ainda. Não tenho pra onde ir. Meus pais sumiram. Queimaram minha nova casa.”

“Não se preocupe. Você vai voltar. Todos sempre voltam.” – Ele disse, e então olhou para o céu, rapidamente.

“O que foi?” – Perguntou Ernand, assustado.

”É uma tempestade. Está vindo. Eles estão vindo também, e rápido. Vá, garoto, vá embora.” – Ele disse, e enquanto dizia, estrelas pareceram surgir no céu, inúmeras delas, mas conforme se aproximavam, formaram o contorno de infinitos olhos abertos, que olhavam para todas as direções. O mar começou a ficar ainda mais agitado, ao ponto de ondas gigantescas surgirem de todos os lados, e antes que Ernand pudesse fazer qualquer coisa, o bote balançou demais, e ele se viu caindo em direção ao mar, do topo de uma grande onda da qual eles estavam em cima.

Acordou com um susto, e percebeu que ainda estava no quarto de pedra em que havia sido colocado. Seu corpo inteiro ainda doía, e estava coberto por faixas, mas se sentia um tanto melhor. Tentou falar, e sentiu-se bem ao perceber que podia ao menos sussurrar roucamente. Tentou mover o braço esquerdo e pegar a bacia com água, mas acabou empurrando-a sem querer e deixando-a cair.

Ficou ali com o braço pendendo e doendo ainda mais, gemendo de dor, até finalmente o mesmo homem de rosto raspado de antes surgir. Ele calmamente recolheu a bacia, passou trapos secos no chão, foi embora e retornou com outra, dessa vez com sopa. Deu algumas colheradas dela para Ernand, que sentiu-a arder conforme descia pela garganta, mas comeu tudo de bom grado. Quando o homem levantou-se para ir embora, o garoto perguntou, numa voz fraca feita com grande esforço:

“Meus... irmãos..”

O homem deu uma breve olhada para trás, balançou a cabeça e foi embora.

Ernand pegou no sono logo. Quando deu por si, estava no quarto com os irmãos, e Rhyde comentava alegremente a respeito do estoque secreto de vinhos que Jude havia encontrado sem querer quando limpava o vão do Casarão.

“Podemo fazê um belo dinhero com isso.” – Dizia Bezê, alegremente, com uma garrafa na mão. – “É vinho do bão.”

“Se a Meredith pega a gente, vamos apanhar como nunca..” – Dizia Nardo, apreensivo.

“Não devemos roubar da mamãe” – Dizia o pequeno Jude, um tanto irritado, com um dedo dentro do nariz.

Os irmãos discutiam a respeito daquilo, e Ernand aproveitou para ver o vão de onde havia vindo aquele vinho. Encontrou Olie agachado, com um sorriso bobo no rosto, uma garrafa de vinho aberta posta do seu lado, pela metade, e um tanto escorrendo pelo canto da boca.

“Olha só, Ern. Quanto vinho!” – Dizia ele.

Ernand olhou pelo vão, que parecia grande o suficiente para caber sua cabeça, e viu inúmeras garrafas.

”Caramba. É vinho pra vida inteira.” – Comentou ele, e então percebeu que havia algo faltando. – “E nenhum livro?”

“Livro?”

“É, não tinha nenhum livro aí?”

“Não, só vinho. Mas podemos fazer um livro se juntarmos os papéis que tem nas garrafas. Tem várias letras escritas, que eu não entendo. O que diz?” – Olie perguntou.

Ernand pegou uma das garrafas – todas tinham o mesmo rótulo – e observou-a. Havia o desenho de um grande e detalhado navio com as velas abaixadas, e na proa, olhando por uma luneta e com uma espada na mão esquerda, um homem vestido como um marujo. Acima, em letras bem delineadas, embora parecessem um tanto que torcidas para o lado e levemente tremidas, estava escrito o nome.

“O Navegante Ébrio.” – Disse Ernand.

Cães começaram a latir no andar de baixo, e de repente Olie pulou para trás com o susto, batendo sem querer na sua garrafa aberta, quebrando-a pela metade e fazendo o vinho restante escorrer pelo chão. Ernand sabia que Rhyde iria descer, e que iria brigar com quem quer que fosse que havia levado os cachorros para dentro do Casarão, mas antes que pudesse tentar evitar que o irmão colocasse sua vida em risco, sentiu seu pé molhando na poça de vinho que só aumentava.

Mas de repente, não era mais o vinho que o molhava, e nem o Casarão onde estava. Se viu novamente no mar, boiando como antes. Dessa vez, o céu já estava escuro, mas nada o enfeitava além de uma lua minguante e estranhamente rubra.

Olhou ao redor, a procura do homem com o bote e a vela, mas não o encontrou. De repente, viu uma cabeça surgir em meio a água escura, e viu que era ele, sorrindo. Seus cabelos molhados escorriam pelo seu rosto, e ele lambia o próprio rosto e cavanhaque.

“Isso é genial, garoto.” – Dizia ele animado, e então deu um gole da própria água. – “Eu achei que você me traria uma garrafa – é o que geralmente acontece, quando eu faço esses acordos – mas você transformou todo o mar em vinho! ”

“Eu?”

