Nasce Belizário - Matador

Belizária, uma negra forte, excelente cozinheira, oriunda de um quilombo das Gerais, amasiada de muitos índios Kadwels, teve um filho só, que o batizou de João, não por homenagem a alguém, simplesmente por que gostava do som "ão". João aprendeu muito com sua mãe na lida das coisas caseiras, mas aprendeu mais ainda com o povo dos seus pais, no plural mesmo, pois não se sabia de qual era filho, sabia que era meio irmão de muitos kadwels, estes também só sabiam com certeza quem era sua mãe.

João, com este povo aprendeu, estar sem ser visto, ouvir sem ser ouvido, cheirar sem ser cheirado. Aprendeu a encantar um cavalo, a ler os sinais da natureza e dos animais.

Em razão das voltas desta vida, vieram para cidade, Belizária se empregou em uma sede de fazenda de café e João em uma pensão na cidade. João não tinha sobrenome, e por costume destes cantos das Gerais, virou João da Belizária. Ao se empregar, no início da adolescência, não pediu salário, só queria pouso e comida.

Inicialmente a dona da pensão pensou que mesmo assim estava fazendo um mau negócio, pois João era franzino. Enganou-se, no dia seguinte ao acordar, o chão da cozinha estava lavado, as mesas e cadeiras estavam alinhadas, o café estava passado. Tudo isso sem dar uma única ordem ao menino. Observou, com o passar do tempo, que o menino tinha muitas habilidades, sabia descarnar animais, limpar as galinhas para serem cozidas, preparar o couro para ser curtido, mas não adiantava pedir para ele matar animais, para isto ele dizia sempre:

- Animais! Não mato.

Com certa ênfase na palavra "animais". Ainda sentiu que ele detestava ser mandado, ao servir as mesas dos comensais, antes que fosse solicitado, abastecia as travessas daquelas comidas que eram servidas a vontade, trocava as garrafas de água, passava quase despercebido pelos fregueses. Se alguém lhe pedia algo, atendia de pronto, porém se este pedido fosse ao tom de ordem, morrinhava, até a ordem ser atendida por outro serviçal.

Dona Geralda, dona da pensão, afeiçoou-se pelo menino, que estava tomando forma de homem, com as características de cafuzo, não era alto, mas era forte, tinha uma agilidade impressionante e habilidade fora do comum. Se vinham circos mambembes na cidade com barracas de jogos típicos de parque, como lançar argolas em garrafas, ou bolas para derrubar latas, Belizário ganhava todos os prêmios, até ser contratados pelos barraqueiros, que cansados de pagar prêmios ao menino, contrataram-no para ser o jogador isca, ou seja, aquele com habilidade para fazer parecer que a prova era coisa fácil.

Um dia, na pensão, surge um passante, forte e destemido, quando falou seu nome em alto e bom som, fez-se silêncio na copa onde havia muitos homens. Ditão era temido na região por sua valentia e algumas mortes nas costas.

Escolheu uma mesa que estava ocupada, espantou o ocupante simplesmente puxando a cadeira com o olhar fixo no antigo comensal, que saiu sem reclamar.

Belizário estava por ali, na sua costumeira lida, no seu ritmo de sempre. Ditão se dirigiu a ele:

- Oh moleque! Vá na cozinha e mande vir três ovos fritos moles para mim. - Naquele tom que Belizário odiava. João morrinhou, o que não passou despercebido por Ditão. - Você não me ouviu, moleque? - João fez que não, cara de paisagem. Ditão levantou-se e caminhou em direção do menino, que era cerca de quase palmo e meio mais baixo do que ele. O Rapaz não arredou pé. O salão de refeição, de repente, ficou vazio, cadeiras e mesas eram derrubadas pela passagem de Ditão, que chegou pegando Belizário pelo colarinho com uma mão e a outra já em movimento para bofeteá-lo, movimento que terminou em sua própria garganta ao sentir uma queimadura na região. Belizário, que estava com sua inseparável faca de descarnar animais, passou-a pela jugular de Ditão, que cai incontinenti, incrédulo, e depois, morto.

Esta foi a entrada de Belizário para o mundo das mortes, sua fama rapidamente se espalhou. Um Coronel mandou chamar João da Belizária, agora já conhecido como João Belizário, e propôs empreitas de um tipo de mensageiro de suas ordens de dia e mensageiro da morte de noite, se aquelas não fossem cumpridas.

Sua receita seria muitas vezes maior do que recebia da pensão.

João respondeu:

- Não tenho patrão, não recebo ordens de ninguém, mas atenderei seus pedidos de bom grado.

Interessante esta faceta de Belizário para com a morte, não matava animais, a não ser por necessidade extrema, mas a morte de homens lhe eram indiferentes.

Assim começou, não se afastou da pensão no início, mas depois a polícia começou a importuná-lo, ai virou itinerante.

Defranco
Enviado por Defranco em 18/08/2011
Reeditado em 26/02/2016
Código do texto: T3167110
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