DOS AVÁ CANOEIROS AOS KALUNGAS E BANDEIRANTES

Era uma vez...

A história de Cavalcante não é uma unanimidade. Alguns dizem que foi Diogo Telles Cavalcante seu fundador, vindo de São Paulo – vertente mais forte, pois até a praça central de Cavalcante sempre teve seu nome. Outros dizem que foi Carlos Marinho, vindo do Maranhão pelo Rio Tocantins. E há outros ainda, que dizem terem sido dois irmãos de sobrenome Cavalcante (outros), os primeiros a chegarem aqui.

Como os livros de história não nos dão certeza de nada, nos damos o direito de contribuir com uma nova versão...

Cavalcante estava, como sempre esteve, situada neste recanto mágico, cercada por serras e habitada por lindos índios Avá-Canoeiros, cujas mulheres usavam o Córrego Lavapés, ou o Rio São Félix, ou qualquer outro de nossas centenas de cursos de água cristalina, para se banharem, prepararem comida ou apenas saciarem sua sede; só não lavavam roupa, como nossas mulheres fazem até hoje, por não usarem roupa. (Costume muito apropriado para o nosso clima...Sábios índios!)

A vida devia ser bem contemplativa, pois a caça era abundante, os frutos do cerrado eram, como ainda são, abundantes, e a flora fornecia todo tipo de remédio para as poucas doenças que tinham.

Ainda não havia mangueiras na região, mas as árvores da mata de galeria davam tanta sombra quanto estas. (Cavalcante hoje está construída no que deveria ser uma mata de galeria deslumbrante, pois sua sede está localizada no entorno de três córregos, o Lava-pés, o Brejinho e o Matias).

Seus cocares deviam ser fartos, pois o recanto é cercado a sudeste pela serra das Araras, famosa há muitos anos pela quantidade de araras, papagaios, periquitos e tucanos. A palha do buriti, da pindobinha e do indaiá, fornecia a cobertura para suas ocas, e os homens, além de caçar, fabricavam pontas de lança de cristal e granito, abundantes também na região.

E viveriam neste paraíso até hoje, se um belo dia não lhes aparecesse pela frente um povo completamente diferente de todos os que conheciam: pele negra e luzidia, músculos fortes, dentes alvíssimos, e eram altos como pindaíba. Seu olhar demonstrava um medo que para os Avá era desconhecido: o medo da escravidão. Talvez por isso, não os temeram nem quiseram guerrear com eles. Iniciaram uma convivência pacífica e começaram a se entender. Eles também lhes alertaram de um perigo que vinha atrás: grupos armados de uma outra raça que deveriam, cedo ou tarde, chegar até aqui.

Então iniciaram outra travessia, desta vez os dois grupos unidos, em direção a uma espetacular cadeia de montanhas, em busca do sertão protegido.

No meio do caminho, encontraram outro grupo indígena, que vivia às margens do Rio São Félix, fugindo desta raça branca que fazia trovões e matava tudo que se movesse, e que não fosse de sua raça.

Depois de várias conferências, os índios resolveram se unir ao grupo fugitivo, para se organizarem e revidarem o ataque; suas mulheres e crianças seguiriam com os negros em busca de sítio seguro.

E seguiram, os guerreiros para oeste e os outros para nordeste. Os guerreiros não foram mais vistos, e hoje sabemos que foram dizimados. O grupo que seguiu para nordeste, descobriu, escondido por centenas de morros, um lugar que não só era seguro, como lhes parecia muito com a Mãe África: quente, cheio de rios cristalinos, caça e pesca à vontade e frutos dos mais variados sabores, cores e cheiros.

Este grupo formou a Nação Calunga, que ocupa hoje cerca de ¼ de nosso município.

E o resto de nós?

Voltando à sede, nela ficou um pequeno grupo de índios observadores, para levarem notícias da raça branca.

Quando chegaram à zona calunga, contaram como os brancos chegaram com uma multidão de negros acorrentados que lhes serviam de escravos, e a quem chicoteavam para que derrubassem com maior rapidez as árvores das margens dos córregos, para depois cavarem, desbarrancarem e mancharem as águas claras com muita areia e terra, deixando montes e mais montes de cascalho por onde passaram.

E começaram a construir abrigos estranhos: a princípio de madeira e logo após com terra e galhos. Outros, aproveitavam os montes de cascalho para misturarem à terra, que amassavam com água, formando pedras iguais e da cor do chão.

Viram também de onde saíam os trovões: uns galhos retos de uma madeira esquisita, brilhante e da cor de uma terra escura que existe no alto da serra do Araí, hoje a área entre São José e São Domingos. Com esse instrumento, viram os brancos derrubarem, de grande distância, toda caça que viam, toda ave que voava, e antes que dessem com eles, fugiram em busca da tribo.

Quando souberam do triste fim de seus guerreiros, resolveram ficar com os Calungas, em paz e seguros, escondidos do demônio branco.

Foram poucos, mas o suficiente para dar características físicas diferentes a vários grupos da Nação Calunga: pele mais clara, estatura mais baixa e compacta, olhos muito puxados, narizes delicados e zigomas proeminentes, como os da Região do Prata e do Engenho II. Os do Vão do Moleque e Vão do Almas - mais tradicionais, longilíneos, pele ebúrnea e muito altos.

Mas estas diferenças, que aos poucos as novas gerações apresentavam, não provocaram nenhum atrito ou intranqüilidade, muito pelo contrário: viveram juntos, isolados da demais gentes, sem delimitação de propriedade particular, solidários, em harmonia, compartilhando a liberdade perseguida e alcançada, em PAZ.

Coisa que muito país de primeiro mundo não conseguiu até hoje...

De volta à sede, encontramos o “progresso”: a mina de ouro mostrou-se generosa, abriram a fundição, construíram a igreja e a cadeia, a vila cresceu, decresceu, demoliram a cadeia e a igreja, construíram outra igreja, outra cadeia, etc., etc., etc., até os dias de hoje, quando uma consciência conservacionista começa a mostrar sua força, principalmente no que diz respeito às tradições culturais locais, tão diversas e, por isso, tão ricas.

Assim deve ter acontecido por todo nosso imenso centro-oeste, que na mistura das três raças encontrou uma fórmula mágica, que resultou num povo solidário, hospitaleiro, festeiro, forte e, acima de tudo, LIVRE.

E orgulhoso.

Orgulhoso de sua terra, de suas festas, de seus santos padroeiros, de suas danças, de seus cantos, de sua cidade, de seus rios e cachoeiras, de seu céu, de ser goiano, de GOYAZ, dos GOYAZES...

E privilegiando a humanidade até em seu lema:

“Nossa principal riqueza é o homem”

Pat Difusa
Enviado por Pat Difusa em 18/12/2006
Código do texto: T321951