“Sim, você! Sabe, se juntar mais um ou dois truques desse, pode fundar até a sua própria religião!” – Dizia o homem, animado, bebendo ainda mais, encharcado em vinho.

Ernand pegou um pouco da água do mar – a qual agora percebeu estar realmente com cheiro e cor de vinho – e deu um pequeno gole. Sentiu o gosto amargo que atribuía a bebida e cuspiu.

“É verdade. Fui eu? Como eu fiz isso?”

”O mundo é seu, garoto. Você pode fazer o que quiser com ele!”

“Você quer dizer.. que eu estou sonhando?”

O homem bebia cada vez mais, e demorou em responder Ernand.

“Isso, claro! É como se fosse um sonho, só que o problema com sonhos é que eles geralmente acabam quando você se dá c-“

E então Ernand abriu os olhos. O velho havia retornado ao quarto, e estava na sua frente, olhando-o. O outro homem também estava ali, e colocou a mão em sua testa. Depois, ele e o velho pegaram nos seus braços, levantaram-no, limparam a urina que havia escorrido na cama e começaram a tirar as ataduras. Carne e pele queimadas e avermelhadas, salpicando em bolhas e partes escuras com crostas formadas enfeitavam Ernand, e os dois passaram algo frio e molhado, de aspecto pegajoso, naquilo. Depois, repetiram o procedimento nas pernas, no peito, na barriga, nas mãos e por fim no pescoço e em algumas outras partes do corpo.

“Meus.. irmãos.. onde .. estão?” – Ernand conseguiu falar, entre um gemido de dor e outro.

“O fogo purificará os pecadores, mas não tomes aqueles que procurarem por ele voluntariamente como penitentes, mas sim como enganados e atraídos por aquilo que dança nas sombras, pois o verdadeiro penitente busca em vida e em servitude conquistar o perdão de seus pecados, enquanto apenas os tolos, hereges e adoradores de demônios escolhem o caminho da chama por conta própria.” – Recitou o velho de forma séria, com uma voz grave e amarga, e então deu as costas.

“O.. que?” – Perguntou ao outro.

“O Alto Sacerdote lhe explicará, eventualmente, criança.” – Respondeu o homem, terminou de trocar as ataduras e foi embora.

Ernand não conseguiu dormir. Ficou ali pensando sobre aquilo que o velho havia dito. Era uma passagem da Canção da Criação, não era? Ou talvez do Palavreado do Bom Deus, ou algum outro livro da religião dos Bons Homens.. Ele se lembrava de ter lido, deitado em almofadas na traseira de uma das charretes da caravana dos pais, alguns textos religiosos. Eram normalmente histórias impressionantes, com personagens místicos e explicações para grandes mistérios. O problema é que, em grandes momentos, tudo parecia de alguma forma ser bom demais para ser verdade. Havia tido acesso a livros demais, e lido a respeito de outros deuses e crenças, e nunca pôde, firmemente, crer com certeza em nenhum deles. Não é que duvidasse da existência de qualquer um, apenas nunca conseguiu se decidir sobre qual seguiria. Havia ficado com essa indecisão na cabeça por um bom tempo, torturando-o noites a fio, com medo de acabar por não agradar a um deus seguindo outro, com medo de jamais conseguir seu lugar me nenhum dos céus prometidos, ou de arder nas chamas de algum inferno simplesmente por ter feito a decisão errada..

Mas sua mãe lhe dissera que ele poderia escolher o deus que quisesse, e que seria aquele que lhe acolheria, enquanto o pai simplesmente dizia que aqueles textos eram apenas palavras no papel; continham conhecimento e talvez poder, mas ainda assim haviam sido feitas pelo homem, e não por um deus. Valiam dinheiro, era isso que importava.

“Eu creio no fogo. Eu creio no dinheiro. Eu creio no conhecimento.” – Dizia seu pai, entre uma bebida e outra, quando discutia com os poucos Lordes que abertamente discutiriam esse tipo de assunto. Em Durdia, a religião oficial era a do Bom Deus, e qualquer um faria bem em manter-se nela, ainda que nos baronatos ao sul a coisa fosse um tanto diferente.

Mas se Ernand fosse arder em algum inferno, isso já havia acontecido. Havia entrado por conta própria no Casarão em chamas, para livrar um livro do fogo.. Livro que valia mais do que qualquer quantia em dinheiro, e que continha dentro de si conhecimento.. ou continha?

“É só um livro estúpido de contos.” – Pensou, amargamente. Quando o pai abandonara-o, tudo o que havia deixado fora esse livro, com a promessa de que retornaria, e de que aquela seria “a melhor história do mundo”. Mas não fora. Nunca fora. Ele lembrou-se da decepção, quando o lia e relia escondido sob a luz de velas. No começo, fora até que uma leitura agradável, com pequenos contos de histórias populares e fábulas, todos bem escritos.. Mas no fim, quando terminara todas elas, ficara sentindo que faltava alguma coisa. Havia acabado o livro, e ainda estava naquele Casarão, ainda estava longe dos seus pais, e ninguém sabia lhe dizer onde eles haviam ido. Não havia mensagem alguma do pai, não havia nenhum sentido por trás daquilo tudo, apenas uma série de histórias que o haviam desapontado.

