Sangue de Dragão - Cap. 72
O Desafio
---- Segundo Árion me disse, seu progresso está sendo bastante satisfatório --- falou Fucalt. Ele e Orogi estavam conversando em uma barraca do acampamento centauro, sob a luz de velas e comendo uma refeição preparada pelo próprio mago. Orogi sempre se impressionava com as artes culinárias do mestre Fucalt e devorava a comida com bastante gosto.
---- Andei pensando sobre uma coisa durante o treinamento --- disse o garoto.
---- O que? Posso saber?
---- Eu realmente não posso lutar como Rauros luta, como todos os centauros lutam. Como o mestre Árion disse, eu não posso aprender certas técnicas, pois são feitas para os centauros e não para humanos.
---- É verdade. Mas o que andou analisando? --- perguntou Fucalt.
---- Até hoje eu me esforçava para chegar até o final das lutas segurando o escudo e a espada, tudo para não escutar as risadas dos outros aprendizes centauros e provar que eu poderia ser igual a eles. Mas não sou. Era isso que o mestre Árion disse quando eu cheguei aqui e não tinha entendido. Ele não quer me ensinar a lutar como os centauros, mas simplesmente a lutar, a ser um guerreiro, a usar bem as armas. Portanto, eu preciso ser eu mesmo. Foi isso que eu senti na última luta com Rauros.
Fucalt estava impressionado e feliz com as palavras de Orogi. Com a análise que o garoto fez a respeito do que estava aprendendo no centro de treinamento. Parecia mais leve e confiante, pois não precisava se preocupar em ser igual a ninguém. Fucalt muitas vezes se perguntava quando esse momento ia chegar. Mas parece que não estava enganado a respeito da força que tinha visto nos olhos do garoto, da qual havia falado para o Gai-Khan. Fazia tempo que não via esse fogo nos olhos de ninguém, a não ser nos seus próprios na juventude. Mas no caso de Orogi existia algo mais, algo que lhe reacendia uma esperança esquecida, uma esperança em dias melhores para o mundo. O coração de fucalt teimava em lhe dizer que Orogi estava destinado a algo grande, que não sabia do que se tratava. Só o tempo iria mostrar se estava errado ou não.
Orogi realmente estava mais confiante em si mesmo. Aplicava-se mais nos treinos e se portava melhor nas lutas, com mais paciência, se destacando e fazendo surgir nos demais aprendizes, principalmente Rauros, um respeito crescente. Árion acompanhava satisfeito, pois guerreiro experiente que era gostava de ver quando alguém se superava.
Dedicando-se mais aos treinamentos, Orogi era visto muitas vezes praticando sozinho num canto qualquer os movimentos com espada e as posições de combate. Conseguiu até amizades entre os centauros, a exemplo de Ruanny, uma centauro bem simpática, e Pargos, um jovem e robusto aprendiz. Eles sempre conversavam no acampamento antes de se recolherem às suas barracas. Os centauros perguntavam muito sobre a vida nas cidades humanas e pareciam não ter muita intolerância aos homens, pelo menos não abertamente.
Mas Orogi sabia e sentia que sua presença em Grennmória era muito difícil de ser aceita pela maioria dos habitantes. Os elfos, anões, licantropos, centauros e gigantes sofreram muito nas mãos dos humanos no passado e Orogi não os culpava pela sua insegurança. Orogi também sabia que os grennmorianos não eram nada fracos e indefesos, pois viu muitas de suas fantásticas habilidades, e se permaneciam escondidos no refúgio verde é porque preferiam assim.
O que Orogi não sabia era que Ruanny e Pargos eram também grandes amigos de Rauros, o mais intolerante dos jovens centauros. Ele não gostava nada de ver o quanto o garoto humano começava e se sentir entre os seus, até dividindo suas amizades. Certa noite Rauros decidiu dar um ultimato aos dois amigos, principalmente Ruanny, por quem nutria certos sentimentos. Acompanhado por alguns centauros, uma espécie de fã clube pessoal, Rauros se aproximou dos três que conversavam.
---- Pargos! Até você Ruanny! Eu tinha muita estima pelos dois, mas vejo que rebaixam sua raça mantendo contato com essa aberração humana! --- os centauros que estavam a volta começaram a se afastar, sentindo o clima pesado no ar.