Então por que diabos havia arriscado sua vida pelo livro?

Pela primeira vez, pensava com clareza sobre o assunto. Havia corrido em direção ao maldito incêndio! Que idéia estúpida fora essa? Corrido em direção ao maldito incêndio e se jogado dentro dele! Deveria estar morto! Tudo isso por causa de um livro? Um simples livro? Faria mais sentido se corresse pela moeda de prata, mas mesmo assim seria loucura. Por mais que gostasse de manter o livro consigo, mesmo que como lembrança dos pais, ele havia corrido em direção ao fogo sem sequer pensar antes.

E se havia uma coisa que Ernand fazia, era pensar.

Dentre os Filhos da Puta, era ele quem sempre ficava apreensivo antes de qualquer coisa. Era ele quem dizia que as coisas seriam uma má idéia, era ele quem tinha mais medo e que sempre pensava duas vezes antes de tudo. Não fazia sentido. Nada daquilo fazia. E pra piorar, estava tendo sonhos estranhos.. Não bastasse ter sido abandonado pelos pais, ter sua nova casa incendiada e os irmãos que havia aprendido a gostar desaparecido, ele agora estava num lugar que não conhecia, com dois homens que nunca havia visto, estava tendo sonhos estranhos como nunca antes tivera, e quase havia morrido por causa de um livro que sequer gostava...

Exceto que.. Em algum momento, gostou de verdade dele. Não podia negar. Lembrava-se, embora mal pudesse acreditar que havia realmente feito isso, de ter dado mais valor a ele do que a própria vida. De querer ele mais do que qualquer coisa, e de que como seu mundo e vontade de viver pareceram ter acabado quando descobrira que ele não estava mais lá.

E afinal, onde estava? Quem teria pegado o livro? Por que o fariam? E por que o Casarão pegara fogo? Onde estavam seus irmãos? Onde estavam seus verdadeiros pais?

Eram perguntas demais.

“Ao menos estão cuidando de mim.” – Pensou, e deixou esse pensamento alivia-lo o suficiente para que conseguisse cair no sono de novo.

Teve sonhos banais dos quais não se lembrou quando acordou, e por um lado agradeceu por isso.

Sentiu a dor mais fraca do que antes, e podia se mover melhor, ainda que com bastante sofrimento. Observou a única janela do quarto, no topo da parede, estreita e separada por barras, e viu que era dia pela luz que vinha dela. Quanto tempo estava ali? Não fazia idéia. Tudo o que fazia era dormir, acordar e dormir de novo. Sentia-se incapaz, e as dúvidas eram maiores do que qualquer coisa.

Resolveu que dormiria, mas quando acordasse novamente, estaria melhor, e tentaria sair da cama. Assim o fez, e quando acordou de novo, no meio da noite, levantou da cama, pisou no chão, cambaleou e caiu. Gritou de dor e logo o homem careca surgiu, colocou-o de volta na cama e deu-lhe um pouco de água.

”Quem.. são.. vocês? Onde.. eu.. estou? Cadê.. meus.. irmãos?” – Falou, entre respiradas pesadas.

O homem suspirou.

“O Alto Sacerdote lhe explicará tudo. Tenha paciência.”

“Quando?”

“Quando se sentir disposto.”

E Ernand esperou. Dormia, acordava e dormia de novo. Sentia cada dia um pouco menos de dor, e os sonhos estranhos haviam desaparecido por completo Eventualmente, já conseguia colocar-se de pé. A dor nunca ia embora, mas com a ajuda de muletas ele conseguia andar, e fazer suas necessidades no jarro no canto do quarto.

O velho ia em seu quarto menos do que o outro homem, mas parecia não gostar de Ernand por algum motivo. Ele era sempre mal-humorado, e citava alguma passagem da Canção da Criação ou do Palavreado do Bom Deus toda vez que o garoto tentava falar alguma coisa, isso quando ele respondia.

O outro parecia mais gentil, mas também não lhe dava respostas, e nem deixava com que saísse do quarto. Ernand já havia perdido a contagem dos dias, quando finalmente lhe foi entregue um manto limpo e cinzento para que vestisse para se apresentar frente ao Alto Sacerdote.

Ele o fez. Já podia andar sem as muletas, mas preferiu que não soubessem disso, e apoiou-se em uma delas conforme saia do quarto. Não era nem de longe um lutador bom como Rhyde, Olie ou até mesmo Bezê, mas usaria o pedaço de madeira para alguma coisa, se precisasse. Só não sabia o que.

“Siga-nos.” – Disse o mais jovem, e ambos levaram-no por um estreito corredor. O chão e as paredes eram da mesma pedra que o interior do quarto, e pequenas e simples aberturas quadradas no alto serviam como janelas. Eles andaram por ali durante um bom tempo, passando por mais algumas quartos com portas de madeira fechadas, e em um momento Ernand viu um outro corredor que levava para um grande salão onde avistou vários homens ajoelhados, vestindo mantos como o seu. Só podiam ser Bons Homens, mas isso ele já sabia há tempos.

Caminharam por mais algum tempo, até chegarem numa larga escadaria de poucos degraus. Ernand subiu ela com esforço e a ajuda do homem, e então viu-se de frente para uma sala sem porta.

Dentro dela, uma mesa de retangular pedra com uma abertura redonda no meio, cheia de água, e uma cadeira de confortável na qual um senhor curvado com grandes barbas e cabelos, olhar cansado e com um pesado manto sobre si observava-o. Atrás dele, uma grande estante com dezenas de livros.

“Alto Sacerdote, aqui está o garoto.” – Disse um deles.

“Podem ir.” – Respondeu o homem, numa voz calma e sóbria. O garoto notou que ele tinha um pequeno corte no lado esquerdo do rosto.

Ambos fizeram um breve gracejo e desceram as escadas.

“Sente-se, Ernand.” – Ofereceu o Alto Sacerdote, e Ernand colocou-se em cima de uma banqueta posta do outro lado da mesa de pedra. – “Soube que anda fazendo perguntas.”

“Sim.” – Respondeu o garoto, sinceramente. – “Pra falar a verdade, senhor, eu não sei o que está acontecendo faz muito tempo.”

O velho juntou as duas mãos e cruzou os dedos na frente da boca, com os cotovelos apoiados na mesa. Ele olhava para Ernand com dois olhos azuis que pareciam entrar dentro de sua alma e lhe davam calafrios. O garoto rapidamente desviou o olhar.

Um breve silencio seguiu-se, e entoa o Alto Sacerdote limpou a garganta.

“Vamos fazer assim, Ernand. Você responderá as minhas perguntas, e eu responderei as suas. Pode acatar com estes termos?” – Perguntou ele, de forma estranhamente gentil, dando a entender que Ernand tivesse realmente escolha na situação em que estava. Parecia querer deixá-lo confortável, o que só deixou o garoto mais suspeito ainda.

“Pode ser.” – Disse.

“Perfeito. Me diga, criança.. o que você fazia no Casarão, quando o habitava?”

“Eu.. ajudava no lugar, como os outros garotos. Limpávamos, fazíamos pequenos serviços, ajudávamosonde podíamos.”

”E quem cuidava de vocês?”

“A senhora Meredith.. Meredith Baldour. Ela nos dava alimento e moradia.”

“Em troca desses.. serviços prestados?”

“É.. Eu acho que ela não podia ter filhos, mas queria cuidar de crianças e jovens.”

“Os desejos de uma mulher muitas vezes podem trazer infortúnio a todos aqueles envolvidos..” – O velho pareceu olhar para longe por um instante, e então limpou a garganta novamente e continuou: - “A Senhorita Meredith Baldour era dona de que tipo de estabelecimento?”

Essa era velha.

”Era uma taverna, que também prestava serviços de massagem. Tínhamos excelentes profissionais.”

“Massagens.. Por favor, criança. Eu não sou tolo, e tenho mais quatro vezes a sua idade. Se você sabe o que acontecia lá, o que é uma pena, é claro que eu também sei. Seja verdadeiro, do contrário não terá suas respostas. Perguntarei mais uma vez, e se você não for sincero comigo, voltará para o quarto.”

Ele não podia deixar isso acontecer.

“Certo, desculpe.. é que sempre foi o que nos foi dito para falar.”

“Muito bem. Qual era o estabelecimento que a Senhorita Meredith Baldour possuía?”

“Era..Um puteiro.”

“Um local onde mulheres eram pagas para atender homens de forma promiscua, e dividir lençóis com eles?”

“É, você pode chamar disso também.”

“Compreendo. E você e os outros rapazes que lá habitavam..Alguma vez algum de vocês teve que prestar serviços.. da mesma forma que as mulheres?”

Ernand não esperava por isso.

“Nã..não, claro que não. Isso é loucura.”

O homem assentiu com a cabeça, como se já esperasse isso.

“Certo. Agora, me diga.. Você sente vontade de observar chamas?”

”Como?”

“Você.. se sente atraído pelo fogo? Gosta da forma como ele dança? Se sente de certa forma.. atraído por algum aspecto da chama? Pela luz? Pelas sombras? Pelo calor?”

“Na..não.”

“Ernand. Seja sincero comigo. Eu lhe avisei.”

“Estou sendo! Não.. Não tenho nada do tipo. Talvez com.. bem, mulheres, mas não com.. o fogo.”

O Alto Sacerdote se irritou, inclinou-se para frente e começou a falar mais alto, enquanto apontava um de seus dedos para Ernand.

“Espera mesmo que eu acredite que você se jogou dentro do fogo por nada? Eu lhe dei o beneficio da dúvida pois achei que foram ludibriados, mas se você e seus irmãos estiveram de alguma forma envolvidos com culti..”

“Espere! Eu sei porque você perguntou isso.. Eu fui na direção do fogo, não fui? Faz sentido.. Eu também pensaria isso, se estivesse no seu lugar. Mas não foi o caso, senhor. Não tenho nenhuma paixão pelas chamas. Não cultuo nenhum Deus além do Bom. Eu juro.”

“O que foi, então?”

“Eu..”

E então ele contou. Contou como possuía um livro de histórias, a ultima lembrança de seu pai, que fora um comerciante dono de uma companhia de caravanas, contou como gostava dele, como havia escondido-o e como ficara desesperado para ir atrás dele quando viu as chamas.