---- Eu não me sinto rebaixada Rauros --- falou Ruanny desafiando o centauro brigão. Pargos estava mais contido e com a cabeça baixa.
---- Por mais que muitos de nós não gostemos da presença de Orogi em Grennmória, devemos lembrar que o próprio Gai-Khan permitiu sua permanência --- continuou Ruanny. Orogi estava ao seu lado, calado e tenso.
---- Nunca concordei com a decisão do grande líder --- falou Rauros dando dois passos a frente ---- Ele não deveria ter permitido isso.
---- Cuidado com o que diz. O nobre Gai-Khan não tomaria decisões ao acaso. Ele sempre sabe o que faz --- disse Ruanny.
---- A questão não é essa! --- gritou Rauros, mudando de assunto para escapar da seriedade das palavras de Ruanny ---- Ele é humano Ruanny, e nós sabemos que os humanos só pensam numa coisa: acabar com todos nós, com todo o povo ancestral! --- muitos centauros concordaram balançando as cabeças.
---- Você sabe que isso não é inteiramente verdade. Muitos guerreiros do passado e de hoje também possuem boas amizades lá fora com os homens. Afinal, aprendemos que os humanos também são filhos da Mãe Gaia. Uma pena que tenham saído do caminho da harmonia, mas é que eles ainda estão cegos.
Orogi se impressionou com a sabedoria de Ruanny.
---- São cegos e cruéis! Por acaso esqueceu da batalha em Menizaia! Por acaso não sabe o objetivo daquela campanha! O comandante Árion poderia te responder melhor, afinal ele estava lá, lutando por nossa liberdade! O objetivo dos malditos humanos era encontrar Grennmória e nos destruir por completo! São tolas as suas fantasias de convivência pacífica Ruanny, aprenda a manter os pés no chão, na realidade, como eu faço! Humanos como esse garoto idiota não merecem ser considerados filhos de Gaia, pois a desrespeitam constantemente! --- Rauros apontava o dedo indicador para Orogi.
Ruanny ficou em silencio. As palavras de Rauros, apesar de serem fortes, carregavam o peso da verdade. Uma verdade distante do seu sonho de convivência.
---- E você humano! --- continuou Rauros ---- Se acha que já um de nós, prove! Eu o desafio aqui e agora! --- o centauro saca sua espada e a aponta para Orogi.
---- Isso é um absurdo! --- protestou Ruanny ---- Rauros, você sabe que ele não tem a mínima condição de aceitar um desafio nos termos dos centauros! --- quando um centauro desafia outro para um duelo, significa que a morte pode ser o preço a pagar. Ela temia por Orogi. Apesar de sua evolução, ele não seria páreo para as habilidades de um guerreiro quase completo como Rauros.
---- Já foi longe demais Rauros. Você sabe o que o desafio pode trazer como conseqüência, inclusive para você --- Pargos finalmente falou.
---- Cale a boca, amigo de humanos! Então garoto, você aceita ou não o desafio que lhe imponho! Quer se tornar um homem ou vai ser um eterno covarde?!
---- Pare Rauros, por favor! --- Ruanny deu alguns passos à frente estendendo as mãos ---- Não sabe o que......
---- Eu aceito --- falou Orogi, interrompendo as palavras de Ruanny. A centauro olhou para trás incrédula.
---- Orogi? Sabe o que está fazendo? --- falou Pargos baixinho.
---- Sim. Eu entendi o que significa esse desafio. É por isso que preciso lutar com ele, senão isso nunca vai acabar. Me dê sua espada Pargos, por favor.
---- Orogi, não! --- suplicou Ruanny.
Orogi brandiu a espada de Pargos e tomou posição dentro da roda que os centauros já tinham formado para o embate.
---- Parece que as palavras não surtem efeito com você Rauros. Como a maioria dos centauros, você só acredita na linguagem das armas. Neste sentido acho que tenho alguma coisa a lhe dizer --- Orogi estava claramente provocando o oponente ---- Está preparado?
---- Sempre! --- Rauros abriu um sorriso e partiu na direção de Orogi.