Não adiantava nada esconder.

O Alto Sacerdote ouviu pacientemente, parecendo se acalmar enquanto o fzi e por fim suspirou.

“Como eu imaginei..Isso se trata de um demônio, criança.”

“Um.. demônio?”

“Esse livro do qual fala. Agora eu entendo. Havia um demônio nele. Talvez tenha sido ele o responsável por tudo isso.”

“Como?” – Ernand não sabia no que acreditar. Achava realmente estranho ter arriscado sua vida pelo livro, mas não acreditava que havia algum demônio nele. Sequer achava que demônios realmente existiam. Jamais havia visto um, pra começo de conversa.

“Demônios invadem nosso mundo e se escondem nos locais mais improváveis. Usam de suas influencias para se aproveitar as fraquezas humanas, dos sentimentos negativos que são cultivados, e preferem locais onde o pecado é forte e constante para tomarem como lar. Esse demônio se aproveitou do seu livro, e se escondeu entre suas páginas. Eu sempre soube que os livros deveriam apenas contar as palavras do Bom Deus, e que qualquer outra forma de leitura poderia se tornar alvo de demônios, crias do Devorador em pessoa..”

“Me desculpe, senhor, mas.. Era só um livro de contos. Haviam histórias de vários lugares, algumas até mesmo estão em textos considerados sagrados. A história do Sacerdote Arles e do Penitente Darbor, por exemplo, estavam lá descritas de maneira bem semelhante a como estavam no Palavreado. Se havia alguma coisa demais naquele livro... bom, é que fora o ultimo presente de meu pai. Não queria perdê-lo. Me deixei levar pela emoção.” – Disse.

Sabia que não era nada bom ser considerado alvo de um demônio.

“Hm. Você parece ter certo conhecimento a respeito de livros. Me fora dito que é um rapaz esperto, e parece ser verdade. Talvez possamos ajudá-lo a se salvar dessa vida de pecado, e você possa até mesmo se tornar um Bom Homem. Havia um demônio naquele Casarão, disso eu sei, mas talvez ele não tenha lhe influenciado além do que possamos reverter.”

“Senhor.. Antes de qualquer coisa, eu quero saber o que aconteceu. Foi esse demônio de quem fala quem colocou fogo no Casarão?”

O Alto Sacerdote deu um leve sorriso, como se achasse que uma tremenda besteira tivesse sido dita.

“Ora.. Claro que não. A Sagrada Ordem dos Bons Homens decidiu que o lugar deveria ser purificado com o fogo.”

“O que?” – Ernand não acreditou no que ouviu.

“O Casarão da Rua Elmer fora, durante anos um local de depravação e adultério. Ticulis inteira conhecia o local, mas devido aos contatos da sua proprietária e a falta de apoio militar, nós nunca pudemos fazer nada a respeito. Entretanto, após o lamentável incidente, no qual um membro da nobreza Arcanni convidado em território Durdiano foi assassinado por um homem que costumava freqüentar o local..”

“Ele não freqüentava! Só o vimos uma vez!”

“Não é o que dizem. De qualquer forma.. O Casarão foi se tornando cada vez mais debatido entre as lideranças locais, e nós, assim como grande parte da nobreza, insistimos para que atitudes fossem tomadas em relação a isso. Não se trata apenas de um caso a parte.

Outras figuras de extrema má índole, hereges, adoradores de demônios e procurados eram vistos no local. Estudamos as possibilidades, e concluímos que o local só poderia estar, de alguma forma, estar sob a influencia do Devorador ou de alguma de suas crias. Ao menos um demônio deveria habitar aquele antro de perversões, para que tantos homens malignos o visitassem. A única escolha plausível era a purificação pelo fogo.”

“O que aconteceu com Meredith?”

“Ela está segura, presa em cativeiro em um dos templos das Damas Gentis, e deverá ficar lá até que admita seus crimes e busque redenção pelos seus pecados. Ela será tratada com piedade caso enxergue seus erros.”

“Ela.. Ela sempre foi boa conosco! Não era como uma mãe, mas é o mais próximo disso que a maioria de nós tínhamos.. Ela sempre.. cuidou bem de todos.. Digo, ela.. Ela..”

“Eu compreendo que a Senhorita Meredith não é desprovida de bondade, e é justamente por isso que será dada a ela a oportunidade de se purificar. Quem sabe, entre as Damas Gentis, ela não encontre uma vocação.”

Ao menos aquilo. Meredith era uma boa mulher, que sempre lutara para sobreviver na parte pobre da Cidadela, e ajudara inúmeras outras mulheres a fazer o mesmo. Era um tanto amarga, mas Ernand descobrira que o tempo e a vida difícil costumava fazer isso com as pessoas.

“Como eu saí do fogo?” – Perguntou. Estava realmente curioso a respeito disso, já fazia um bom tempo.

“No dia da purificação..Você invadiu o Casarão, e teria morrido, não fosse um dos seus, me foi dito. Seu nome era Olieder, e ele subiu por fora até o segundo andar, bravamente enfrentando as chamas, entrou por uma janela aberta e lhe puxou para fora. Entretanto, quando os soldados foram pega-lo, saiu correndo, apavorado. Claramente, está com os conceitos invertidos. Corre ao fogo e foge dos Bons Homens. Talvez esteja sendo influenciado demais.”

“E os outros?”

“Beessenn desapareceu, assim como Olieder. Nardo está conosco, estamos tratando do demônio da gula que se apossou dele, e me dizem que estamos tendo sucesso. O pequeno Jude poderá optar por continuar conosco como um aprendiz, ou ser criado entre alguma corte. Existe um casal de nobres que já está interessado em tê-lo como protegido. É um rapaz maravilhoso, prestativo e educado. Demorou a parar de chorar, me disseram, mas agora já está entendendo melhor sua nova situação. E Rhyde..” – O velho respirou fundo e tocou o lado esquerdo do rosto antes de continuar. – “Ele derrubou dois guardas sozinho no dia do incidente. Não sei se iria atrás de você para pará-lo ou tentar invadir o lugar consigo, ou se simplesmente queria bater em alguém...”

“O que aconteceu?”

“Bem, aquele dia fora um caos. Estávamos com uma boa parcela de guardas e Bons Homens para ajudar a controlar o fogo e a multidão. Já havíamos lidado com as mulheres do recinto e a Senhora Meredith quando chegamos, e evitamos grandes discussões com os locais, mas quando esse seu amigo Rhyde..”

“Ele é meu irmão.” – Ernand disse com orgulho.

“Bem, quando ele surgiu..Derrubou esses dois guardas, que estavam, de verdade, tentando evitar mortes, como foram ordenados. Gritou um tanto até entender que a lei e a igreja estavam, lado-a-lado, purificando o Casarão. Eu mesmo tentei ajudá-lo, na esperança de evitar mais violência. Disse que era o Alto Sacerdote, e que ele deveria acalmar-se..”

Isso não funcionava. Ernand sabia que mandar Rhyde se acalmar era o mesmo que pedir para que ele ficar mais irritado.

“O garoto saiu correndo na minha direção. Os guardas dizem que tinha uma faca em mãos, e que.. Bem, ele está morto. Um dos guardas enfiou uma lança em seu peito antes que se aproximasse demais, embora tenha conseguido arranhar meu rosto. Foi realmente uma pena. Ele tinha lágrimas em seus olhos, embora também possuísse a fúria, um claro sinal de que demônios também estavam influenciando ele.”

O garoto pareceu não entender.

“Rhyde... morreu?”

“Sim.”

Se havia algum demônio em Ernand, aquela era a hora de surgir.

“VOCÊS MATARAM MEU IRMÃO!!” – Gritou, quando se levantou, batendo a muleta na mesa de pedra.

“Ernand, eu sinto muito, mas agora ele estará com certeza nos cé..”

Ernand bateu de novo com a muleta na mesa, dessa vez quebrando-a ao meio.

“NOS CÉUS, VOCÊ VAI DIZER? EU CONHEÇO OS CÉUS DO SEU BOM DEUS, E APENAS AQUELES QUE SE ARREPENDEM ANTES DA MORTE SÃO SALVOS, NÃO É MESMO?”

Ele sentia o coração pulsando pesado no peito, e uma raiva que nunca antes sentira.

“Escute, ele não estava em controle de suas ações.. Assim como você não está agora. São os demônios, Ernand. É a influencia deles. Não se deixe levar, garoto! Não se deixe levar! Fique conosco!” – Dizia o Alto Sacerdote, recuando com olhos arregalados.

Ernand quebraria a madeira na cabeça do homem para que calasse a maldita boca e parasse de falar sobre demonios, mas dois outros o pegaram por trás e o levaram para longe. Ele gritava, xingava e ameaçava, mas ninguém lhe respondia nada. Amarram-no e o deixaram num quarto vazio e escuro. Colocaram em sua boca a coisa pastosa que adormecia o corpo, e ele voltou a sonhar.

Estava no mar, no fundo dele, mas por sorte viu um grande anzol e prendeu-o nas cordas que o enrolavam. Foi levado até o topo, num longo percurso. Durante ele, não viu peixe algum, mas por vezes conseguia avistar vultos e corpos ao longe. Pareciam cadáveres.

“Ah, é você..” – Disse o homem com a vara de pescar, quando avistou Ernand.

“Sou eu.”

“Escute, eu estou com uma ressaca dos diabos.. Podemos fazer isso outra hora?”

“Isso o que?”

“Isso, garoto. Eu sei como funciona, e estou nisso há muito mais tempo que você.. confie em mim, e vá embora. Volte outra hora.”

“Do que você está falando?”

“Você vai querer ver ele, não vai?”

“Ele quem?”

“”Ele quem?” Por favor, Ernand, Estou realmente cansado. Bebi demais. Você devia saber, você quem transformou o mar todo em vinho daquela vez.”

“E por que ele não é mais?”

“Porque..Argh, as coisas mudam, certo? Nada é para sempre. Você já devia saber disso também.”

“O que você quer dizer com isso..?”

“Olha, eu.. Ah, quer saber? Vou falar. Você perdeu seus pais. Você perdeu seu livro. Você perdeu seus irmãos.. E agora, um deles morreu. E você deve estar achando que é o fim do mundo, e o caramba.. E vai querer ver ele, aqui, nesse sonho. Mas nada é para sempre, Ernand, e nada termina de verdade, o mundo segue seu curso, pessoas morrem e nascem, não adianta se preocupar com esse tipo de coisa. Tem gente muito pior por aí. O problema é quando você não consegue deixar as coisas... irem embora.”

“Você me disse... que esse mundo era meu, e que eu podia fazer o que eu quisesse com ele. Se eu achar que é o fim do mundo, pode muito bem ser o fim desse aqui.” – Ernand se sentia estranhamente poderoso.

“Bem, você que sabe.” – O marujo parecia triste e desapontado.

“O problema é.. você vive no meu mundo, não vive? O que acontece se eu acabar com ele?”

O homem deu de ombros.

“Não é tão simples assim... mas pra falar a verdade, nem eu sei direito. Mas acho que eu vivo um pouco em cada um, entende? Digo, talvez se você morra ou simplesmente pare de sonhar comigo, eu vou e vivo no sonho de outra pessoa. Com certeza eu não vivo só em você. Tenho muitas coisas acontecendo, coisas até demais “

“Você é um demônio?”

“Não, não, não.. Demônio? Por favor. Eu sou só um cara com uma ressaca dos diabos. Você realmente podia ter trazido vinho consigo, se ia começar com isso.”

“Eu não posso criá-lo? É meu sonho, afinal.”

“Você acha que consegue?”

“Vamos ver...”

Ernand abriu os olhos. Mal conseguia sentir seu corpo. Estava completamente dopado daquilo que haviam lhe forçado a engolir. Estava escuro, e ele continuava amarrado. Fechou os olhos de novo e tentou dormir, mas ficava pensando em Rhyde, e a raiva não deixava.

“Não consigo dormir, Rhyde.” – Ele disse, quando o irmão apareceu.

“Eu sei. Eu também não.”

“Mas você está morto.”

“É o que dizem. Mas vou te falar uma verdade, Ern. Esses putos que se dizem Grande Sacerdotes ou Altos Padres.. Bah, eles não sabem de nada. Tudo o que fazem é prometer uma caralhada de Céus para quem for bom e fazer tudo certinho, como eles querem.. Ou então, pros que não fazem, ameaçar com o inferno, o fogo, passar a vida inteira sendo mastigado pelos dentes do Devorador.. Bah, isso tudo é uma grande besteira. Eu odeio essa gente que só ameaça, sabe? Digo, pra que dizer que você vai dar um soco em alguém, se você pode realmente ir lá e dar? Se esses Bons Homens e esse Bom Deus querem mesmo que alguém seja bonzinho, deviam dar os Céus pra eles aqui, durante a vida, pra todo mundo poder aproveitar e ser feliz junto. Não ia ser legal? Ao invés de ter que viver sofrendo e ainda correr o risco de se foder no final, por causa de alguma coisa que você fez as vezes até que sem querer..” – Dizia Rhyde, coçando o seu cabelo desgrenhado e o queixo enfeitado por pequenos pelos e andando de um lado para o outro enquanto falava.

“Você nunca foi o tipo de pensar muito sobre essas coisas, Rhyde.” – Disse Ernand, sorrindo. Estava feliz por falar com o irmão.

“É, mas as coisas mudam quando a gente morre, sabe? Digo, eu nunca gostei muito desses Bons Homens, você sabe. Eu só mantinha nós longe deles porque eu sempre soube que mexer com eles ia dar em merda. Por mim, eu jogava esterco na cara deles todo dia, mas não queria que você, Olie, Jude, Bezê e até o gordo do Nardo se fodessem por minha causa. Esses Bons Homens são malucos. Olha só o que eles fizeram. Queimaram nossa casa. Tudo por causa de demônios.. Ora, se tinha algum demônio lá dentro, eu nunca vi. Só se fosse a gente.”

“Bem que podia ser. Não nos chamavam de Filhos da Puta por nada.” – Disse Ernand.

“É, mas tem tanta coisa ruim no mundo, que a gente nunca foi nada demais. Podíamos ter sido pior. Ao menos eu podia. Consigo pensar em um monte de coisa ruim que podia ter feito. Coisa boa que queria ter feito. Agora não dá mais.”

“Talvez..Bom, talvez eu possa.. fazer algo por você? Ainda estou vivo. Seria uma honra.”

“Ah, Ern. Você sabe o que tem que fazer. Tem que cuidar dos nossos irmãos. Bezê tem um bom papo e algumas boas idéias, mas você tem que ajudá-lo com isso. Olie briga bem quando quer, e agora que eu fui é o mais corajoso.. Só que precisa de você pra dizer pra ele quando ele pode ou não pular de certa altura porque é burro demais pra conseguir entender sozinho. Nardo.. Olha, eu passei a vida inteira procurando o lado bom no Nardo, e até hoje nada. Mas é nosso irmão, temos que cuidar dele também. E Jude.. Jude pode ser qualquer coisa. Queria ficar vivo pra ver no que ele ia se transformar. Se tem algo que eu posso pedir, Ernie.. É que, porra, não se esqueça de mim cara. Lembre de como eu era foda.”

“Eu lembro. Da vez que você bateu nos quatro garotos mais velhos que tinham roubado o lanche do Nardo. Da vez que conseguiu levar uma das mulheres do Casarão pra cama de graça, e ainda nos chamou pra espiar pelo buraco que fez na parede. De quando bebemos aquela meia garrafa que Bezê havia arranjado e você disse que eu era oficialmente um Filho da Puta, e devia agradecer por isso, e também de quando..” – Dizia ele, sorrindo e chorando ao mesmo tempo, enquanto falava.

Ele e Rhyde ficaram ali conversando, lembrando e rindo de muitas histórias, até que finalmente ele disse:

“Tenho que ir.”

“Pra onde? Você disse que não existe nenhum Céu.”

“Eu sei, esse é o problema. Queria ficar mais, mas não dá.”

“Por que?”

“Porque.. bom, eu estou morto. Não devia nem estar aqui. Não sei como isso aconteceu, Ernie, mas eu gostei que aconteceu. Cuide de todos. Diga que eu amo aqueles filhos da puta. Agora eu vou. Vou matar a minha curiosidade, ou ela vai morrer comigo.” – Ele disse, e então foi embora, como se nunca tivesse estado lá.

Ernand limpou os olhos e olhou ao seu redor. Ainda estava no quarto escuro e vazio, ainda estava amarrado, e ainda estava sozinho. Não sabia se havia sonhado, mas aquilo parecia real demais para ele. E ainda estava com sono. Não, não podia ter sido um sonho. Estava com sono, sono demais, sono suficiente para só de fechar os olhos ele conseguir..

O garoto estava se afogando. Não tinha ar onde ele estava, e onde ele estava era mais escuro do que qualquer coisa. Estava tão escuro que não podia sequer ver seu corpo, mas conseguia sentir. Alguma coias o puxava para baixo, uma mão gelada e morta. Muitas outras tocavam seu corpo e tentavam arrastá-lo ainda mais fundo naquele oceano negro onde estava, e ele sabia que todos eles eram pessoas mortas.

“Me desculpe.” – Ele tentou falar, mas apenas engoliu água no processo. – “Eu não queria.. Eu não queria entrar no seu mundo.”

Mas não adiantava. Inúmeras mãos o puxavam para baixo, e mesmo sem ver ele sabia que todos os mortos queriam levá-lo consigo, por ter ousado falar com o irmão que havia morrido.

“”O mundo é seu. Você pode fazer o que quiser com ele.” - As palavras alcançaram sua alma, propagadas de forma abafada pela água onde estava. Ele lembrou-se das conversas com o homem no bote, de como haviam conversado sobre aquilo.

Eram sonhos, sempre sonhos. Estava dormindo quando aquilo acontecia. Talvez fosse apenas coisa da sua cabeça, e com certeza teria algo a ver com a medicação que estavam lhe dando, aquela coisa pastosa, amarga e que deixava seu corpo dormente...

“O mundo é meu.” – Pensou, e então de alguma forma os braços dos mortos se afastaram dele, e nadou para cima, até o ponto onde a água foi se tornando mais clara. Não tardou a ver o grande anzol pendendo, e agarrou-o com as duas mãos. Foi puxado para cima.

“O mar está fraco pra peixe hoje.” – Disse o marujo de sempre. Tinha um meio-sorriso, e parecia bastante cansado. Ernand subiu no pequeno barco e sentou-se nele.

“Desculpe, acho que esqueci seu vinho.”

“É, mas não se esqueceu do seu irmão. Bom, ao menos minha ressaca já passou. Como foi sua visita ao mundo dos mortos?”

“Aconteceu mesmo? Não foi outro sonho? Foi real?”

“Garoto, o que você acha que tudo isso é? Eu tentei lhe avisar pra acordar antes que fosse tarde demais.. Alguém com uma capacidade dessas que você tem.. É complicado. Escute, Ernand, vou tentar simplificar: Onde você pode encontrar alguém que já se foi?”

“Num sonho.”

“Exato. Só em sonhos. Não confunda o que acontece de dia com o que acontece de noite. Mas não ache que um é menos real que o outro só porque acontecem em lugares diferentes.”

“Isso tudo é.. complicado.”

“É, é mesmo. E sobre o que falávamos antes.. Esse mundo pode ser seu, mas não ache que todos os outros são. E acredite, existem mais mundos do que qualquer um possa um dia visitar. O que importa é que você está vivo. Você podia não ter voltado da sua conversa com o morto.. Não dá pra fazer uma coisa dessas e esperar que não tenham riscos. Alguém como você... Bem, você vai ser cobiçado, por poder fazer o que faz.”

“Mas todo mundo sonha.”

“Sim, mas nem todo mundo viaja pelo Ébriuum. É por isso que tem gente atrás de você. Os olhos no céu. Eles estão sempre a procura de anomalias. São realmente chatos. Sabe, Ernand, eu realmente preciso de uma bebida. Não agüento mais o som da minha própria voz por muito tempo sem ela.”

O garoto olhou para o céu, e parecia uma manhã nublada. Ao seu redor, o mar estava calmo, e o barco mal balançava.

“Você vai ter seu vinho.” – Disse ele. – “Assim que me ajudar a sair do templo dos Bons Homens.”